Redação Pragmatismo
Justiça 12/Jun/2019 às 14:15 COMENTÁRIOS
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Moro, Dallagnol e o que a história nos ensina sobre heróis

Publicado em 12 Jun, 2019 às 14h15

Surgem agora provas daquilo que foi alertado a todo tempo: não houve um julgamento justo e havia um esquema de colaboração a envolver o próprio juiz da causa, atualmente Ministro da Justiça no governo do adversário político de quem condenou

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Sérgio Moro e Deltan Dallagnol (Imagens: Marcos Corrêa | PR e Antônio Leal | MPDFT)

Felinto Alves Martins Filho e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima*, Jornal GGN

Se depender da jurisprudência quase unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem jurisdição sobre a Operação Lava Jato e a 13ª Vara Federal de Curitiba, The Intercept Brasil apenas observou o que este Tribunal Federal já decidiu. O antigo titular da 13ª Vara, Sergio Moro, divulgou conversa telefônica entre a então Presidente da República Dilma Rousseff e o ex Presidente Lula, mesmo sabendo que estava praticando crime previsto no art.10, parte final, da lei 9.696/66. No entanto, invocando um singelo pedido de “excusas” como causa excludente da ilicitude, até hoje Sérgio Moro não foi punido. No julgamento perante o Tribunal Regional Federal, foi acolhido o seguinte entendimento do Relator:

É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais (…). Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada “Operação Lava-Jato”, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de investigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplicação da lei penal, é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal [1].

Logo no prefácio de uma de suas obras mais recentes, Gunter Frankenberg [2] nos adverte de que “nas sociedades seculares, não se deve contar com anjos e condições paradisíacas, mas com conflitos de toda espécie. Nas sociedades pluralistas, debate e dissenso atribuem ao Estado de Direito, como forma de soberania da distância, a missão de banir a arbitrariedade da prática do Estado e de manter apartadas as paixões da sociedade civil”.

A história está a nos revelar o que ocorre quando apontamos um culpado para todos os nossos males e elegemos um salvador como panaceia. Não faltam exemplos. Assim como em diversos outros países, no Brasil tivemos a chegada da direita ao poder com um discurso de combate ao inimigo responsável por tudo aquilo que pode ser utilizado para tocar os mais sensíveis. Para cada insatisfação que se pudesse imaginar, a razão estaria no grande esquema criminoso de corrupção do partido da esquerda, no poder há alguns anos. Com isso, deflagra-se a Operação Lava Jato, braço jurídico de uma proposta de nova política salvadora da nação.

No que diz respeito ao devido processo legal, o embuste foi percebido. Em “Comentários a uma sentença anunciada” e “Comentários a um acórdão anunciado”, professores, advogados, promotores de justiça, juízes e defensores alertaram ao Brasil e ao mundo que o Estado de Direito estava em risco. Juarez Tavares, comentando a condenação de Lula, bem apresentou como “o grave equívoco em que incorreu a sentença ao interpretar o alcance do delito de corrupção passiva no direito brasileiro pode ser demonstrado sem maiores dificuldades, à luz não apenas da dogmática jurídica como também – e principalmente – sob a ótica da jurisprudência do STF” [3].

Lênio Streck e Marcelo Cattoni observaram que “no julgamento do dia 24.1.2018 foi rompido o paradigma de que o ônus da acusação recai sobre o acusador e o réu defende-se. […] foi negado ao réu o direito de produzir provas, como rastreamento de recursos financeiros, ouvida de testemunhas [4].” Não faltaram estudos sérios, alertas, avisos, um verdadeiro compliance foi fornecido à sociedade pela comunidade acadêmica, advertindo para o estado de exceção instalado.

A forma midiática como fora conduzido o processo, apontando o Partido dos Trabalhadores (PT) como o mais corrupto da história brasileira, a Operação Lava Jato como a cura de nossos tempos e aquele caso como a investigação sobre a maior organização criminosa já vista levou à prisão e retirou das disputas eleitorais o candidato apontado como favorito, Lula da Silva, tratado como ameaça a ser combatida.

Durante a Operação Lava Jato, chegou-se ao ponto de não mais esconder a ruptura com o Estado de Direito [5]. Portanto, temos indícios de que o Brasil aceitou, ignorando a história, um discurso de terror e medo a justificar violações ao devido processo legal. A convicção de culpabilidade e a ideia fixa de buscar as provas para justificar uma condenação já anunciada, deram a tônica do processo. O discurso da Academia foi inútil, os adversários políticos aproveitaram o ambiente favorável e ascenderam ao poder.

Saiba mais: A mais hedionda e absoluta corrupção é a corrupção da lei

Surgem agora provas daquilo que foi alertado a todo tempo: não houve um julgamento justo e havia um esquema de colaboração a envolver o próprio juiz da causa, atualmente Ministro da Justiça no governo do adversário político de quem condenou. Não há elementos, por enquanto, para afirmar que alguém tenha forjado provas e não se alega aqui que haja, nos diálogos expostos, provas da inocência de Lula. A questão é outra [6]. A se confirmarem as relações entre o juiz Sérgio Moro e a parte acusadora, que não foram negadas como falsas, a mácula deve levar à nulidade do processo.

É fora de dúvidas o vício processual decorrente do envolvimento do magistrado, que ao aconselhar e dar instruções ao procurador da república responsável pelo caso, incide em suspeição prevista no art. 254 ,IV, do CPP, segundo o qual o juiz dar-se-á por suspeito, e se não o fizer poderá ser recusado, quando houver aconselhado qualquer das partes. As garantias fundamentais do devido processo aplicam-se a anjos e demônios, preservando-se a racionalidade do monopólio da punição e afastando a arbitrariedade. Os diálogos obtidos entre juiz e parte constituem prova ilícita, pois violam a intimidade dos interlocutores e a inviolabilidade de suas comunicações de dados, na forma do art. 5º, XII, da CF. Elas são imprestáveis para eventual acusação contra ambos no âmbito criminal, administrativo e cível. Tanto à época do vazamento doloso de Sérgio Moro – e agora se sabe, em conjunto com o Chefe da Força Tarefa – quanto no momento atual, deve ser criticada a obtenção de provas ilícitas.

A prova da ausência de imparcialidade, a ensejar a nulidade prevista no CPP, é admissível, pois se trata de meio de defesa, acobertada pelo princípio da ampla defesa. O STF já se manifestou nesse sentido em algumas oportunidades, como nos Habeas Corpus nº 74.678/SP e nº 75.338/RJ.

Todo o clima de combate ao inimigo construído ao longo das eleições e das investigações faz com que muitos dos convictos pela culpa adversária venham a público alegar que os fins justificam os meios e a dar todo o tipo de desculpa para manter a credibilidade da Operação Lava Jato.

Agora, à evidência do que ocorreu, não se trata mais de ignorância; de dúvida acerca de que houve processo em estado de exceção (como aliás reconheceu o TRF-4); resta apenas pensar como salvar nossas instituições se quisermos seguir acreditando que ainda vige o Estado de Direito proclamado na Constituição da República. É aqui que está a chave da solução deste caso: e que venha rápida.

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Notas:

[1] P.A. CORTE ESPECIAL Nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS. Rel : Des. Federal RÔMULO PIZZO- LATTI. Voto do Relator, p. 4/5.

[2] Günter Frankenberg, Técnicas de Estado: perspectivas sobre o Estado de direito e o estado de exceção, trad. Gercelia Mendes (São Paulo: Editora Unesp, 2018), 11.

[3] Carol Proner; Gisele Cittadino; Gisele Ricobom; João Ricardo Dornelles, Comentários a uma sentença anunciada: o processo Lula (Bauru: Canal 6, 2017), 262.

[4] Cf. Carol Proner; Gisele Cittadino; Gisele Ritcobom; João Ricardo Dornelles, Comentários a um acórdão anunciado: o processo Lula no TRF4 (São Paulo: Outras Expressões, [s.d.]), 127; 115 V. Streck “Em 4 de março de 2016, o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é conduzido coercitivamente em são Paulo, em uma espalhafatosa operação envolvendo a Polícia Federal e o Ministério Público, tudo sob a ordem do juiz Sérgio Moro, de Curitiba”. Na página 108 da mesma obra, Bheron Rocha e Mariella Pittari: “O caso se resume a alguns indícios, várias suposições, muitas convicções e nenhuma prova.”

[5] https://www.conjur.com.br/2016-set-23/lava-jato-nao-seguir-regras-casos-comuns-trf. Acessado em: 10.06.2019.

[6] https://www.conjur.com.br/2019-jun-11/lenio-hackers-ou-x9-direito-nunca-mesmo. Acessado em 11.06.2019

*Felinto Alves Martins Filho é advogado e mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza e Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município de Fortaleza.

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