Redação Pragmatismo
Política 05/Abr/2018 às 14:47 COMENTÁRIOS
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O que diria Leonel Brizola ao general Villas Bôas?

Publicado em 05 Abr, 2018 às 14h47

A papagaiada covarde do chefe do Exército Brasileiro é um desafio à democracia, que põe em xeque o STF e atola em lama as próprias Forças Armadas. Mas onde está a possível resposta? Há 58 anos, dois generais deram um 'ultimato' a Leonel Brizola

diria Leonel Brizola ao general Villas Bôas
Leonel Brizola e Eduardo Villas Bôas (reprodução)

Antonio Martins, Outras Palavras

Que falta faz Leonel Brizola. Em agosto de 1961, ele governava o Rio Grande do Sul quando dois generais – Odílio Denys, ministro do Exército, e Orlando Geisel – lançaram-lhe um ultimato. Exigiam que mandasse para casa as milhares de pessoas que convocara ao Palácio do Piratini, para enfrentar uma conspiração contra a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros. “Ninguém vai dar o golpe pelo telefone”, respondeu Brizola. Mandou guarnecer de barricadas as ruas do entorno do palácio e instalou ninhos de metralhadoras na laje. Sua força militar era ínfima. Mas seu gesto sinalizou, aos que resistiam à arrogância das oligarquias em todo o país, que não estavam sós, que havia como lutar. Denys e Geisel recuaram, a multidão permaneceu, Jango tomou posse.

Alguém soprou ontem ao general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, que faria sucesso se imitasse, 58 anos depois, a fanfarrice de seus antecessores. A armação foi pueril. Às 20h39, o general lançava, no Twitter, sua papagaiada covarde, sua tentativa de exigir do STF a condenação de Lula sem a coragem sequer de enunciar claramente a demanda. O texto é tão aguado que passaria em branco. A fala do boneco só ganhou sentido na voz do ventríloquo. A Rede Globo deu-lhe força na edição carregada do Jornal Nacional, na interpretação canastrã de Willian Bonner e no timing caprichosamente escolhido para a publicação: os últimos instantes da edição que antecedeu o julgamento do Supremo Tribunal Federal.

O general prestou-se ao papel de ator da família Marinho, mas o fez na condição de comandante do Exército. Por isso, as consequências de sua fala são vastas para três atores políticos: o STF, as Forças Armadas as esquerdas.

Submetido a pressão tão escancarada, o tribunal está obrigado a decidir, hoje, não apenas sobre o habeas-corpus do ex-presidente, mas sobre sua própria dignidade enquanto corte suprema. Se julgar segundo o script de Villas Boas, passará a ser visto, enquanto durar o atual período político, como mero cumpridor de ordens dos comandantes militares. Conservará o poder, mas perderá o verniz. Dará a Lula o status, agora evidente no Brasil e no exterior, de preso político; de homem privado da liberdade e afastado da política por exigência do poder armado. E passará o recibo: já não há democracia no país, sequer como máscara.

Pato na política, é provável que o general Villas Boas sequer tenha se dado conta – mas seus tuítes são um terrível desserviço ao Exército. Num país em crise prolongada, sem projeto e empobrecido, eles posicionam a força armada ao lado das quadrilhas que controlam o Estado: daqueles que entregam o pré-sal às petroleiras estrangeiras e a base de Alcântara e a Embraer aos EUA; que escondem milhões de reais em malas de dinheiro; que se livram de processos comprando e vendendo votos no Congresso Nacional; que arrancam direitos dos mais pobres para permitir que os empresários obriguem mulheres grávidas a trabalhos insalubres.

Na ditadura pós-64, os militares assumiram responsabilidades, mas tinham poder: a Presidência, os ministérios mais importantes, as estatais decisivas. No arremedo de 2018, se depender de gente como o general Villas Boas, eles se reduzem à condição de capitães do mato. Na época da escravidão, perseguiam os negros que se rebelavam ou fugiam. Agora, também nada decidem: apenas conservam seus poucos privilégios e garantem o poder das máfias parlamentares.

O golpe dentro do golpe, que o general Villas Boas enuncia sem comandar, é, por fim, desafio a uma esquerda acomodada. A intervenção no Rio de Janeiro, após o Carnaval, evidenciou uma paralisia anterior. Que novos projetos, que novas narrativas, os partidos que se chamam de progressistas enunciaram, desde que o lulismo entrou em crise? Reforma política, com alternativa às máfias parlamentares que controlam a política institucional? Tributação dos ricos? Ações contra a desigualdade? Reforma Urbana? Legalização das drogas “ilícitas”? Outra política de segurança pública? Políticas inovadoras de combate ao patriarcalismo? Garantia dos direitos das maiorias que vivem em periferia?

A população mobiliza-se. O discurso que fala de uma suposta “apatia” não se confirmou na prática. Centenas de milhares foram às ruas, quase espontaneamente, para protestar contra o assassinato de Marielle Franco. Quase não havia bandeiras dos partidos. Foi a ação dos que não querem permitir que o país se torne irrespirável. Passadas agora três semanas, o que se propôs a estas pessoas?

O velho Brizola não voltará. Muito menos seus programas, que buscavam enfrentar o capitalismo em outra fase, hoje superada. Outros projetos são necessários. Cabe a nós contruí-los. Mas vale, como inspiração ética, a determinação do governador gaúcho: em vez de lastimar o golpe, cabe enfrentá-lo. Ninguém está autorizado a nos derrotar pelo telefone.

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