Redação Pragmatismo
Direita 26/Out/2022 às 11:14 COMENTÁRIOS
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Jefferson vira "herói" em canais bolsonaristas do Telegram após tentar matar policiais

Publicado em 26 Out, 2022 às 11h14

Monitoramento de canais de extrema direita no Telegram revela que Roberto Jefferson foi tratado como "herói" após atirar contra policiais federais no último domingo

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Roberto Jefferson Monteiro Francisco

Marie Declercq, TAB

Não é difícil esbarrar em canais de extrema direita no Telegram. Lá, muitos deles se comunicam com grupos mais moderados de militância bolsonarista, alguns com mais de dez mil participantes.

No domingo (23), quando o Brasil parou para assistir à repercussão do ataque do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) contra a Polícia Federal, canais neonazistas na plataforma não tardaram em coroar o evento como “um exemplo” a ser seguido por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), especialmente com a proximidade do segundo turno das eleições presidenciais.

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O Telegram é uma das plataformas estratégicas para a comunicação da extrema direita no Brasil. Pela facilidade de compartilhamento de links do YouTube, a possibilidade de navegar ocultando o número de telefone e o avanço da difusão de conteúdos de ódio, a plataforma se tornou local perfeito para que grupos abertamente neonazistas comuniquem-se entre si para disseminar conteúdos extremistas em outros canais considerados mais moderados.

Ao contrário dos chans, fóruns virtuais onde o anonimato é sagrado (e grande parte do conteúdo é assumidamente preconceituoso), os canais do Telegram funcionam com usuários identificados — ainda que com pseudônimos. Isso, no entanto, não impede a existência de canais em que se defende a morte de brasileiros do Nordeste e onde há discursos virulentos contra minorias, especialmente mulheres.

De mártir a bandido

Analistas políticos constataram que a militância bolsonarista ficou algumas horas perdida no domingo, sem saber se o atentado de Jefferson deveria ser apoiado para servir de munição contra o inquérito presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ou se deveria ser repudiado em nome das eleições. A confusão foi amenizada quando o próprio Bolsonaro se posicionou contra o ato e chamou o aliado de “bandido”.

Nos canais de militância bolsonarista tradicional, alguns com mais de 30 mil membros, onde são compartilhadas imagens de campanhas e instruções de como os integrantes devem agir nas redes sociais, o apoio a Jefferson foi abraçado de início, mas abandonado após o pronunciamento do presidente. Menos de 24 horas depois, já circulavam nos grupos fotos do ex-deputado ao lado de Lula e “análises” enquadrando Jefferson como um oportunista político.

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Em contraponto, no canal “Acervo do Bolsonaro”, com 2.000 membros, foram compartilhados fotos e vídeos glorificando o ataque de Jefferson contra a Polícia Federal. Lá, mensagens com discurso misógino e antissemita se misturam com material de apoio de campanha na disputa presidencial.

Mesmo após Bolsonaro repudiar o ataque, alguns membros resgataram notícias antigas com declarações antissemitas de Jefferson para usar como desculpa para defendê-lo.

Entre ‘herói’ e Scarface

Em uma busca simples é possível encontrar mais de cem canais de extrema direita no Telegram, a maioria assumidamente antissemita, misógina e racista. Parte dos grupos neonazistas não apoia Bolsonaro, mas o ataque de Jefferson rompeu a “bolha” e foi bem recebido por usuários mais radicalizados.

Sempre usando um tom irônico, tática comum nesses canais para servir de desculpa de que tudo não passa de uma brincadeira, vídeos comparando Jefferson ao personagem Scarface e exaltando o ex-deputado como herói nacional ganharam curtidas e aplausos por parte dos integrantes.

Na manhã de segunda (24), um texto assinado como “Orgulho Branco” fez uma análise defendendo o ataque de Jefferson. “Muitos defendem em altos brados o uso de armas para defenderem suas vidas e propriedade, mas quando a teoria é aplicada à prática, revelam que não são menos dóceis e submissos que o próximo rebanho”, diz a mensagem. “Leis não são sagradas, mas os princípios sim.”

Em outro grupo, um usuário elogia Jefferson e cita a possibilidade de se envolver fora das telas. “Fico no aguardo dos próximos episódios, talvez tenhamos que nos envolver pessoalmente nessa história, muito além dos votos e dos memes”, escreve. Na mesma linha, outro membro alerta: “Aconselho quem não tem, tirar seu CAC enquanto pode”. O CAC é a licença para colecionar armas de fogo e para praticar tiro desportivo e caça.

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Na visão de milhares de usuários, o ataque de Jefferson também ajudou canais que já tinham um discurso mais violento a subir o tom no discurso racista e antissemita.

Em um canal neonazista brasileiro com mais de 1.000 membros circula uma “análise” sobre as eleições brasileiras de Mário Machado, notório neonazista português. “No Brasil, os caucasóides [sic] votam na sua maioria em Bolsonaro e os negróides/mestiços [sic] em Lula. A miscenização [sic] racial e a imigração provocadas deliberamente [sic] pelo Plano Kalergi /Grande Substituição na Europa visa ter desfechos semelhantes nas eleições no nosso Continente. […] Sim, a Raça é muito importante”.

Antissemitas saindo do armário

Grupos de militância bolsonarista são organizados e participam de ações coordenadas nas redes sociais, porém são raros os que reproduzem um discurso abertamente antissemita, ligando judeus a teorias conspiratórias.

Para o sociólogo Michel Gherman, grupos assumidamente antissemitas declarando voto em Bolsonaro são incomuns, demonstrando uma radicalização ainda maior devido à proximidade do segundo turno.

“O antissemitismo explícito como a gente conhece é difícil de ser encontrado [em grupos bolsonaristas]”, explica o sociólogo. “O que me parece importante é que gradativamente esses antissemitas começam a sair do armário, por exemplo, no caso do discurso do próprio Roberto Jefferson com elementos claros de antissemitismo. O que demonstra que, no subterrâneo, esses elementos são aceitos.”

Na visão do sociólogo, o ataque de Jefferson à PF foi uma tentativa clara de se comunicar com as bases mais radicais. “Foi uma sinalização para que eles pudessem colocar seus planos de radicalização em marcha”, afirma o professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Todavia, acrescenta o acadêmico, a sinalização falhou porque não foi respondida na mesma proporção pelos agentes federais, não foi repercutida nos termos do ex-deputado pela imprensa e não contou com o apoio da maioria da base bolsonarista, que repudiou a violência.

Misoginia como porta de entrada

Segundo Gherman, Jefferson se tornou um amálgama de símbolos caros a grupos extremistas (o culto às armas, o antissemitismo e a misoginia), desde passou a ser um defensor ferrenho de Bolsonaro.

No caso da misoginia, o vídeo de Jefferson contra a ministra Cármen Lúcia foi largamente reproduzido nos canais bolsonaristas e outros mais radicais. Nos grupos mais fechados, onde é comum que membros notifiquem quando Bolsonaro está participando de um podcast, mensagens neonazistas se misturam diariamente com “pensatas” misóginas.

Nesses canais, usuários são fluentes em uma linguagem que até anos atrás era mais restrita a espaços virtuais mais fechados como fóruns de games e chans. Nos últimos anos, termos como “chad”, “redpill”, “beta” foram assimilados pelo público geral e conceitos outrora populares em espaços misóginos ganham força em canais no YouTube, que dizem oferecer desenvolvimento pessoal para homens.

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Alguns personagens ajudaram essa linguagem a se tornar mais palatável para quem não circula nesses meios, como a memetização do protagonista da série “Peaky Blinders”, Thomas Shelby.

A misoginia, de acordo com a pesquisadora Beatriz Blanco, integrante do Cultpop (Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias) da Unisinos, é uma tática importante de grupos neonazistas para pescar novos membros que rejeitariam logo de cara o discurso radicalizado.

“A instrumentalização desse discurso misógino faz muito sentido porque piadas com mulheres fazem parte da cultura brasileira. Todo mundo já ouviu uma piada assim”, afirma. “Vai desde aquela coisa bem idiota de piada com sogra e mulher ciumenta, que até hoje circula em todos os espaços. Então, em um primeiro momento, o moleque vai ouvir um negócio desse e não vai achar que está ouvindo um discurso neonazi. Ele vai achar que tá ouvindo mais uma piada.”

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