Redação Pragmatismo
Contra o Preconceito 09/Ago/2017 às 14:04 COMENTÁRIOS
Contra o Preconceito

Casal gay é humilhado e expulso de festa de formatura após beijo

Publicado em 09 Ago, 2017 às 14h04

"Me arrastaram no meio de todo mundo. Para quem olhava parecia que eu que tinha feito alguma coisa. Foi muita humilhação". Homem é espancado e expulso de festa de formatura de turma de Direito após receber beijo do namorado. Caso foi parar na delegacia

casal gay humilhado expulso de festa de formatura após beijo

Uma festa de formatura realizada na noite de sexta-feira (4), em Porto Alegre, terminou em ocorrência policial por agressão, supostamente motivada por homofobia.

Na madrugada de sábado (5), um dos convidados, o psicólogo e empresário Marcus Vinicio Soares Beccon, 53 anos, esteve no Palácio da Polícia para relatar ter sido imobilizado no piso do salão de festas da Associação Leopoldina Juvenil e ter recebido tapas e chutes de um grupo de homens. As agressões teriam ocorrido depois de um beijo entre ele e seu namorado, o universitário Raul Silveira Weiss, 22 anos.

Vini Beccon, como é conhecido, submeteu-se a exame de corpo de delito no Departamento Médico Legal. Ele tornou o caso público no fim de semana, pelas redes sociais — postou fotos que mostram ferimentos nos braços.

A festa foi organizada para celebrar a formatura de uma aluna da Faculdade de Direito da PUCRS (Zero Hora não está divulgando os nomes porque a polícia ainda não examinou a ocorrência e não confirmou os nomes dos envolvidos). Weiss, que está no último semestre do curso e foi colega da formanda, era um dos convidados. De acordo com o relato de Beccon, por volta da 1h40min do sábado, depois de receber um beijo rápido de Weiss no salão, um grupo de homens aproximou-se:

— Vieram o pai da formanda e mais dois ou três, não sei. Eles vieram dançando em volta, só homens, bem perto, apesar de ter espaço, e lançaram bebida em cima da gente. Não me dei conta de que tinha sido com conivência do pai dela. Como já era a segunda ou terceira vez que jogavam bebida assim em nós, fui falar com ele.

Beccon conta que se aproximou do pai da formanda e pediu providências. Segundo seu relato, o pai respondeu que não tinha acontecido nada demais. O convidado insistiu, afirmando que haviam atirado bebida nele e no namorado. Segundo a versão de Beccon, o pai teria dito: “Olha aqui, vagabundo. Faz assim: vocês vão embora, que vocês é que estão incomodando e isto não é lugar para vocês“. “Está bem, mas fui convidado por sua filha, e isto é homofobia. Vou me despedir dela e dizer que fomos expulsos“, teria sido a resposta do psicólogo.

Quando ele se virou para chamar o namorado, que estava próximo, teria sido derrubado pelos homens que haviam jogado bebida nele. O pai da formanda, segundo Beccon, seria um dos agressores. Beccon diz que foi imobilizado com força no chão, enquanto recebia pontapés nas pernas e tapas no rosto.

— Ouvi a palavra vagabundo, aí me pegaram pelas costas, me arrastaram pelo salão por uns dois metros, na frente de todo mundo, e me deram chutes e tapas. Enquanto davam tapas, tentei pegar meu celular, mas o pai da formanda arrancou-o de mim. Davam aqueles tapas de mão aberta e diziam: “Viado! Vagabundo!“. E o pai dela dizia: “Aqui não é lugar para vocês, eu te falei“. O Raul tentava chegar perto, me socorrer, senti a mão dele tentando me puxar, mas foi segurado. Disseram: “Cala a boca ou tu vais apanhar também“. Então eu vi que deixaram a mãe da formanda entrar no meio do grupo. Eu disse: “Vou processar vocês“. Vi que ela fez cara de apavorada. Depois eu soube que ela é advogada. Ela falou: “Larga ele“. Foi aí que me soltaram.

A agressão teria durado cerca de três minutos. Os responsáveis seriam homens na faixa dos 40 ou 50 anos. Conforme o relato de Beccon, depois que os agressores se afastaram, seguranças da festa aproximaram-se. Ele diz ter pensado que seria socorrido, mas os seguranças o teriam levantado à força e arrastado para fora do clube.

— Me arrastaram no meio de todo mundo, me segurando firme pelo braço. Para quem olhava parecia que eu que tinha feito alguma coisa. Foi muita humilhação.

Beccon e Weiss foram registrar ocorrência no Palácio da Polícia. O único dos agressores que dizem ter identificado foi o pai da formanda. Desde então, Beccon afirma que não consegue dormir. Nesta segunda, não conseguiu ir trabalhar, o que atribui ao trauma. Weiss também diz ter passado mal durante o fim de semana. Ele teria aula na PUCRS à noite, mas estava com medo de comparecer.

— A formanda me convidou em janeiro deste ano. Sempre soube que eu era gay e disse que eu poderia levar meu namorado. Na festa, na lista do evento, estava escrito “Raul e namorado“. Foi uma sensação horrível vê-lo ser agredido e sofrer ameaças. Foi uma sensação de impotência, humilhação, dor, injustiça. Tenho medo de voltar à faculdade e de sofrer represálias. Nesta semana, não vou à aula. E, quando for, meu pai vai ir comigo — diz Weiss.

Parte do temor tem relação com reações de outros estudantes da universidade. Uma colega, por exemplo, teria enviado mensagem a Weiss dizendo que ele estragou a festa e que deveria estar era feliz por ser convidado para um evento concorrido, de gente rica.

No sábado, por meio de uma amiga da formanda, Beccon recebeu de volta o celular. Segundo ele, mandaram dizer-lhe que havia esquecido o aparelho na mesa que ocupara — o psicólogo afirma que jamais sentou à mesa alguma durante a festa.

Além de esperar uma condenação criminal, ele também vai ingressar com processo cível contra os agressores.

— Espero que eles paguem criminal e civilmente e espero que haja uma retratação. Venho de uma geração que enfrentou muito perigo, que lutou muito para ter direito. Atravessei as décadas de 1980 e de 1990 sem sofrer isso na pele. Esta foi a primeira vez que realmente sofri, de apanhar, de ser humilhado, e a humilhação é o pior. E me dei conta de que, além da homofobia, havia no olhar deles a sensação de impunidade. Se eu não fizesse nada, se não dissesse nada, isso se perpetuaria em outros lugares — defende Beccon.

Família da formanda não quis falar sobre o caso

A Associação Leopoldina Juvenil divulgou uma nota para “esclarecer que não tinha e não tem qualquer responsabilidade” sobre os fatos ocorridos, “pois se deram em festa particular, sendo o clube tão somente o locador do espaço onde transcorria o evento festivo“. O presidente da entidade, Gustavo Caleffi, afirma que inclusive os seguranças haviam sido contratados pelos locatários. Ele diz que o clube coloca à disposição dos órgãos competentes as imagens das suas câmaras internas.

Zero Hora não conseguiu contato com o pai da formanda. Falou apenas com a filha dele. Ela disse que nem ela nem o pai têm nada a falar.

— A gente só vai falar na presença do nosso advogado — afirmou.

A formanda não quis informar quem era o advogado, mas um profissional entrou em contato algumas horas depois. ZH explicou que gostaria de ouvir a versão do pai. O advogado respondeu que conversaria com ele, mas não deu retorno até o fechamento desta reportagem.

A ocorrência policial feita por Beccon foi encaminhada para a 3ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre. O delegado responsável, Hilton Müller, disse tê-la recebido nesta segunda-feira. ZH fez vários questionamentos ao delegado, mas ele respondeu a todos da mesma forma:

— Não examinei a ocorrência.

Müller afirma que examinará a ocorrência na manhã desta terça-feira.

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Itamar Melo, Zero Hora

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