Eduardo Tavares de Farias
São Paulo 01/Jun/2017 às 00:33 COMENTÁRIOS
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Os erros de Doria e Alckmin na Cracolândia segundo a filosofia

Eduardo Tavares de Farias Eduardo Tavares de Farias
Publicado em 01 Jun, 2017 às 00h33
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Geraldo Alckmin e João Doria Jr. (reprodução)

Eduardo Tavares de Farias*, Pragmatismo Político

A polêmica operação na Cracolândia comandada pelo governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria recorda uma tentativa de redução de problemas relacionados à pobreza na Inglaterra, nos séculos XVIII e XIX. Detalhe: também recorrendo a uma prática guiada pelo adjetivo COMPULSÓRIO. Como muitos sabem, “compulsório” significa forçar alguém a fazer algo; obrigar.

O renomado professor de filosofia política e moral de Harvard, Michael Sandel, conta que o filósofo Jeremy Bentham (1748-1832) propôs a remoção dos mendigos das ruas de Londres e o confinamento deles em abrigos (reformatórios). Dentro, cada mendigo teria direito a um emprego, o qual serviria de fonte de ingresso para pagar pela roupa, comida, assistência médica e outros serviços que recebessem. Permaneceriam no reformatório até juntarem uma quantia suficiente de dinheiro para iniciar a vida fora da clausura. Uma espécie de reconquista da liberdade que lhe foi roubada.

Por que Bentham propôs esse plano? Ele havia percebido que os mendigos reduziam – de duas maneiras – a felicidade das pessoas que os viam nas ruas. Enquanto os mais empáticos com os problemas da pobreza sentiam dor, os menos empáticos sentiam repugnância. Além disso, ele acreditava que alguns mendigos se sentiam mais felizes na mendicância, entretanto, a maioria preferiria estar no abrigo. Esse filósofo inglês realmente estava preocupado com o bem-estar geral da sociedade. Pode-se dizer que a intenção era genuína.

Jeremy Bentham ficou conhecido por fundar uma doutrina chamada “utilitarista”, a qual segue influenciando o pensamento de legisladores, economistas, políticos e cidadãos. Para Bentham, o principal objetivo da moral era maximizar a felicidade. Assim, pensava que a moral deveria ser guiada pela seguinte ideia: o máximo de prazer para o maior número de pessoas. Ele definia “utilidade” como qualquer coisa que produzisse prazer ou felicidade e evitasse a dor ou o sofrimento. E por que Bentham pansava assim? Porque ele acreditava que as pessoas eram governadas pelos sentimentos de dor e prazer. O que faz muito sentido, mas não deixa de ser polêmico e debatível.

Por causa desse plano, o filósofo utilitarista foi duramente criticado ao largo da história. Algumas das críticas foram feitas por Michael Sandel no livro Justiça: o que é fazer a coisa certa? Para Sandel: 1) Bentham desrespeitou gravemente os direitos individuais dos mendigos; 2) reduziu um problema complexo a uma simples escala moral de dor e prazer; 3) não atribuiu o devido valor a dignidade humana; e, 4) reduziu também o problema da pobreza a uma questão de custo e benefício ao alegar que se tratava de um plano “autofinanciável” como justificativa econômica.

Vale lembrar também, que o filósofo Immanuel Kant criticou duramente a corrente utilitarista. Qual foi seu argumento principal? Defendeu que o ser humano não pode ser um meio para alcançar um fim. O ser humano, para Kant, já é um fim em si mesmo.

Doria e Alckmin, no caso da Cracolândia – e principalmente a respeito da tentativa da internação compulsória dos usuários de drogas – assumem uma postura claramente utilitarista. Esta posição reduz ainda mais a dignidade dos usuários que vivem na pobreza, desrespeita seus direitos individuais e os tratam como meios para alcançar fins.

Doria e Alckmin parecem estar usando o caso da Crackland paulistana também para conquistar a simpatia da população que vê com repugnância os usuários e para reforçar essa perspectiva utilitarista em seus modos de fazer política.

Caso exista uma insistência na posição utilitarista, me pergunto se essa postura atenderá ao principio da igualdade, do tipo: o que vale para um usuário da cracolândia vale para todos? Assim, me pergunto se os referidos governador e o prefeito também apoiariam invadir as casas de pessoas da classe média ou alta para internar compulsoriamente os dependentes químicos com melhores condições econômicas?

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*Eduardo Tavares de Farias é jornalista e mestrando em filosofia pela Universidad de Costa Rica e colaborou para Pragmatismo Político

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