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Drogas 01/Jun/2017 às 12:15 COMENTÁRIOS
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Cracolândia e seus paradoxos: o velho vício de achar que tudo é caso de polícia

Publicado em 01 Jun, 2017 às 12h15
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Wesley Martins Santos*, Ana Barbara dos Santos* e André Luiz Monte Olivio*, Pragmatismo Político

A condição humana se realiza durante o processo de socialização, depende em grande medida de sua integração social. Este termo tem sido usado na literatura sociológica para designar “no plano micro, o modo como os atores são incorporados num espaço social comum e, no plano macro, o modo como são compatibilizados diferentes subsistemas”.

O Estado deve garantir essa integração conforme explicito na Constituição brasileira de 1988, Título II, Capítulo I – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, Art. 5º, Inciso III que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Partindo do pressuposto acima, a iniciativa do atual prefeito (SP) João Dória, no último domingo, fere drasticamente a constituição brasileira quando decide enviar cerca de 900 agentes da polícia civil e militar para combater e acabar com a Cracolândia. Conforme dito pelo mesmo “que vai acabar com a Cracolândia muito antes do fim do seu mandato”.

O leitor deve estar indagando se essa operação não é uma coisa boa, pois não seria interessante acabar com a Cracolândia? Claro que seria, mas a forma como ocorreu tal operação não foi nada positivo, muito pelo contrário, pois a Cracolândia apenas mudou de endereço.

A operação foi violenta do começo ao fim, a intenção era dispersar os usuários daquela região e combater o tráfico existente, em nenhum momento houve a intenção de solucionar a real condição desses “moradores” da Cracolândia, ou seja, os tratamentos sociais e de saúde para prevenção desses dependentes não foi prioridade para a operação.

Essa medida tomada pelo prefeito mostra claramente um “vício” das políticas brasileiras para combate de assuntos que incomodam determinada parcela da sociedade, uma medida imediata, sem planejamento e com o intuito de dar uma resposta rápida para a sociedade que se incomoda com determinadas situações (uso de drogas ao ar livre, crimes cometidos por menores e tráfico de drogas).

Para que o leitor entenda melhor essa explanação, iremos analisar o seguinte gráfico:

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A partir de 1992, o recrudescimento dos homicídios levou à revisão da Lei em 1994, a qual prevê o aumento da pena e o endurecimento da execução como forma de solucionar o problema em curto espaço de tempo. Como se observa, a ação não foi bem sucedida, porque os homicídios dolosos não pararam de crescer.

Os especialistas na área do Direito Penal tecem várias críticas a tal Lei, cuja promulgação ocorreu, segundo eles, em caráter de urgência, como forma do Governo dar uma resposta à sociedade que entrara em pânico com a onda de violência em curso naqueles anos.

A criação da Lei de Crimes Hediondos, não apenas foi inócua, considerando os fins a que se propôs, mas também cai em contradição, pois a Polícia Militar que tem como função assegurar a segurança da sociedade é a mesma que promove assassinatos arbitrários e torturas.

Partindo dessa análise, percebe-se que a ação do prefeito foi de caráter emergencial, dar uma resposta para a sociedade com a finalidade de estar mostrando que está fazendo algo para acabar com a Cracolândia, mas sua operação violenta e desastrosa resultou em mais violência. A professora Ana Barbara dos Santos faz uma excelente análise quando diz:

Ninguém em sã consciência e com mínimo de consideração pela vida de outra pessoa acredita que a situação da Cracolândia não necessitava de intervenção. Discordar e repudiar a ação da prefeitura naquele local não é sinônimo de aceitação do que vinha acontecendo. É acreditar que a recuperação daquelas pessoas necessita de outro tipo de intervenção que não resulte em mais violência para moradores de rua que viviam no local, nem para os demais moradores e trabalhadores do bairro. Não houve solução alguma, não houve tratamento, não houve nada além de violência. O resultado está sendo mais violência do que já existia”.

Afinal, o que leva o indivíduo a utilizar drogas? A resposta está diretamente ligada às instabilidades emocionais: medos, inseguranças, carências, relacionamentos doentios, dificuldades em família e preocupações profissionais.

Sendo assim, o que deve ser feito? É necessário políticas públicas que tratem o problema de fora para dentro, que modifiquem a estrutura como um todo, ou seja, é necessário mudar a educação, saúde, segurança, transporte público, criação de empregos (neste caso se for ex viciado, diminuição de imposto sobre contratação, seria uma medida bem aceitável por todos), código de trânsito, levar a população menos assistida em espaços de lazer e cultura.

A maioria dos usuários de drogas utiliza para camuflar ou tentar aliviar a dor causada por não compreender os próprios problemas. É uma fuga, uma válvula de escape para o indivíduo que ainda não consegue equilibrar e dar sentido às diversas facetas de sua própria existência.

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Só poderemos banir a droga se o consumidor, o próprio indivíduo se desinteressar por ela. Não quero dizer que será um trabalho fácil de se realizar e que trará resultados da noite para o dia. Mas, de certa forma, é o caminho mais inteligente: sem violência, trabalhando as dificuldades, transformando medo em coragem de crescer, investindo em maturidade e evitando a pior saída.”

*Wesley Martins Santos é mestre em História Social pela PUC-SP e Professor da rede pública e privada, *Ana Barbara dos Santos é graduada em letras inglês/português, especialista em história da Arte e Educação Infantil, Infâncias a Artes e Professora de Educação Infantil da rede pública, *André Luiz Monte Olivio é pós em pedagogia e engenharia de produção e Professor da rede pública e colaboraram para Pragmatismo Político

Referências:
[1] PIRES, Rui Pena. Uma teoria dos processos de integração. In: Sociologia, Problemas e Práticas, nº 30, 1999, pp. 9 a 54. Disponível em: http://sociologiapp.iscte.pt/pdfs/10/112.pdf. Acesso em: 11/03/2014.
[2] Disponível em: http://www.metacoaching.com.br/artigo/melhor-solucao-no-combate-drogas. Acesso em 28/05/2017.

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