Redação Pragmatismo
Notícias 13/Out/2025 às 23:46 COMENTÁRIOS
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Investigação aponta abuso de poder econômico e cartelização no mercado de combustíveis da Paraíba

Publicado em 13 Out, 2025 às 23h46
cpi dos combustíveis joão pessoa

por Felipe Borges
Pragmatismo Político

Um relatório final elaborado por uma comissão conjunta de órgãos de defesa do consumidor da Paraíba, ao qual o Pragmatismo teve acesso com exclusividade, revelou um quadro alarmante sobre o funcionamento do mercado de combustíveis no estado. O documento, resultado de meses de investigação com depoimentos de empresários, sindicatos e distribuidoras, aponta fortes indícios de abuso de poder econômico, práticas anticoncorrenciais e possíveis crimes contra a ordem econômica.

A investigação começou após denúncias do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo da Paraíba (Sindipetro) e de consumidores sobre aumentos injustificados, dificuldades de abastecimento e manobras suspeitas de distribuidoras. Participaram da investigação o Procon Municipal de João Pessoa, o Procon Estadual da Paraíba e outros órgãos.

Distribuidoras priorizam bandeirados e estrangulam independentes

Um dos principais achados do relatório é que as distribuidoras, especialmente as três gigantes do setor (Ipiranga, Vibra e Shell), dão prioridade quase absoluta aos chamados postos bandeirados, deixando os “bandeira branca” (independentes) em situação de fragilidade. Segundo o documento, houve casos em que revendedores chegaram a ficar cinco dias sem abastecimento por não terem vínculo com uma distribuidora.

(A empresa VIBRA entrou em contato com o Pragmatismo e divulgou uma nota em que contesta as informações publicadas nessa reportagem. A íntegra pode ser lida no final do texto)

O relatório conclui que essa estratégia cria um ambiente de quase coerção, levando pequenos empresários a aceitar contratos de exclusividade com cláusulas consideradas abusivas. “As distribuidoras exercem controle sobre a revenda calcado em abuso de poder, impondo condições que ferem os princípios da livre concorrência”, aponta o texto.

Bloqueio de vendas e aumentos antecipados

Outro ponto grave é a prática recorrente das distribuidoras de bloquear pedidos assim que a Petrobras anuncia reajuste, mesmo antes de o novo preço entrar em vigor. Na prática, isso impede que postos comprem combustíveis com o valor antigo, obrigando-os a pagar mais caro no dia seguinte.

Mais grave ainda: mesmo com estoques comprados a preços inferiores, distribuidoras repassam os aumentos imediatamente, elevando os preços sem justificativa real. O relatório classifica a conduta como abuso de posição dominante, com objetivo de obter “lucros desproporcionais” e prejudicar tanto os revendedores quanto os consumidores finais.

Falta de transparência e omissão de informações

A investigação também registrou que algumas distribuidoras se recusaram a fornecer documentos solicitados. A Alesat classificou como “sigilosas” informações sobre sua política de vendas; a Vibra pediu mais prazo, mas respondeu apenas parcialmente; e a Temape simplesmente deixou de esclarecer pontos considerados centrais, como a diferença entre valores ofertados e faturados.

Esse comportamento reforçou a suspeita de falta de transparência e de práticas combinadas entre grandes distribuidoras para manipular preços.

Indícios de cartelização

O relatório destaca que, apesar de existirem mais de 150 distribuidoras no Brasil, apenas três (Ipiranga, Vibra e Shell) monopolizam o mercado, determinando preços e condições de fornecimento. A atuação padronizada das empresas, bloqueando pedidos e repassando reajustes de forma imediata, foi interpretada pela comissão como sinal de cartelização.

Segundo o documento, há “absoluta uniformidade de modus operandi” entre as empresas, o que prejudica a livre concorrência e coloca os consumidores em desvantagem.

Possíveis crimes contra a ordem econômica

Com base nas provas reunidas, a comissão afirma que as distribuidoras podem ter cometido infrações previstas no artigo 36 da Lei 12.529/2011, que trata das infrações à ordem econômica, como:

— limitar ou falsear a livre concorrência;
— dominar mercado relevante;
— aumentar arbitrariamente os lucros;
— e exercer abusivamente posição dominante.

Essas condutas também podem ser enquadradas na Lei 8.137/1990, que tipifica crimes contra a ordem econômica.

Impactos diretos no consumidor

No fim da cadeia, quem mais sofre é o consumidor. O relatório mostra que, por causa dessas práticas, os preços na bomba sobem automaticamente com os anúncios da Petrobras, sem qualquer relação com os estoques existentes. O consumidor paga mais caro de imediato, enquanto reduções de preço demoram a chegar às bombas, quando chegam.

Da investigação à CPI em João Pessoa

As conclusões do relatório serviram de base para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de João Pessoa, destinada a investigar a possível prática de cartelização entre postos de combustíveis na capital.

O secretário do Procon-JP, Júnior Pires, foi ouvido recentemente pela CPI e destacou que, durante um aumento recente, cerca de 60 postos elevaram os preços de forma idêntica e simultânea, todos para R$ 6,29. Ele destacou que a prática ainda não pode ser juridicamente caracterizada como cartel por falta de provas, mas apontou que há fortes indícios de padronização de preços.

“Na minha formação, aprendi que indício não é prova, e são essas provas que a CPI busca. Há indícios de uma prática de alinhamento entre postos e estamos aqui para fornecer todas as informações necessárias”, declarou Júnior Pires.

O secretário também revelou que três grandes redes concentram entre 60% e 70% dos postos de João Pessoa, o que, segundo ele, interfere diretamente na concorrência e pode resultar em preços pareados.

“É um fato: existem três empresas que detêm mais da metade do mercado. Se isso pode ser considerado monopólio, não sei. Mas, que há a prevalência de alguns empresários, é inegável — e isso pode refletir no pareamento de preços”, afirmou.

Júnior Pires detalhou ainda como funcionam as práticas abusivas, citando bloqueio de sistemas de venda e repasse imediato de aumentos mesmo com estoques antigos, classificando-as como crimes contra a ordem econômica. Ele confirmou que sete das 12 distribuidoras que atuam na capital foram autuadas por irregularidades.

Ao final, o secretário defendeu o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, mais transparência na cadeia de distribuição e a atuação integrada de instituições como Procon, Ministério Público, Cade e Polícia Federal para garantir respostas efetivas à população.

POSICIONAMENTO DA VIBRA

A Vibra repudia veementemente as acusações infundadas, baseadas em informações distorcidas e na divulgação não autorizada de trechos sigilosos de audiência no PROCON da Paraíba, em desacordo com normas legais. A companhia atua em total conformidade com a legislação, rejeita qualquer prática anticoncorrencial e adota políticas de preços definidas por critérios técnicos, que consideram custos de aquisição e reposição, tributos, logística, armazenagem e investimentos em qualidade e atendimento. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a concorrência leal e o respeito às regras do mercado.

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