Investigação aponta abuso de poder econômico e cartelização no mercado de combustíveis da Paraíba

por Felipe Borges
Pragmatismo Político
Um relatório final elaborado por uma comissão conjunta de órgãos de defesa do consumidor da Paraíba, ao qual o Pragmatismo teve acesso com exclusividade, revelou um quadro alarmante sobre o funcionamento do mercado de combustíveis no estado. O documento, resultado de meses de investigação com depoimentos de empresários, sindicatos e distribuidoras, aponta fortes indícios de abuso de poder econômico, práticas anticoncorrenciais e possíveis crimes contra a ordem econômica.
A investigação começou após denúncias do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo da Paraíba (Sindipetro) e de consumidores sobre aumentos injustificados, dificuldades de abastecimento e manobras suspeitas de distribuidoras. Participaram da investigação o Procon Municipal de João Pessoa, o Procon Estadual da Paraíba e outros órgãos.
Distribuidoras priorizam bandeirados e estrangulam independentes
Um dos principais achados do relatório é que as distribuidoras, especialmente as três gigantes do setor (Ipiranga, Vibra e Shell), dão prioridade quase absoluta aos chamados postos bandeirados, deixando os “bandeira branca” (independentes) em situação de fragilidade. Segundo o documento, houve casos em que revendedores chegaram a ficar cinco dias sem abastecimento por não terem vínculo com uma distribuidora.
(A empresa VIBRA entrou em contato com o Pragmatismo e divulgou uma nota em que contesta as informações publicadas nessa reportagem. A íntegra pode ser lida no final do texto)
O relatório conclui que essa estratégia cria um ambiente de quase coerção, levando pequenos empresários a aceitar contratos de exclusividade com cláusulas consideradas abusivas. “As distribuidoras exercem controle sobre a revenda calcado em abuso de poder, impondo condições que ferem os princípios da livre concorrência”, aponta o texto.
Bloqueio de vendas e aumentos antecipados
Outro ponto grave é a prática recorrente das distribuidoras de bloquear pedidos assim que a Petrobras anuncia reajuste, mesmo antes de o novo preço entrar em vigor. Na prática, isso impede que postos comprem combustíveis com o valor antigo, obrigando-os a pagar mais caro no dia seguinte.
Mais grave ainda: mesmo com estoques comprados a preços inferiores, distribuidoras repassam os aumentos imediatamente, elevando os preços sem justificativa real. O relatório classifica a conduta como abuso de posição dominante, com objetivo de obter “lucros desproporcionais” e prejudicar tanto os revendedores quanto os consumidores finais.
Falta de transparência e omissão de informações
A investigação também registrou que algumas distribuidoras se recusaram a fornecer documentos solicitados. A Alesat classificou como “sigilosas” informações sobre sua política de vendas; a Vibra pediu mais prazo, mas respondeu apenas parcialmente; e a Temape simplesmente deixou de esclarecer pontos considerados centrais, como a diferença entre valores ofertados e faturados.
Esse comportamento reforçou a suspeita de falta de transparência e de práticas combinadas entre grandes distribuidoras para manipular preços.
Indícios de cartelização
O relatório destaca que, apesar de existirem mais de 150 distribuidoras no Brasil, apenas três (Ipiranga, Vibra e Shell) monopolizam o mercado, determinando preços e condições de fornecimento. A atuação padronizada das empresas, bloqueando pedidos e repassando reajustes de forma imediata, foi interpretada pela comissão como sinal de cartelização.
Segundo o documento, há “absoluta uniformidade de modus operandi” entre as empresas, o que prejudica a livre concorrência e coloca os consumidores em desvantagem.
Possíveis crimes contra a ordem econômica
Com base nas provas reunidas, a comissão afirma que as distribuidoras podem ter cometido infrações previstas no artigo 36 da Lei 12.529/2011, que trata das infrações à ordem econômica, como:
— limitar ou falsear a livre concorrência;
— dominar mercado relevante;
— aumentar arbitrariamente os lucros;
— e exercer abusivamente posição dominante.
Essas condutas também podem ser enquadradas na Lei 8.137/1990, que tipifica crimes contra a ordem econômica.
Impactos diretos no consumidor
No fim da cadeia, quem mais sofre é o consumidor. O relatório mostra que, por causa dessas práticas, os preços na bomba sobem automaticamente com os anúncios da Petrobras, sem qualquer relação com os estoques existentes. O consumidor paga mais caro de imediato, enquanto reduções de preço demoram a chegar às bombas, quando chegam.
Da investigação à CPI em João Pessoa
As conclusões do relatório serviram de base para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal de João Pessoa, destinada a investigar a possível prática de cartelização entre postos de combustíveis na capital.
O secretário do Procon-JP, Júnior Pires, foi ouvido recentemente pela CPI e destacou que, durante um aumento recente, cerca de 60 postos elevaram os preços de forma idêntica e simultânea, todos para R$ 6,29. Ele destacou que a prática ainda não pode ser juridicamente caracterizada como cartel por falta de provas, mas apontou que há fortes indícios de padronização de preços.
“Na minha formação, aprendi que indício não é prova, e são essas provas que a CPI busca. Há indícios de uma prática de alinhamento entre postos e estamos aqui para fornecer todas as informações necessárias”, declarou Júnior Pires.
O secretário também revelou que três grandes redes concentram entre 60% e 70% dos postos de João Pessoa, o que, segundo ele, interfere diretamente na concorrência e pode resultar em preços pareados.
“É um fato: existem três empresas que detêm mais da metade do mercado. Se isso pode ser considerado monopólio, não sei. Mas, que há a prevalência de alguns empresários, é inegável — e isso pode refletir no pareamento de preços”, afirmou.
Júnior Pires detalhou ainda como funcionam as práticas abusivas, citando bloqueio de sistemas de venda e repasse imediato de aumentos mesmo com estoques antigos, classificando-as como crimes contra a ordem econômica. Ele confirmou que sete das 12 distribuidoras que atuam na capital foram autuadas por irregularidades.
Ao final, o secretário defendeu o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, mais transparência na cadeia de distribuição e a atuação integrada de instituições como Procon, Ministério Público, Cade e Polícia Federal para garantir respostas efetivas à população.
POSICIONAMENTO DA VIBRA
A Vibra repudia veementemente as acusações infundadas, baseadas em informações distorcidas e na divulgação não autorizada de trechos sigilosos de audiência no PROCON da Paraíba, em desacordo com normas legais. A companhia atua em total conformidade com a legislação, rejeita qualquer prática anticoncorrencial e adota políticas de preços definidas por critérios técnicos, que consideram custos de aquisição e reposição, tributos, logística, armazenagem e investimentos em qualidade e atendimento. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a concorrência leal e o respeito às regras do mercado.
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