Vantagem de Lula é de 15 ou 6 pontos? Especialistas explicam diferenças nas pesquisas presidenciais
Pesquisas eleitorais de diferentes institutos respeitados no Brasil têm captado a mesma tendência na disputa presidencial. No entanto, o tamanho da vantagem de Lula sobre Bolsonaro tem variado bastante. Especialistas explicam as razões das divergências
Mariana Schreiber, BBC
Pesquisas eleitorais de diferentes institutos respeitados no Brasil têm captado a mesma tendência na disputa presidencial: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera as pesquisas, enquanto o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), aparece em segundo lugar, seguido de longe por Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).
No entanto, o tamanho da vantagem de Lula sobre Bolsonaro medida nessas pesquisas tem variado bastante. Enquanto alguns desses levantamentos colocam o petista com chance de vitória já no primeiro turno, em 2 de outubro, outros indicam que o mais provável é a disputa ser decidida apenas no dia 30 de outubro, em um segundo turno contra o candidato à reeleição.
A pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira (12/09), por exemplo, traz o melhor cenário para Lula: o petista aparece com 46% das intenções de voto, uma vantagem de 15 pontos percentuais sobre Bolsonaro, que teve 31%.
Considerando apenas votos válidos (sem contar brancos e nulos), esse levantamento coloca Lula com 51% de apoio dos eleitores, o que pode ser suficiente para elegê-lo em primeiro turno.
Já na pesquisa da Quaest, divulgada na quarta-feira (14/09), a diferença entre os dois está em oito pontos percentuais, com Lula recebendo 42% das intenções de voto e Bolsonaro, 34%.
O Ipec foi fundado por executivos do antigo Ibope Inteligência, instituto de longa tradição no Brasil que fechou as portas em 2021. Já a Quaest começou a fazer pesquisas eleitorais em âmbito nacional apenas neste ano, mas é respeitada por especialistas no tema.
Os dois institutos realizam as entrevistas presencialmente, assim como o Datafolha, outra empresa renomada cuja pesquisa mais recente, divulgada em 9 de setembro, mostra uma distância de 11 pontos percentuais (45% para Lula, contra 34% de Bolsonaro).
Outros levantamentos recentes, feitos por telefone, apontaram margem ainda mais estreita que a da Quaest. O Poder Data, por exemplo, divulgou também na quarta-feira um levantamento em que a diferença é de apenas seis pontos percentuais, com 43% para o petista e 37% para o presidente.
A diferença é a mesma captada pela última pesquisa da FSB, divulgada segunda-feira, que deu 41% para Lula e 35% para Bolsonaro.
Já o Ipespe, outro que faz pesquisa por telefone, divulgou no sábado (10/09) sondagem que mostra o petista com 44% e o presidente com 36%, uma distância de oito pontos.
Quase todos os levantamentos citados têm margem de erro de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. A única exceção é o do Ipespe, cuja margem de erro é de três pontos.
O que explica diferenças? Qual é mais correta?
Essas discrepâncias entre as pesquisas têm levantado questionamentos nas redes sociais: afinal, qual pesquisa estaria mais correta? E o que explica essas variações?
Segundo especialistas em pesquisa eleitoral ouvidos pela BBC, é normal que diferentes institutos não tenham resultados idênticos porque a forma como cada um faz a pesquisa varia.
Isso está relacionado a escolhas metodológicas de cada empresa, explica o estatístico Neale Ahmed El-Dash, que estudou métodos de pesquisa durante seu doutorado na USP e é fundador da empresa Polling Data.
Por exemplo, alguns institutos optam por fazer pesquisas presenciais, em que as entrevistas com os eleitores são feitas nas ruas (Datafolha) ou em visitas aos domicílios dos entrevistados (Ipec e Quaest). Outros institutos preferem fazer as entrevistas por telefone, opção mais barata.
Neste ano, as pesquisas presenciais têm captado, em geral, uma vantagem maior para Lula, enquanto as por telefone têm indicado que Bolsonaro estaria mais próximo do petista – uma hipótese para essa diferença é que esse método teria mais dificuldade de medir a opinião de eleitores mais pobres que preferem Lula, já que uma parte da população de menor renda não tem acesso a telefone (entenda melhor ao final da reportagem).
No entanto, tem chamado atenção o fato de mesmo institutos que fazem pesquisa presencial domiciliar terem captado resultados bem diferentes entre si, como Ipec e Quaest.
Nesse caso, o principal fator que parece explicar a discrepância é a diferença de metodologia dos dois institutos para definir o perfil de renda dos entrevistados.
Toda pesquisa é feita a partir de uma amostra. Levantamentos eleitorais nacionais, por exemplo, costumam ouvir cerca de mil a três mil pessoas. Para que esse grupo sirva como um bom termômetro da opinião dos mais de 156 milhões de eleitores brasileiros, é importante que o perfil dos entrevistados reproduza o perfil do eleitorado.
Por exemplo, os registros oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que mulheres são 53% dos eleitores e homens, 47%. Dessa forma, os institutos buscam uma amostra que tenha 53% de mulheres entrevistadas e 47% de homens.
A definição da renda dos entrevistados, porém, é mais complexa e cada instituto adota metodologias diferentes, explicou à reportagem o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan.
Na pesquisa do Ipec, que dá maior vantagem a Lula, 57% dos entrevistados eram pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos. Já na pesquisa Quaest, em que a liderança de Lula está mais apertada, 38% dos eleitores ouvidos estão nesse grupo de renda.
Essa diferença tem impacto grande no resultado porque Lula tem recebido apoio bem maior entre os mais pobres. Dessa forma, uma pesquisa que ouve mais eleitores desse segmento, tende a medir uma intenção de voto maior para o ex-presidente. Já a que ouve mais eleitores de maior renda tende a medir um cenário melhor para Bolsonaro.
Para checar se essa hipótese está correta, Raphael Nishimura fez uma simulação, aplicando a distribuição dos grupos de renda da Quaest nos resultados do Ipec e vice-versa. A simulação confirmou a tese, pois mostra uma aproximação do resultado dos dois institutos.
Quando se aplica a distribuição de renda do Ipec nos dados coletados pela Quaest, Lula aparece com 45% de intenção de voto (em vez de 42%) e Bolsonaro com 32% (em vez de 34%). A diferença entre ambos então sobe de oito para treze pontos nessa simulação, se aproximando da vantagem de quinze pontos medida pelo Ipec.
Já quando se aplica a distribuição de renda da Quaest nos dados coletados pelo Ipec, Lula fica com 43% (em vez de 46%) e Bolsonaro com 35% (em vez de 31%), reduzindo a diferença de quinze para oito pontos (a mesma medida pela Quaest).
Por que os institutos têm faixas de renda tão diferentes?
Alguns analistas políticos têm afirmado nas redes sociais que essa diferença metodológica seria consequência do atraso no Censo, que estava previsto para 2020, mas está ocorrendo apenas agora. Essa pesquisa é realizada a cada dez anos pelo IBGE e coleta dados de renda de toda a população brasileira.
Segundo a avaliação desses analistas, a falta de um Censo atualizado deixou os institutos sem parâmetros confiáveis de renda, provocando uma grande variação das faixas usadas nas pesquisas.
No entanto, os especialistas consultados pela reportagem não consideram o atraso do Censo relevante para as pesquisas eleitorais. Segundo eles, outro levantamento realizado pelo IBGE trimestralmente, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), fornece bons parâmetros de renda, substituindo bem o Censo.
Dessa forma, dizem os entrevistados, o que explica a diferença são escolhas metodológicas de cada instituto.
No caso da Quaest, o instituto aplica exatamente a distribuição de renda medida pela Pnad, cujo dado consolidado mais recente é de 2021.
Dessa forma, seus entrevistadores têm ido a campo sempre com o objetivo de ouvir 38% de pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos, 40% com renda familiar entre dois e cinco salários mínimos, e 22% com renda familiar acima de cinco salários mínimos.
Já Ipec e Datafolha não utilizam cotas de renda nas suas sondagens. Ou seja, ambos vão a campo sem ter como meta cumprir um certo percentual de pessoas em cada faixa salarial.
A BBC tentou entrevistar a diretora do Ipec, Márcia Cavallari, para entender melhor a metodologia empregada, mas não obteve retorno.
Já a diretora do Datafolha, Luciana Chong, falou com a reportagem. Segundo ela, o instituto usa apenas cotas fixas de gênero e idade, tendo como referência os dados oficiais do TSE sobre a composição do eleitorado.
No entanto, embora não haja cotas para outras variáveis, o Datafolha usa dados do seu histórico de pesquisas para garantir que a amostra represente bem outras características do perfil dos eleitores. O instituto tem décadas de atuação.
“Além da variável renda, o Datafolha monitora outras: religião, escolaridade, ocupação, voto declarado em 2018, para garantir que a amostra é representativa do universo pesquisado. Para isso consideramos nosso histórico de pesquisas”, respondeu por escrito.
Para Chong, não faz sentido usar uma cota fixa de renda porque os ganhos dos brasileiros têm variado muito, ainda mais após a pandemia de covid-19, quando o governo pagou benefícios sociais de forma intermitente para a população.
Segundo pesquisas do Datafolha, a faixa de brasileiros com até dois salários mínimos de renda familiar subiu de 48% para 60% da população no momento em que o pagamento do Auxílio Emergencial foi suspenso pelo governo, no final de 2020. Em meados de 2021, o benefício retomou, em valor menor.
Depois, já no final daquele ano, o governo passou a pagar o Auxílio Brasil, que teve o valor elevado de R$ 400 para R$ 600 no mês passado. Atualmente, o Datafolha considera que os brasileiros com até dois salários mínimos de renda familiar são 51% da população, patamar que serve de parâmetro nas pesquisas eleitorais.
Já o diretor da Quaest, Felipe Nunes, diz que a distribuição de renda medida pela Pnad não sofre variações tão bruscas ano a ano, de modo que o dado de 2021 continua adequado para 2022. Na sua avaliação, não usar cotas de renda pode levar as pesquisas a subestimarem em suas amostras os grupos de renda mais alto.
“A maior crítica feita a pesquisas domiciliares, por sinal bem fundamentada, diz respeito à dificuldade de se ter acesso a condomínios e edifícios: é muito trabalhoso tentar entrevistar um morador de um luxuoso edifício em Pinheiros (bairro nobre de São Paulo). Sem as cotas de renda, é possível que se subestime esses eleitores”, argumentou em artigo ao jornal O Globo, em que detalha a metodologia da Quaest.
Nishimura também considera a Pnad uma boa referência para cotas de renda. Ele diz, porém, que não é possível saber qual dos institutos está medindo melhor a intenção de voto do eleitor.
“Existem inúmeras decisões metodológicas que os institutos precisam fazer e, cada uma delas, acarreta em consequências para a qualidade das estimativas de pesquisa”, ressalta.
O estatístico da Universidade de Michigan lembra que pesquisas eleitorais são retratos do sentimento do eleitor no momento das entrevistas e não servem para prever o resultado das urnas, já que as preferências do eleitor podem mudar até o dia da votação.
Dessa forma, ele diz, não adianta comparar as pesquisas feitas agora com o saldo das urnas em outubro. Na sua avaliação, a melhor forma de avaliar a qualidade da metodologia de cada instituto seria comparar pesquisas de boca de urna (feitas no dia da votação) com o resultado oficial contabilizado pelo TSE. No entanto, como o sistema eletrônico brasileiro permite apurar o resultado oficial com muita agilidade, sondagens de boca de urna estão se tornando pouco comuns.
Pesquisas por telefone x pesquisas presenciais
A pesquisa presencial, adotada pelo Datafolha e o antigo Ibope (atual Ipec), é o método de sondagem eleitoral com mais tradição no Brasil. Os levantamentos por telefone, porém, têm se tornado cada vez mais comuns por aqui, ressalta El-Dash, tendência que acompanha o que ocorreu em outros países, como Estados Unidos.
Segundo ele, boas pesquisas podem ser realizadas com ambos os métodos, que apresentam vantagens e desvantagens. A pesquisa por telefone, por exemplo, não alcança o eleitor que não possui uma linha fixa ou um celular. Por outro lado, explica El-Dash, é mais fácil chegar a eleitores de maior renda, que vivem em condomínios, assim como aqueles que moram em áreas mais violentas, em que também pode ser difícil o acesso da pesquisa presencial.
De acordo com El-Dash, não está totalmente claro porque as pesquisas por telefone costumam dar uma vantagem menor para Lula do que as presenciais.
“Uma hipótese é que as pessoas se sentem mais à vontade para falar que vão votar no Bolsonaro no telefone do que ao vivo, mas a gente não tem dados para comprovar isso”, ressalta.
Outra possível explicação, diz Nishimura, é que Lula teria apoio maior que Bolsonaro entre eleitores mais pobres, sem telefone, que acabam não sendo entrevistados nesses levantamentos.
Os institutos que realizam pesquisas por telefone minimizam esse efeito. O gerente de Pesquisas de Opinião Pública do Instituto FSB Pesquisa, André Jacomo, ressalta que 96,8% dos domicílios brasileiros possuem acesso à telefonia fixa ou móvel, segundo o dado mais recente do IBGE, relativo ao último trimestre de 2019.
“Há um acesso quase universal à telefonia no Brasil, de acordo com as estatísticas oficiais. Assim, não há como afirmar que a pesquisa telefônica não alcança o eleitor de menor renda”, disse à reportagem.
“Em pesquisas eleitorais, optamos desde 2018 pelas pesquisas telefônicas porque elas se mostram mais ágeis e antecipam tendências de movimentos do eleitorado. Nas eleições de 2018, nossas pesquisas telefônicas anteciparam todos os movimentos dos eleitores e, às vésperas do primeiro e do segundo turnos, nos aproximamos muito do resultado das eleições, sempre com diferenças inferiores à margem de erro”, argumentou ainda.
Para Nishimura, é positivo que o país tenha um cardápio de pesquisas com diferentes metodologias. Isso permite agregar o resultado de diferentes levantamentos, minimizando eventual viés que cada pesquisa possa ter.
Na eleição desse ano, alguns veículos de imprensa brasileiros criaram agregadores de pesquisas eleitorais. Cada um escolhe quais institutos acompanhar e alguns optam por dar diferentes pesos para as pesquisas, de acordo com sua tradição, ou decidem excluir sondagens que fogem muito dos resultados mais comuns.
O agregador de pesquisas eleitorais do jornal Estado de S. Paulo, por exemplo, que considera pesquisas por telefone e presenciais de 14 empresas, indicava na noite de quarta-feira (14/09) que a intenção de voto em Lula está em 44%, contra 33% de Bolsonaro, uma diferença de 11 pontos percentuais.
O cenário mudou pouco na comparação com um mês antes. Em 14 de agosto, o agregador mostrava o petista com 45% e o presidente com 32%, distância de 13 pontos.
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