Redação Pragmatismo
Rio de Janeiro 06/Mai/2021 às 20:05 COMENTÁRIOS
Rio de Janeiro

Delegado nega execuções no Jacarezinho, critica "ativismo" e se irrita com perguntas

Publicado em 06 Mai, 2021 às 20h05

Delegado que chefiou operação mais letal da história do RJ se irrita com questionamentos da imprensa. "Cheiro de sangue espalhado pela comunidade, casas invadidas, humilhações. Não respeitam ninguém porque somos pobres", desabafa morador. "Uma ação com 25 mortos não pode ser considerada eficaz", diz defensoria

delegado rodrigo oliveira jacarezinho
O delegado Rodrigo Oliveira [foto] foi um dos coordenadores da ação mais letal da história, que ocorreu nesta quinta-feira na Favela do Jacarezinho. Ele já comandou outras operações com alta letalidade (Reprodução)

A operação da Polícia Civil desta quinta-feira (6) na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, é ação policial mais letal da história do estado. Até às 17h30, a operação registrava ao menos 25 mortos — entre eles, 24 civis e um policial baleado na cabeça. A identidade dos civis mortos não foi divulgada.

De acordo com levantamento foi feito pela UFF (Universidade Federal Fluminense), que contabiliza operações policiais no estado ocorridas desde 1989, nunca houve uma ação única com essa quantidade de óbitos.

Antes, a maior em quantidade de mortes ocorreu no Complexo do Alemão em 2007, com 19 vítimas, entre elas uma estudante que estava na escola e uma criança.

No caso da operação de hoje, no Jacarezinho, não há ainda informações sobre sexo, nome ou idade das vítimas. Apenas o número divulgado: 25 mortes. A única identidade revelada é a do policial civil André Farias, que foi baleado na cabeça e morreu, segundo a polícia.

“Esse número de mortes só se compara às chacinas de Vigário Geral [21 mortos, em 1993] e da Baixada [Fluminense em 2005, com 29 mortos], mas provocadas em operações extralegais. É preciso responsabilizar os agentes políticos responsáveis por essa ação”, afirma o coordenador do grupo de estudos da UFF, Daniel Hirata.

Tanto a chacina de Vigário como a da Baixada foram provocadas por policiais. Porém, a atuação deles foi clandestina, como parte da ação de grupos de extermínio e não numa operação oficial como a desta quinta.

A ação desta quinta fez parte da Operação Exceptis da Polícia Civil do Rio, coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com o apoio do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento Geral de Polícia da Capital (DGPC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core).

Delegado critica ‘ativismo judicial’

O delegado Rodrigo Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, defendeu a operação e criticou o que chamou de “ativismo judicial”, que segundo ele vai contra o trabalho policial.

“Pseudo entendidos de segurança pública criaram uma lógica de que, quanto mais inteligência, menor o confronto. Isso não funciona assim. Quanto mais precisa a informação, maior é a resistência do tráfico (…) A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de investigação.”
O delegado também disse não considerar que houve erros ou excessos na operação, mas que o resultado não é para ser comemorado.

O delegado se irritou ao ser questionado sobre o resultado prático da operação. “Não sei se as grandes operações dão resultado. O que eu sei é que a falta de operação dá um péssimo resultado. A Polícia Civil não vai se furtar de fazer com que a sociedade de bem tenha seu direito de ir e vir garantido”, afirmou Oliveira.

Defensoria

“Um grande absurdo” e “terror generalizado” foram algumas das definições de defensores públicos e representantes de outras instituições ligadas à defesa dos direitos humanos sobre a operação policial na Favela do Jacarezinho.

“Precisamos saber quantas pessoas chegaram mortas ao hospital. Se essas 24 pessoas chegaram mortas, isso caracteriza, sim, desfazimento de cena de crime. (…) Uma operação com 25 mortos não pode ser considerada eficaz”, ressaltou a defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, Maria Julia Miranda.

“Muitos muros e portas cravejados de balas. Duas casas me impactaram muito. Em uma das casas, a família foi retirada e morreram dois rapazes. Os cômodos estavam repletos de sangue. E também tinha massa encefálica espalhada. A senhora que falou com a gente estava muito impactada.”

Na outra casa, a defensora afirmou que um rapaz foi executado no quarto de uma menina de 8 anos. “Inclusive, a coberta que ela [a menina] usa estava na poça de sangue. Essa menina está completamente traumatizada. (…) Provavelmente nesses casos houve execução. O que, pra gente, configura desfazimento de cena de crime”, acrescentou a defensora.

Miranda disse, ainda, que havia mães perdidas na favela, em busca dos filhos. A defensora relatou, também, que os serviços públicos foram afetados, dando como exemplo a paralisação do metrô e das aulas, assim como atendimento médico em clínicas da família.

O ouvidor-geral da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel, disse que desde cedo o setor começou a receber “pedidos de socorro” de moradores do Jacarezinho.

SAIBA MAIS SOBRE A CHACINA DO JACAREZINHO: Vídeos mostram barbárie

“Uma situação muito, muito delicada. Também percebemos os indícios de necessidade de se investigar o desfazimento de cenas [de crime]. Também tivemos relatos de agressões físicas, outras pessoas baleadas, interrupção na vacinação. Um clima de terror generalizado”, destacou.

“Em nenhum lugar do planeta uma operação com 25 mortes pode ser considerada bem sucedida. Podemos dizer desastre, porque tantas mortes intencionais foram causadas, e isso não foi por acidente”, afirmou Daniel Lozoya, subcoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria.

Moradores desabafam

“Eles [a polícia] não respeitam os moradores. Isso aqui é uma população com milhares de crianças, mulheres, famílias, trabalhadores. Mas eles nos tratam como se estivessem no Iraque. Não dá mais para residir dentro de uma comunidade”, desabafou um morador do Jacarezinho.

“A gente é humilhado, eles invadem as nossas casas com ameaças e quebram tudo. Por que? Porque somos pobres, porque estamos à margem da sociedade. Somos massacrados pelo estado e não podemos fazer nada. É desesperador”, disse um porta-voz da comunidade, que preferiu não ser identificado.

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