Redação Pragmatismo
Ciência 30/Jan/2019 às 12:41 COMENTÁRIOS
Ciência

Uma questão de lógica (parte I)

Publicado em 30 Jan, 2019 às 12h41

O pensamento emanando a realidade é uma visão de mundo fechada em si mesmo que se expande indefinidamente pela contradição. A crença antecipando o evento, gerando o evento, é aberta a qualquer possibilidade estética, mas que conserva uma ética igualmente aberta da aceitação e da plenitude.

Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

É uma imagem poderosa essa que ilustra este texto.

Copérnico diante das estrelas com seu cinzel e seu martelo de runas. Seu semblante de cobre, duro, temerário e ainda assim inflexível dizendo que o sol é o centro de tudo ao redor do qual circulam os planetas.

Stanislav Szukalski (1893-1987) esculpiu sua imagem à semelhança da Polônia nacionalista que tanto amava. Estava se igualando ao gênio o gênio mítico de sua peculiar consciência. Atualizava a grandiosidade antes que a guerra, e com ela a si próprio, revelasse a natureza fascista por trás do ídolo.

Esse rigor apolíneo da imagem traduz também um caminho na modernidade. Uma admirável submissão ao cosmos que é a fonte de conhecimento usurpada do lugar que pertencia a deus e, claro, uma absoluta ausência de compaixão.

Quero refletir sobre esse lugar que na imagem é um círculo que confina o astrônomo. Copérnico é incapaz de sorrir. É a personificação do homem prometeico, incapaz de dormir, incapaz de sonhar. Pensemos sobre essa lógica.

A lógica é uma parte da filosofia que trata das formas do pensamento em geral (dedução, indução, hipótese, inferência etc.) e das operações intelectuais que visam à determinação do que é verdadeiro ou não.

Não existem muitas lógicas disponíveis. Eu reconheço duas.

Descartes descreveu uma delas: penso, logo existo! Santo Agostinho descreveu a outra: credes e entenderás.

Se com Descartes o pensamento prescinde o real e, portanto, o verdadeiro, e se esse pensamento é um conjunto de conhecimentos validados pela ciência, todas as ciências no sentido bem moderno do termo, ou seja, que possa passar pelo crivo do método científico e esse método é passível de verificação, cujo conceito básico é uma criação de verdades, então o pensamento é exterior ao ser, constituído por esse conjunto de verdades a que alguns tem acesso e que podem, por isso mesmo, divulgar a outrem.

Nesse caso é preciso ver pra crer. A prova, a evidência, funciona de um jeito misterioso. Há um arcabouço de verdade reservado pelo pensamento e há a manifestação dessa verdade fora do ser, no concreto da existência.

Por exemplo, a terra como uma boa esférica. Embora não possamos ver a forma da terra, uma série de evidências são construídas pra reforçar essa verdade. Fórmulas, verdades científicas, fotos, desde muito cedo aprendemos sua forma, embora nossa percepção não corresponda a essas evidências, pois não vemos a curvatura da terra. Vemos sempre como um plano. Um plano cujas evidências teóricas garantem que é curvo. E mesmo assim, considerando que a terra gira em torno do próprio eixo a mais de mil e setecentos quilômetros por hora, que gira em torno do sol a cento e sete mil quilômetros por hora, e gira, junto com o sistema solar, a um milhão de quilômetros por hora em relação ao centro da galáxia. Esse é o peso da verdade científica. Existimos a partir desse pensamento, dentre outros tantos. O pensamento vai assim moldando nossa realidade e dimensionando nosso olhar.

Santo Agostinho tinha outra lógica: credes e entenderás. Pra ele, a crença antecipava a realidade. E a crença, o que é?

A crença é qualquer coisa que possamos imaginar. É fabulosa, é mítica, é lendária. Portanto, está vinculada à imaginação. A imaginação é multiespectral e multidimensional. Está aberta para universos pouco explorados.
É um espaço glandular de que são dotados os vertebrados.

A glândula pineal, também conhecida como conarium, epífise cerebral ou simplesmente pineal, é uma pequena glândula endócrina no cérebro dos vertebrados. A glândula pineal produz melatonina, um hormônio derivado da serotonina que modula os padrões de sono nos ciclos circadianos e sazonais.

É a zona dos sentimentos.

Os sentimentos, que fluem de formas de vida a formas de vida, são extraordinários para a imaginação. Unicórnios, vida extraterrestre, fadas, teorias da conspiração, terra plana, deus, energia vril, tudo pode se constituir em crença. E uma vez crente, tu podes entender tudo.

Nesse caso, tu crê e logo pode ver. Se torna um hermeneuta e rearranja os elementos segundo a intuição.

O pensamento depende da doutrina, do Canon, enquanto o sentimento é fragmentário e incompleto. Quando acreditamos em fadas, e quando essa crença permite que as vemos com suas asinhas no jardim, não há doutrina nisso, só a fada e seu voo imprevisível.

O pensamento está envolto na ficção da realidade que nos acalma, enquanto a crença fixa um ponto e nele coagula um portal desconhecido.

Acredito em fadas, então posso vê-las rodopiando no meu jardim, por entre flores, pousadas num coco adocicando sua água.

Cremos e vemos.

Acredito na quinta dimensão, então, com fé e abertura, tanjo uma ou outra dimensão em que estou e nos vemos reciprocamente.

Cruzamos a fronteira do desconhecido com nossa crença.

Desse lado da vida, posso escrever para as almas leves, que preferem os vinhos secos aos doces, as cervejas ordinárias às ipas, os sentimentos à razão, o humor à sagacidade, as gírias às línguas cultas. Inspirado pelas visões oferecidas pelos horizontes polimórficos, falo de extraterrestres com a mesma tranqüilidade que menciono os numens.

A lógica do penso logo existo é a lógica do poder e atualmente está tão internalizada no humano que de dentro o desumaniza.

(…) na atualidade, quanto mais as resistências e forças antes destoantes e imprevisíveis se grudam nas teias, nas redes das instituições e poderes estabelecidos, quanto mais abraçam a noção da representatividade e empoderamento dispostos a ocupar espaços representativos, e basicamente participar dos fluxos de controles, então redesenhados, mais se legitimam violências e se beneficiam os que politicamente instrumentalizaram essas forças governadas para apanhar votos e/ou prosperar/assegurar interesses escusos.

Reféns de discursos absolutamente governados como os de empoderamento acrítico legitimamente de culturas repressivas, alpinistas e carreiristas militantes de toda sorte abocanham um espaço, um cargo, uma cadeira – certo! – , mas que não reflete em melhorias para a coletividade, senão que para si.

(Guilherme Moreira Pires. Abolicionismo e Sociedades de Controle: Entre Aprisionamentos e Monitoramentos.).

Empanturrados de poder, não dá pra levitar assim.

A ironia paradoxal é que sob a influência da lógica do pensamento, vem junto o ceticismo e uma enxurrada de certezas. Inflados dos dados do conhecimento socialmente herdado, a mente humana se torna cética diante de outras possibilidades. Quanto mais avançamos nos dispositivos do pensamento, mais certezas produzimos num momento de edificação da crença absoluta na verdade que esses conhecimentos enunciam.

Uma constelação de coerências que só pode ser comparada a doutrinas em exigências de fé. As narrativas do pensamento se consolidam de tal sorte que tudo que não faz sentido nessa constelação, é falso.

Céticos para todas as outras possibilidades de entendimento da vida, as teias do pensamento vão se enxugando de irreverências e se tornando cada vez mais sólidas como um bloco monolítico.

Por que o pensamento enredado pelo conhecimento herdado se torna imune à dúvida?

Leia aqui todos os textos de Eduardo Bonzatto

O sistema lógico do penso logo existo é um sistema de retroalimentação. Projeta pra fora de si o mesmo conjunto que recebeu de herança pela educação, pela família, pelas mídias. Embora existam inúmeras contradições nesse sistema, o que faz dele algo realmente impressionante, é exatamente pelas contradições que ele se expande.

Pois as contradições são apenas formas de pensamento linear dicotômico. É uma lógica binária do sim/não, do concordo/discordo.

No fim das contas, tudo que importa é a coerência e tudo que destoa dessa formação em nuvem coerente é absurdo.
Por isso que o contrário da teoria darwinista é o criacionismo e não o colaboracionismo, alternativa muito mais interessante e promissora.

Quando se contrapõe ao darwinismo o criacionismo, imediatamente se coloca aquele que questiona no lugar do ridículo e do crente. E aqui crente significa tão somente aquele que acredita em deus. Embora a crença no darwinismo seja da mesma natureza e valor.

O que a rede epistêmica do pensamento constrói, no final das contas, é um conjunto de verdades irrefutáveis cuja blindagem é tão consistente como a de qualquer fé religiosa.

Como são equivalências as duas conformações intelectuais em que no topo estão a religião e a ciência e acima delas a verdade, em maiúscula.

A verdade cercada das certezas convenientes é uma fortaleza inexpugnável. É a verdade que gera a fé e a crença no que quer que seja. Portanto, ser crente ou cético também se equivalem.

A crença na terra esférica, no darwinismo, na história, na educação consolida-se como um conjunto de certezas imune a qualquer dúvida.

Essas certezas vivem numa catedral de verdade. Sob a sua abóboda, tudo faz sentido. É sobretudo uma prisão essa catedral. Uma prisão cartesiana cuja disposição é a previsibilidade.

O pensamento se alimenta de previsibilidade. O menor distúrbio é doloroso como uma perda. Todo o conforto diz respeito ao que pode e deve ser predito.

Penso, e de dentro da minha mente elaboro a realidade, e logo ela existe fora de mim, pois existe dentro de mim. E vejo, e testemunho sua beleza, sua harmonia, seu frescor. Sim, é sempre fresca minha sensação de realidade.

Considero sua fonte, de onde medra toda essa coerência, e ela é o pensamento, e o pensamento é todos os pensamentos e todos os pensamentos repousam sob uma educação, uma formulação, uma hipótese.

Assim se estabelece o contexto e as rotinas. E o contexto se altera para que a harmonia prevaleça. E as rotinas se alteram também, herdando a mesma harmonia, quando a desarmonia se instala.

Todos os ruídos juntos formam a harmonia. Todos os ruídos deformam a harmonia. Mas sempre é a harmonia que prevalece.

É uma lógica impecável, pois se reconfigura sem perder sua beleza. E se modifica sem perder sua aura. Sua aura é sua harmonia. Sua harmonia é sua verdade.

Toda verdade carece de fiéis, daqueles que crêem, daqueles que louvam. Pouco importa qual seja essa verdade, ela será sempre uma vibração da verdade universal. Um aspecto dela. Uma manifestação de sua verdadeira natureza.

A verdade produz um efeito restaurador por onde ela incide. Trás conforto e segurança, consolida a estabilidade e torna o mundo familiar e reconhecível.

A verdade, alimento dos que crêem, é o magma de uma existência previsível e segura.

A verdade nos diz quem somos, a que viemos, para onde vamos. Nos diz tudo que precisamos saber pra que a confiança nos ligue na ponta de um fio frágil. A todos nós. A todos os que crêem.

Essa verdade ordena tudo; ordena a história do mundo, a nossa memória, dá coerência à nossa vida inteira, oferece um sentido e um propósito, ordena nossos filhos, enfim, reafirma que nós e o mundo somos simpatizantes. É uma verdade simpática.

A simpatia é a percepção de que o outro tem necessidade e de que essa necessidade exige de nós uma mudança de ponto de vista, de uma perspectiva pessoal para a perspectiva de outro grupo ou indivíduo que está em necessidade.

Uma vez mais a ilusão da diferença se impõe. Um empata é aquele que sente o que o outro sente. Só podemos sentir o que o outro sente se nosso código de pensamento puder transitar nas teias de ligamento que são infinitas como são nossos semelhantes. Disso decorre o julgamento, pois por saber o que sente o outro, posso julgá-lo em inferioridade. O que me permite essa posição é a verdade que carrego comigo. Essa verdade absoluta elimina a diferença e impõe a desigualdade.

Mas também é essa verdade que se fecha para outros universos perceptivos. O conjunto de crenças é muito limitado para surtir suas harmonizações. Não pode abrir-se completamente em zonas e interstícios cinzentos. Precisa conter-se diante de manifestações ruidosas. Sim, pois existem ruídos e ruídos. Alguns são necessários enquanto outros são insuportáveis.

Uma fada não encontra abrigo no mundo cartesiano. Movimenta-se a despeito das leis da gravidade ou do tempo.

Desconsidera as paletas de cores da nossa natureza habitual e sussurra como devem sussurrar os seres improváveis.

Um dragão não pode escapar de um livro de lendas e sair por aí cuspindo fogo pelas guelras. Uma sereia não pode respirar o mesmo ar que um cientista.

A verdade é sempre constrangida. Está encarcerada numa catedral de ciência ou de religião e deve ser preservada dos olheiros desdenhosos que não se alinham ao seu dispor.

Um mundo sem verdade é um mundo sem ordem e um mundo sem ordem é inaceitável, afinal de contas. A ordem confere estabilidade ao mundo. A ordem confere estabilidade à história dos homens. O resto é acrasia. É a danação dos planetas em choque cataclísmico com seus astros.

A verdade cria a reverência e a referência adequada à sua perpétua continuação. Todos precisam se sustentar sobre ombros de gigantes e assim podem ver muito mais longe. O tempo caminha para o futuro dessa forma.

A alternativa é insuportável.

Crer e só então vislumbrar, uma fada, uma fenda no tempo, um duende no jardim, uma janela mágica que atravessa as dimensões. Crer e só então entender que não existe previsibilidade. Que tudo é caos e tudo dança com as moléculas de shiva. Sem verdades, viver sob uma nuvem movediça e disforme cuja forma é de dúvida. Imaginar o que quiser imaginar e acessar pelo critério da crença.

Acredito plenamente que o tempo é circular e me encontro ali, na esquina de casa, eu menino, sentado na avenida, observando ao longe e imaginando quando eu mesmo poderia fugir por ali, pois para mim, aquela avenida não tinha fim.

Acredito que posso volitar até o teto de casa e que posso me ver de lá, deitado na minha cama, a noitinha. Assim como acredito no amor, em sua potencia misteriosa e que ao amar, me liberto de todos os apegos, de toda posse, de toda dor.

Acredito que aqui é o paraíso e que vivo nele, saturado de alegria e felicidade, todo o tempo, em conexão com meus semelhantes, sem exigências ou proteção. E que cada um deles pode acreditar no que quiser que isso não vá me importunar. Acredito na bondade humana e posso ver sua manifestação todos os dias. Acredito em milagres e milagreiros comuns que se ocultam sob o manto do anonimato.

Acredito nos olhos, nas mãos, nos abraços e faço deles meus pontos de conexão com todos que quiserem. E só depois de acreditar, posso entender. Acredito que posso curar pelo afeto aqueles que quiserem ser curados e que se aproximam por tempo suficiente.

Cada uma dessas lógicas configura uma visão de mundo. O pensamento emanando a realidade é uma visão de mundo fechada em si mesmo que se expande indefinidamente pela contradição. A crença antecipando o evento, gerando o evento, é aberta a qualquer possibilidade estética, mas que conserva uma ética igualmente aberta da aceitação e da plenitude.

Se a visão de mundo é fechada, a forma de ordenação é a mesma, e essa ordem é hierárquica.

Daí que a verdade assume um caráter muito mais duro em sua manifestação, pois que dita lugares de poder. E esses privilégios reforçam as emanações das verdades. Pais, professores e patrões são guardiões das verdades e transferem às novas gerações a força dessas verdades. E essas verdades orquestram a realidade, harmonizando as desigualdades.

Instados aos locais de poder que lhes foram reservados, os sujeitos se submetem às verdades, primeiro de modo tenso, questionando tudo em sua infância, mas na idade adulta já se acostumam e as defendem. Sujeito é aquele que se sujeita. As verdades são heteronômicas, pois são produzidas sempre por alguém, por outrem que é o sacerdote que pode enunciá-las, pois não é qualquer um que pode dizer a você qualquer coisa. Uma vez anunciada, a verdade só carece de ser internalizada. Em todos os casos, verdade é sinônimo de autoridade.

Os sistemas de produção de verdades são conhecidos como verificações. A palavra verificação significa fazer verdades. É que a verdade não pode ser anunciada por um qualquer, só por aqueles que VERIFICAM. E a maioria de nós não sabe fazer verificação. E, claro, se já verificaram, por que não crer? Já verificaram a potencialidade das vacinas, das pedras lunares, da psique.

Os matemáticos, os físicos, os químicos, e uma série de outros sacerdotes já o fizeram pra garantir que as verificações confirmaram as verdades que anunciam. Assim podemos acolhê-las em nosso conjunto de verdades e projetarmos com o nosso pensamento, como se fossem nossas essas verdades, pra edificar a realidade e a existência.

Já querer acreditar em alguma maluquice é um ato deliberado e político de loucura, de irreverência e de heresia. É um gesto de autonomia esse, pois é preciso buscar o lugar onde as verdades excluem as verificações e ali acreditar que se possa entender, abrindo portais ridículos.

Sempre serão ridículos os ambientes a que se propõem a ir os incautos que se nutrem da crença para entender aquilo que foi escorraçado do mundo do pensamento que gera realidade.

Querer acreditar que a terra é plana, que as fadas existem, que é possível se curar pela invasão da quinta dimensão são decisões políticas de quem se torna um dissidente da verdade.

Assim temos as jornadas da mente e as jornadas do espírito. As jornadas da mente são previsíveis, as do espírito são imprevisíveis, pois a crença necessária para a partida é suficiente só pra abrir o portal e nunca para caminhar sobre o familiar. A mente é a prisão de onde tudo se sabe, pois vêm de fora as verificações. O espírito é livre e inconsequente.

Mente, racionalidade, razão, pensamento, têm muitos nomes os derivados das verdades. E todos são nomes próprios, apropriados, que oferecem um universo de coerências. Já a tolice dos dissidentes dessas verdades é reconhecida imediatamente. Para esses existem instituições apropriadas. Com o tempo, os dissidentes da verdade se tornam irreverentes. Perdem qualquer receio de serem ridicularizados em público. Pois sabem que as verdades são limitações do espírito. Que quer voar sobre o improvável.

Para esses espíritos, os horizontes polimórficos tremulam suas bandeiras flamejantes. Um horizonte de eventos aberto para todas as maravilhas e que basta romper com o julgamento dos protetores das verdades. Os que se investem das verdades são duros e resolutos em seus vaticínios. São inflexíveis, pois sabem que essas verdades são universais e sagradas. E que valem pra todos sob o sol. A verdade é a adequação entre aquilo que se dá na mente e aquilo que se dá na realidade, portanto não pode ser questionada.

O princípio da verdade ainda é aquele de Platão no Crátilo: “verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso é aquele que diz como não são”; o mesmo em Aristóteles: “negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade”. Consideravam que a verdade está no pensamento e na linguagem e, depois, na coisa em si. Nenhuma divergência com Descartes.

Karl Jasper definiu os três pontos para se identificar uma crença delirante: certeza, mantida com absoluta convicção; incorrigibilidade, não passível de mudança por força de contra-argumentação ou prova em contrário; impossibilidade ou falsidade do conteúdo, implausível, bizarro ou patentemente inverídico.

Ora, se retirarmos a última parte, as duas anteriores garantem pela força da herança e do discurso a imutabilidade da verdade. Só o último dos itens referente ao bizarro e às inverdades patentes modifica a atuação da mente, do lugar da sanidade para o lugar da loucura.

Farei aqui um experimento argumentativo no sentido de conferir o poder das verdades consagradas.

Quando aceitamos o fato de a terra ser esférica não precisamos de argumentação alguma pra sustentar essa verdade. Portanto não estamos preparados para discutir como estaria quem buscou evidências de que ela é plana.

O objetivo aqui não é demonstrar que a terra é plana, já que sou um dissidente da verdade, mas, a partir de um conjunto de dúvidas, fazer da hipótese uma rede de ironias e consolidar um discurso.

Primeiro é preciso crer, e depois entenderás. E tudo se esvanece delicadamente depois de entendido.

A segunda parte desse texto estará disponível aqui.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade do Sul da Bahia, permacultor e colaborou para Pragmatismo Político

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