Redação Pragmatismo
Eleições 2018 02/Nov/2018 às 12:33 COMENTÁRIOS
Eleições 2018

Leonardo Boff se pronuncia após ser chamado de 'bosta' por Ciro Gomes

Publicado em 02 Nov, 2018 às 12h33

Leonardo Boff, 79 anos, se pronuncia pela primeira vez após ser chamado de 'bosta' pelo ex-presidenciável Ciro Gomes

Leonardo Boff Ciro Gomes
O teólogo, professor universitário e escritor Leonardo Boff

No início da semana, o professor Leonardo Boff foi chamado de ‘bosta’ pelo ex-presidenciável Ciro Gomes.

“Pega um bosta como esse Leonardo Boff. Estou com texto dele aqui. Aí porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira da Petrobras?”, esbravejou Ciro.

Dias antes, Boff havia criticado a omissão de Ciro no 2º turno da eleição presidencial.

“Lamento sua declaração que face à uma ditadura certa não quer ter lado. Seu projeto pessoal é mais importante que defender a democracia. Para você ela é abstrata e fácil. Ficar em cima do muro é covardia. Terá o destino da Marina, o de ser esquecido”, escreveu o teólogo.

Em entrevista ao portal de notícias UOL, o professor afirmou que releva os xingamentos de Ciro Gomes e disse ter misericórdia do candidato derrotado na eleição de 2018.

Confira os principais trechos da entrevista:

(1) Sobre os xingamentos de Ciro Gomes

Não me incluo entre os eventuais bajuladores de Lula. Nunca fui filiado ao PT por convicção, pois o ofício do pensar filosófico e teológico não pode se restringir à parte, donde vem partido, mas deve procurar pensar o todo e a parte dentro do todo.

Somos eu e Frei Betto (também não filiado ao PT) amigos de Lula de longa data, desde o tempo em que organizava as greves e a resistência à ditadura militar. Portanto, bem antes de ser político e presidente. Os amigos se criticam olhos nos olhos para construir, os adversários o fazem pelas costas para destruir. E assim o entendia Lula.

Confira algumas críticas de Boff ao PT publicadas no Pragmatismo Político:
Crítica 1
Crítica 2
Crítica 3

Somos amigos-irmãos que têm os mesmos sonhos e os mesmos propósitos fundamentais. Frei Betto era igualmente duro na crítica, não obstante a grande amizade que os unia e une. Sigo a sentença dos mestres espirituais: “se não entender o que alguém diz a seu respeito tenha pelo menos misericórdia”, virtude central do cristianismo assumida, decididamente, pelo papa Francisco. Procuro viver esta virtude.

Considero Ciro Gomes uma das maiores e imprescindíveis lideranças do Brasil. Ele é importante para a manutenção da democracia e dos direitos sociais. Ele ajuda a alargar os horizontes dos problemas que enfrentamos com o seu olhar próprio. O que faz e diz é dito e feito com paixão. Entretanto, a paixão necessária nem sempre é uma boa conselheira. Creio que foi o caso de sua crítica a mim chamando-me com um qualificativo que não o honra.

Causou-me espanto o fato de que, no meio da crise, quando a democracia estava sob risco, confrontando-se com uma proposta autoritária de viés fascista, extremamente danosa ao pais, Ciro tenha se retirado e assim privado a todos nós de um apoio importante devido à sua força política. O ressentimento falou mais alto e [ele] simplesmente se afastou. Na volta, não foi capaz de dizer “voto em Haddad”, apenas disse “voto pela democracia”.

Como há a possibilidade do voto branco e nulo nunca saberemos em quem ele votou. Por amor à democracia, ao bem comum, deveria se pronunciar claramente, face a uma ameaça grave de um governo de ultradireita e de viés fascista. Essa clareza faltou nos pronunciamentos de Ciro.

(2) Sobre Ciro ter afirmado que foi “traído por Lula”

Creio que devemos pensar como os antigos: devemos ter sempre magnanimidade na vitória e especialmente face à derrota.

Não obstante os enfrentamentos durante a campanha eleitoral, os políticos não devem perder o verdadeiro sentido da política que é buscar o bem comum da nação. Aqui não podem prevalecer projetos pessoais, mas os coletivos aos quais nos colocamos a serviço.

Excluir por parte de Ciro o PT de qualquer apoio não é politicamente sensato particularmente quando a democracia está em jogo.

(3) Sobre o PT ter insistido na candidatura de Lula até o limite do possível

Não me cabe dizer se errou ou não. O PT tinha esperança de que se fizesse justiça a Lula e que o Judiciário obedecesse à declaração da ONU de que Lula teria garantido o seu direito de ser candidato. Mas o arbítrio imperante não atendeu esta regra de tão alta instância. Vetou sua candidatura e quanto o saiba até lhe sequestrou o direito de votar. O que demonstra ser de fato um prisioneiro político vivendo numa solitária.

O que, na verdade, elegeu Bolsonaro foi um mantra contra a corrupção e o antipetismo que suscitou na sociedade. Só que, ao meu ver, usou métodos corruptos, de milhões de fake news e difamaçãoes a ponto de inundarem a consciência de boa parte da população. Sou completamente a favor que se combata a corrupção. Mas que se comece pelos grandes corruptos que são as grandes empresas.

Do ano passado até princípios de setembro de 2018, atestam os procuradores da Fazenda Nacional, foram sonegados R$ 450 bilhões. O total da corrupção do “mensalão” e do “petrolão” mal chega a 10% desta corrupção já naturalizada. Com o resgate destes bilhões sonegados não precisaríamos fazer a reforma da Previdência.

(4) Como avalia os chamados ‘mensalão’ e ‘petrolão’

Sobre o “mensalão” e o “petrolão” sempre fui crítico. Mostrei-o em meus artigos publicados no “Jornal do Brasil” online, onde escrevi, semanalmente, durante 18 anos.

Todos eles estão no meu blog. Aconselho os leitores que leiam o livro que publiquei a partir da atual crise brasileira: “Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência”, com 265 páginas, editado pela Editora Vozes neste ano. Há todo um capítulo sobre “Os equívocos e erros do PT e o sonho de Lula”.

Um intelectual, ciente de sua missão, não pode deixar de criticar malfeitos, venham de onde vierem. Assim o fiz em todo o tempo.

(5) Como avalia a vitória de Bolsonaro

Entramos numa fase, a meu juízo, de grandes desafios e atribulações, especialmente para a população mais vulnerável, dos homoafetivos e de outras minorias políticas, e também para maiorias numéricas, como os negros e negras. E seguramente muitos intelectuais e artistas sofrerão perseguições e injúrias como já estão já ocorrendo.

Mas a situação nos obrigará a todos a fazermos uma autocrítica e superar a perplexidade com a qual fomos tomados: por que chegamos a tal ponto de extremismo e de atitudes fascistas? Por que não fomos vigilantes? Onde erramos? Penso que todos os partidos têm que se reinventar sobre bases éticas e morais mais sustentáveis e com uma democracia mais avançada que inclusive insira os direitos da natureza e da Mãe Terra.

Temo uma onda de extermínio, vinda de cima, de grupos metidos com a droga e com violência organizada nas periferias de nossas cidades.

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