Redação Pragmatismo
Juristas 12/Set/2018 às 17:19 COMENTÁRIOS
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Uma resposta a Cármen Lúcia sobre os salários de juízes

Publicado em 12 Set, 2018 às 17h19

Um contraponto ao "Juízes não ganham em excesso" da ministra Cármen Lúcia. Frase foi dita em sua última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

resposta Cármen Lúcia salários de juízes stf ministério público

Lilian Milena, Jornal GGN

Em sua última sessão como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta terça-feira (11), a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia afirmou que os juízes recebem salários justos, destacando a transparência da remuneração dos magistrados brasileiros, uma das iniciativas que dirigiu enquanto esteve à frente do órgão.

No que se diz que juízes ganham em excesso, não ganham. E está aí a comprovação pela transferência que foi dada às informações sobre as remunerações de todos nós brasileiros de forma permanente“, disse a magistrada que também deixará a presidência do Supremo na quinta-feira (13), quando será substituída pelo ministro Dias Toffoli no comando da Casa e também do CNJ.

Levando em consideração dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) contínua do terceiro trimestre de 2017, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um ministro do Supremo ganha mais que 99% dos brasileiros, com seu salário mensal de R$ 33,7 mil, considerado hoje o “teto constitucional”, valor máximo que pode ser recebido por qualquer servidor público dos três poderes.

Mas o valor poderá aumentar em 2019. Há cerca de um mês os ministros do Supremo aprovaram em plenário o reajuste de 16,38% nos próprios salários. Votaram pelo aumento 7 dos 11 ministros, sendo vencidos Celso de Mello, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que posicionaram-se contra a mudança. Com o reajuste, o salário dos magistrados passará para R$ 39 mil, mas é necessária ainda validação no Congresso Nacional, quando forem discutir o Orçamento do próximo ano.

Para o professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa, a formação de salários do funcionalismo público tem relação com a histórica concentração de renda no país. Uma pesquisa feita por um grupo de economistas liderados por Thomas Piketty, autor best seller, O capital do século XXI, mostrou em dezembro do ano passado que o Brasil tem a maior concentração de renda do mundo entre o 1% mais rico, casta que detém 27,8% da riqueza nacional. Já os 10% mais ricos no Brasil, concentram 55% de todas as riquezas do país.

Ao avaliar a decisão de ministros do Supremo em aumentar os próprios salários, puxando o teto constitucional para cima, Nogueira da Costa pontua que o ato irá provocar um “efeito cascata” para todas as “subcastas de servidores“, lembrando de outras 6 categorias funcionais que recebem valores médios próximos à R$ 50 mil.

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Além de salários competitivos com diretores de empresas privadas, há remunerações por participação de servidores em conselhos de empresas públicas, aposentadorias acima do salário da fase ativa, auxílios (como o auxílio-moradia para todos os juízes, inclusive com casas-próprias) e gratificações diversas chegam a justificar salários de mais de 100 mil reais”.

Por isso, defende o professor, reduzir os privilégios nos três Poderes seria relevante, “até mesmo do ponto de vista simbólico em vez de cortar gastos sociais ou investimentos públicos essenciais para a retomada do crescimento econômico“, pontua.

Segundo consultorias da Câmara e do Senado o efeito cascata com a valorização do salário dos ministros do Supremo poderá gerar o aumento de R$ 4 bilhões com o pagamento do funcionalismo público considerando o Executivo, Legislativo, Ministério Público e estados da federação.

Na União e nos estados o aumento previsto será de R$ 1,4 bilhão e R$ 2,6 bilhões, respectivamente. No caso do Supremo, o aumento causará impacto de R$ 2,8 milhões, mas para conseguir ter provisão desse recurso, os ministros alegam que bastará fazer um remanejamento de despesas de custeio do Tribunal, que terá a mesma previsão orçamentária para 2019.

Em entrevista ao Congresso em Foco, logo após o reajuste do Supremo, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, destacou que o aumento precisará respeitar a Lei do Teto dos Gastos, medida criada pelo governo Temer e aprovada nas duas Casas parlamentares para congelar as despesas correntes da União durante 20 anos, a partir de 2017. “É preciso que tenha, dentro do teto, recursos para que esse aumento possa acontecer”, disse.

O Teto dos Gastos também congela o valor do salário mínimo, hoje em R$ 954. O último reajuste feito sobre o salário piso do cidadão brasileiro foi no dia 1º de janeiro e de apenas 1,84%, o menor em 24 anos. A título de comparação com o salário dos magistrados, 39% dos brasileiros recebem todos os meses soldo equivalente ou menor que o valor de um salário mínimo e a renda média do trabalhador brasileiro é de R$ 2,1 mil. Aliás, se você recebe R$ 3 mil reais ao mês, saiba que ganha mais que 89% dos trabalhadores no país.

Tendo em vista esse cenário, qual é a responsabilidade dos três poderes sobre a situação de desigualdade de renda, quando têm nas mãos a possibilidade do reajuste de seus próprios salários?

A sobra da grande renda corrente de casais do Poder Judiciário – eles casam entre si – lhes permite não só a aquisição de moradias luxuosas, investir em imóveis para aluguel e no mercado financeiro, elevando também a concentração de riqueza – não só a da renda. Eles se encontram no ranking das 10 maiores riquezas per capita por natureza ocupacional“, reforça o economista da Unicamp.

Poder é poder de determinar a própria renda. Se existir um conluio entre os 3 Poderes para nenhum controlar a renda do outro, os contribuintes do restante da sociedade pagarão a conta. Como a estrutura tributária é regressiva (50% da arrecadação vem do ICMS), relativamente à própria, os pobres pagam mais. Agrava a desigualdade de renda“, responde o professor.

Ainda, durante a sessão no CNJ, a ministra Cármen Lúcia defendeu o trabalho que a magistratura tem realizado no país, pontuou que os juízes estão sobrecarregados e, ainda assim, são capazes de fazer com que o Judiciário assuma a resolução de conflitos sem a necessidade de violência:

Porque pela violência nós não temos nem democracia, nem sequer uma vida civilizada, o marco civilizatório se perde e podemos ter um retorno à barbárie”, assinou.

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