Redação Pragmatismo
História 17/Nov/2017 às 13:15 COMENTÁRIOS
História

Os relatos que Stalin considerou verdadeiros demais para publicar

Publicado em 17 Nov, 2017 às 13h15

Batalha por Stalingrado durou de agosto de 1942 a fevereiro de 1943 e terminou com a rendição do exército de Hitler, mudando o curso da Segunda Guerra e da história mundial. Nos 'Diários de Stalingrado' estão os relatos que Stalin considerou verdadeiros demais para publicar

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Michal Shapira*, Opera Mundi

A batalha por Stalingrado durou de agosto de 1942 a fevereiro de 1943 e terminou com a rendição do exército de Hitler, mudando o curso da Segunda Guerra e da história mundial. Foi a batalha mais feroz da história humana, ceifando a vida de centenas de milhares de pessoas. A Batalha de Stalingrado pôs fim ao sonho de Hitler de dominar o mundo e deixou claro que era apenas uma questão de tempo até que a Alemanha nazista capitulasse.

Professor da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, Jochen Hellbeck é um importante historiador do período soviético. Publicado em 2015, o fascinante livro “Stalingrado: A Cidade que Derrotou o Terceiro Reich, e a Batalha que Mudou a História Mundial” (PublicAffairs, também disponível nas edições alemã, russa, sueca, finlandesa, espanhola e chinesa) conta a história dessa batalha pelo lado soviético. O trabalho de Hellbeck, que recebeu uma bolsa John Simon Guggenheim 2017 em humanidades, continua concentrado nos esforços de guerra para registrar as atrocidades cometidas pelos alemães em solo soviético.

Nascido em Bonn, então Alemanha Ocidental, Hellbeck, de 51 anos, é também fundador de um projeto on-line chamado facingstalingrad.com, baseado em uma série de entrevistas em profundidade – realizadas em conjunto entre 2009 e 2010 com a fotógrafa Emma Dodge Hanson – com veteranos russos e alemães sobreviventes dessa fatídica batalha. As entrevistas, bem como as raras fotografias e cartas compartilhadas pelos veteranos, mostram como a batalha é lembrada de formas diferentes pelos dois lados da guerra.

Um sentimento assustador de perda e derrota marca as lembranças do lado alemão, enquanto a narrativa russa sobre Stalingrado está imbuída de um espírito de orgulho nacional e sacrifício. Os veteranos alemães referem-se a Stalingrado como uma ruptura traumática em sua biografia, enquanto os russos tendem a ressaltar o aspecto positivo de sua autorrealização na guerra, mesmo quando confessam dolorosas memórias de perdas pessoais.

Michal Shapira, repórter do jornal israelense Haaretz, falou com Hellbeck após uma visita dele à Universidade de Tel Aviv no início de 2017.

O que o levou a estudar a Segunda Guerra Mundial em seu livro e, em particular, se debruçar sobre a Batalha de Stalingrado?

Meu trabalho anterior havia explorado os diários pessoais escritos na União Soviética de Stalin. Ele revelou que, ao contrário do que se pensa, muitas pessoas mantiveram diários. O objetivo não era cultivar pensamentos pessoais contrários ao comunismo, mas alinhá-los com os ditames da Revolução Soviética e elevar os próprios pensamentos enquanto participante de fato histórico mundial. Então, eu fiquei curioso como esses esforços seriam comparáveis aos gerados pela revolução nazista alemã e sua versão do “Homem Novo”. Stalingrado, como um choque culminante e prolongado entre os dois regimes totalitários, parecia ser o lugar certo para este próximo estudo. Sendo alemão, claro que também sou suscetível ao imponente lugar de Stalingrado na memória coletiva alemã. O problema com esta memória é a sua natureza insular: a maioria das representações existentes da batalha que você pode ler na Alemanha ou em outros países ocidentais conta a história predominantemente do ponto de vista alemão. Essas representações começam com o ataque à cidade, destacam o drama dos soldados alemães que estavam cercados e terminam com os 100 mil sobreviventes alemães mantidos em cativeiro pelos soviéticos. Quando, durante minha pesquisa, descobri uma série de entrevistas feitas durante a guerra com soviéticos que defenderam a cidade, decidi que o foco central do meu livro deveria estar no lado soviético, algo relativamente menos conhecido na história.

O livro é baseado em entrevistas com soldados do Exército Vermelho que você encontrou nos arquivos. Eles descrevem violência de modo chocante. Você pode falar sobre a natureza dessa violência?

As entrevistas foram feitas em Stalingrado, durante o período final da batalha e das suas consequências imediatas. Elas ecoam o barulho do campo de batalha, e a violência está em toda a descrição dos fatos. Os soldados do Exército Vermelho descrevem como eles lutaram para chegar ao centro da cidade, explodindo porões e edifícios inteiros lotados de alemães após alguns germânicos se recusarem a depor suas armas. O que se torna muito claro é a medida de como os soviéticos foram guiados pelo ódio contra os alemães. Nas entrevistas, me surpreendi ao descobrir a origem desse ódio.

Peguemos o exemplo de Vassily Zaitsev, o famoso atirador de Stalingrado, que matou 242 soldados inimigos ao longo da batalha, até sofrer uma lesão ocular, em janeiro de 1943. Perguntado pelos historiadores sobre o que o motivou a continuar lutando além do limite da exaustão, ele falou sobre cenas que testemunhou pessoalmente: soldados alemães arrastando uma mulher para fora dos escombros de um prédio, provavelmente para estuprá-la, enquanto ele a escutava gritando por ajuda e ele nada podia fazer. “Ou quando você vê mulheres jovens e crianças penduradas em árvores no parque. Consegue entender isso? São coisas impactantes”, disse Zaitsev.

As atrocidades alemãs, das quais muitos soldados soviéticos estavam familiarizados, certamente desempenharam um papel importante na mobilização para lutar e lutar com afinco. Havia, além disso, ampla violência dentro do Exército Vermelho, perpetrada contra soldados que não estavam dispostos a arriscar suas vidas. Em sua entrevista, o general Vassily Chuikov descreveu como ele atirou em vários comandantes que recuaram do front sem permissão – essas execuções foram assistidas por soldados em alinhados em formação.

Até a publicação do seu livro em russo, em 2015, essas entrevistas nunca haviam sido publicadas. Por que isso ficou oculto tanto tempo?

Os testemunhos eram muito verdadeiros e multifacetados para a época e Stalin proibiu a sua publicação, não apenas porque ele reivindicou o crédito total pela vitória em Stalingrado. Pouco mudou após a morte de Stalin. Sim, os principais generais da batalha de Stalingrado, como Chuikov, conseguiram publicar relatos sobre seu papel na batalha, mas cuidadosamente omitiram qualquer referência a execuções dentro do Exército Vermelho. Em suas memórias, Chuikov escreve que ele deu apenas “uma repreensão aguda” aos oficiais covardes.

A documentação de arquivo mostra que pelo menos alguns historiadores soviéticos leram as entrevistas, mas parece que eles não estavam conseguindo transformar esses relatos individuais, subjetivos, como eles os chamavam, em uma história “objetiva” (comunista) obrigatória sobre a guerra e, assim, os documentos foram ignorados e esquecidos. Tive a a extraordinária sorte de ter sido o primeiro historiador a explorar de modo profundo as 215 entrevistas realizadas com os soldados soviéticos que defenderam Stalingrado e publicá-los. Encontrei-os no arquivo do Instituto de História Russa da Academia Russa de Ciências.

Quem estava realizando as entrevistas e por quê? Quem foram os entrevistados dessas “transcrições de Stalingrado”?

As entrevistas foram realizadas por historiadores de Moscou que criaram, em 1941, um plano para documentar o esforço de guerra soviético em sua totalidade, e desde o início, como resposta à invasão alemã. De 1942 a 1945, entrevistaram cerca de 5 mil pessoas – a maioria deles, soldados – mas também partidários, civis que trabalhavam na economia de guerra ou lutaram de modo clandestino e cidadãos soviéticos que haviam sobrevivido à ocupação nazista. Esses historiadores esperavam que a divulgação das entrevistas mobilizasse leitores para a guerra. Eles também queriam criar um registro de arquivo para a posteridade. Fiquei impressionado com a forma como eles tomaram essa decisão já no outono de 1941, quando a União Soviética parecia estar respondendo ao ataque alemão.

Mas os historiadores mostravam confiança na história, especialmente da Guerra de 1812, quando o povo russo conseguiu derrotar um invasor tecnologicamente superior. Hitler, eles estavam certos, repetiria o mesmo fim de Napoleão.

Por que Stalingrado se tornou importante para os nazistas e os soviéticos em 1942? Como ela se transformou numa batalha que mudou a história mundial?

Quando os alemães retomaram sua ofensiva, na primavera de 1942, seu alvo estratégico eram os campos de petróleo do Cáucaso. Somente quando o grupamento do Exército Sul avançou em direção a Maikop e Grozny, Hitler ordenou um ataque em separado contra Stalingrado. Ele apostou no golpe psicológico que a queda de Stalingrado, que significa literalmente “cidade de Stalin”, causaria em Stalin. Em grande parte, essa carga simbólica foi o que transformou a batalha por Stalingrado num confronto decisivo entre os dois regimes.

Qual foi o papel da mídia mundial antes e durante essa batalha?

A batalha de Stalingrado foi travada em um cenário global, e pode ter sido a primeira guerra midiática da história. Desde o início, observadores de todos os lados estavam focados nesse gigantesco confronto no extremo da Europa.

Um jornal alemão descreveu Stalingrado como a “batalha mais fatídica da guerra” – isso aconteceu no início de agosto de 1942, antes mesmo dos soldados de Hitler terem começado a atacar a cidade. Os relatos da imprensa global empurraram ambos os lados para a batalha. Durante o outono de 1942, a imprensa soviética citou jornais de lugares que vão do Egito à Índia e ao Canadá, exaltando o heroísmo dos defensores de Stalingrado. Em pubs em toda a Inglaterra, o rádio era ligado durante os noticiários noturnos apenas para saber as novidades sobre Stalingrado.

Entre as nações aliadas, e também em cidades e guetos ocupados pelos alemães, as pessoas estavam eufóricas sobre a capacidade do Exército Vermelho de resistir à investida alemã e contra-atacar. À medida que as notícias sobre a batalha rareavam, muitos perceberam isso como um indicativo de que a Alemanha perderia a guerra.

A violência e o horror durante a batalha por Stalingrado foram ferozes. Quais condições propiciaram tamanha violência e perda de vidas?

Ambos os regimes se mobilizaram ao máximo para conquistar ou defender a cidade. Antes de entrar em Stalingrado com tropas e tanques, os alemães começaram um bombardeio maciço, que durou duas semanas, incendiando e destruindo grande parte da paisagem urbana, ceifando 40 mil vidas. Poucas semanas antes, em resposta ao rápido avanço dos alemães em direção a Stalingrado, Stalin emitiu uma ordem de “nenhum passo atrás”, proibindo os soldados de recuarem em qualquer circunstância. Até os civis foram considerados defensores da “Fortaleza Stalingrado” e não foram autorizados a evacuar mesmo depois de vários dias após o início do bombardeio. À época, alemães e soviéticos, concordaram que as tropas do Exército Vermelho em Stalingrado lutaram com enorme fervor.

Eles apenas diferiram na interpretação dessa resistência. Os russos elogiaram o “heroísmo diuturno” de suas tropas, enquanto os alemães classificavam os soldados soviéticos como seres sub-humanos que lutaram cruelmente e sem qualquer respeito pela vida – mesmo pela dos seus compatriotas.

“Pela pátria socialista!” e “Pelo camarada Stalin!” – estes foram alguns dos slogans usados pelos combatentes em Stalingrado. Qual o papel desempenhado pelo bolchevismo na luta? Quais são as suas principais conclusões?

A ideologia comunista teve um enorme poder de mobilização durante a guerra. Este é um dos principais argumentos do meu livro e desafia o modo como outros estudiosos entenderam o esforço da guerra soviético. A noção predominante na academia é que Stalin estava politicamente falido quando a guerra começou – enganado pelos alemães, na defensiva e profundamente impopular. Por essa interpretação, Stalin reagiu ao derrubar o dogma comunista, abraçando o nacionalismo russo e adotando um tom mais populista. Apesar de algumas dessas coisas terem realmente acontecido, elas não sinalizaram uma abdicação ao comunismo, pelo contrário. Meu livro mostra em detalhes como os soldados do Exército Vermelho foram incorporados ao Partido Comunista.

Como isso aconteceu de fato?

Houve um enorme ingresso de soldados no Partido Comunista ao longo da guerra. Tanto que, ao final do conflito, o Exército Vermelho era predominantemente comunista e o partido, por sua vez, tinha características de uma organização militar. O requisito fundamental para um soldado se juntar ao partido não era conhecimento doutrinário; por exemplo, a capacidade de recitar livros do partido, mas provas de que o soldado havia matado alemães. Essa foi a maneira, por exemplo, de como o atirador Zaitsev falou sobre como ele foi introduzido no partido. Naquela época, ele havia atirado em 60 soldados inimigos; esse número chegaria a 242 até o final da batalha de Stalingrado. Participar do partido foi uma questão de honra e prestígio para ele e outros soldados.

Quão político era o Exército Vermelho?

Para avaliar a natureza política do Exército Vermelho, é instrutivo compará-lo com a Wehrmacht alemã. O historiador Omer Bartov argumentou que, para a Wehrmacht, com crescentes taxas de mortes e a destruição dos “bandos de irmãos” nas unidades de linha de frente, os comandantes militares dependiam cada vez mais do doutrinamento ideológico para moldar a coesão das tropas. Mas mesmo esse trabalho ideológico nazista ruiu contra o condicionamento sistemático, comunista e político que ocorreu no Exército Vermelho a partir do momento que os alemães atacaram em 1941. A ideologia foi o cimento que o comando do Exército Vermelho usou para unir seu diversificado corpo de soldados. A pregação incessante, alvejando cada recruta, foi constituída por conceitos acessíveis com uma enorme carga emocional: o amor pela pátria e o ódio ao inimigo. Os alemães ficaram muito impressionados com isso. Após a campanha de Stalingrado, Hitler ordenou que os oficiais políticos de estilo soviético – os chamados “comissários” – fossem introduzidos na Wehrmacht. Mas o exército resistiu a essa intrusão aberta do político no campo militar.

A Segunda Guerra Mundial foi uma guerra total, na qual os civis, tanto quanto os soldados, faziam parte da guerra. A economia, a cultura e a sociedade foram totalmente mobilizadas pelos governos. Qual foi o papel das mulheres na Batalha de Stalingrado?

Com praticamente todos os homens adultos servindo no Exército Vermelho, as mulheres tiveram que dirigir a economia de guerra soviética. Ao contrário da Alemanha, onde escravos estrangeiros representavam 25% da economia de guerra em 1944, ou da Grã-Bretanha, com a exploração de recursos coloniais – o modelo soviético era baseado na autoexploração. Além disso, quase 1 milhão de mulheres soviéticas serviram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, metade delas como soldados comuns e a outra metade, como enfermeiras, operadoras de telefonia ou lavanderia. Muitos dos soldados entrevistados em Stalingrado concordaram que as enfermeiras tiveram desempenho excepcional. Vários contaram a história comovente de Lyolya Novikova, uma jovem que não inspirava confiança porque “parecia uma bailarina e usava sapatos de salto alto durante o treinamento de combate.” Ela trabalhou como relatora, mas estava ansiosa para trabalhar como enfermeira para ajudar os feridos a voltar para o combate na linha de frente.

Em seu segundo dia no campo de batalha, fazendo curativos e recuperando soldados feridos, Novikova foi morta. Em uma reunião de jovens comunistas, realizada em sua memória poucos dias depois, várias mulheres discursaram, prometendo lutar contra os alemães, assim como Lyolya fez. Durante essa reunião, Lyolya Novikova foi aceita postumamente no Partido Comunista.

Enquanto Stalingrado estava prestes a cair nas mãos alemãs em setembro de 1942, o Exército Vermelho apresentou um plano para um contra-ataque que acabaria por esmagar o inimigo. Conte mais sobre esse momento histórico.

O movimento da pinça que atravessaria ambos os flancos das tropas do Eixo e cercaria mais de 300 mil dos seus soldados foi uma manobra ousada e ajudou a curva de aprendizado tático do Exército Vermelho. Em certo sentido, a contraofensiva copiou o modelo surpreendentemente bem-sucedido da blitzkrieg alemã de 1941. Também é notável como o comando militar soviético foi capaz de movimentar secretamente um contingente de 1 milhão de soldados ao longo desses flancos nas semanas que antecederam a operação. A inteligência alemã notou movimentos suspeitos de tropas, mas o comando do exército alemão ignorou esses avisos, pois estava convencido de que os soviéticos haviam esgotado todas as reservas humanas disponíveis.

Qual foi o significado da derrota para os alemães?

A primeira resposta do regime nazista após o bem-sucedido cerco soviético em novembro foi a negação. A imprensa alemã simplesmente deixou de noticiar sobre Stalingrado, incluindo as tentativas fracassadas de chegar até os saldados encurralados e fornecer suprimentos por vias aéreas. No entanto, os líderes nazistas não conseguiram ficar em silêncio sobre a derrota do Sexto Exército – Hitler disse, certa vez, que ele poderia atacar até os céus. Então, eles criaram um conto de fadas sobre alguns heroicos soldados alemães deixados para lutar contra hordas russas até o último suspiro. Até então, a propaganda alemã falava confiantemente em uma nova ordem para a Europa sob o domínio germânico; depois de Stalingrado, começaram a soar alarmes sobre o futuro da Alemanha, da Europa e da “civilização”.

O que isso significou na prática?

A ideia era mobilizar a população alemã através de uma intensa propaganda de medo. Mas o regime deu mais passos: ao visitar o campo de extermínio de Treblinka, no leste da Polônia, apenas um mês após a derrota em Stalingrado, Heinrich Himmler ordenou a exumação e a cremação dos corpos dos 700 mil judeus que haviam morrido lá. Himmler estava ciente o fim da linha era cada vez mais próximo para a Alemanha. Embora ainda faltasse mais de um ano até que o Exército Vermelho libertasse os campos de extermínio na Polônia, a Batalha de Stalingrado interrompeu a máquina da morte nazista. Neste sentido, também, Stalingrado marcou um ponto de virada na história mundial.

Quais foram as principais maneiras pelas quais os sobreviventes se lembraram de Stalingrado?

Algo notável sobre as entrevistas que descobri no arquivo é que elas foram gravadas durante a batalha e logo depois dela. Os soldados entrevistados não imaginam o que virá em seguida, e quando e como a guerra terminará. Mas eles falam com enorme orgulho sobre sua vitória sobre o exército de Hitler, que era dito como imparável.

Stalin precisava de de total dedicação de seu povo na luta contra o inimigo, mas também temia suas implicações, a saber, possíveis pedidos por mais democracia dentro da União Soviética. Essa foi uma das razões pelas quais essas entrevistas não podiam ser publicadas na época. Em 1945, Stalin certificou-se de que as publicações oficiais se referissem a ele como o único arquiteto da vitória soviética sobre o fascismo. Ironicamente, a morte e declínio de Stalin [em 1953] deu outro fôlego aos defensores de Stalingrado. Quando, como parte da campanha para combater o culto à personalidade de Stalin, sua cidade foi renomeada Volgograd em 1961, muitos veteranos se opuseram: com Stalingrado desaparecendo, eles também se sentiram apagados da História.

Até hoje, o Estado e o povo russo comemoram intensamente a batalha. Recentemente, a Igreja Ortodoxa incorporou Stalingrado nas suas orações, mesmo não estando presente durante a batalha em si. Mas o que eu acho mais impressionante sobre a memória de Stalingrado é o pouco que, em comparação, ela parece afetar líderes políticos e populações fora da Rússia. O mundo ocidental cultiva uma memória sobrevalorizada do desembarque de junho de 1944 na Normandia como o capítulo inicial da derrota de Hitler. Como batalha fundamental da Segunda Guerra Mundial, Stalingrado merece reconhecimento semelhante.

*Michal Shapira é professora titular em estudos de história e gênero na Universidade de Tel Aviv. A pesquisa dela trata da Segunda Guerra Mundial, do gênero e da história da psicologia no século XX.

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