Redação Pragmatismo
Cinema 01/Set/2017 às 16:05 COMENTÁRIOS
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Por que é impossível gostar do filme da Lava Jato

Publicado em 01 Set, 2017 às 16h05

Repleto de clichês, só um alienígena acharia bom o filme da Lava Jato. 'A lei é para todos' atribui um caráter consistente a questões que ainda não foram apreciadas judicialmente, o que pode causar complicações judiciais no futuro

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Um alienígena que não conheça absolutamente nada sobre a Operação Lava Jato e decida pegar uma sessão de cinema deve sair da sala depois das duas horas de “Polícia Federal – a lei é para todos”, que estreia na próxima quinta-feira (7), com um resumo decente sobre o começo da ação. Mas, enquanto retrato do momento mais emblemático da história nacional da última década, o filme deixa a desejar.

A fórmula do longa é garantida: quem conhece um brasileiro, que não esteja no Congresso nem envolvido nas investigações, que seja contra o trabalho da Lava Jato?

No entanto, é possível admitir a magnitude e importância da operação sem resvalar para o maniqueísmo e o clichê – até porque, quanto mais amplo e necessário um fenômeno como a Lava Jato, maior sua complexidade.

A equipe por trás de “Polícia Federal – a lei é para todos” preferiu o caminho sedimentado. O título, que é o primeiro de uma série de três filmes, dá a deixa sobre o tom geral da obra: o lado da própria PF na operação, e, em menor grau, do Ministério Público e do Judiciário em geral.

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Já na abertura, a obra apela para a constatação batidíssima de que a corrupção chegou ao Brasil na caravela dos portugueses.

Lá pelas tantas, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa é instado, justamente, a começar sua denúncia pelo começo. Ele começa pelas caravelas que trouxeram a corrupção ao Brasil, irritando os investigadores. A ironia parece ter passado batida.

Os personagens que representam os membros da PF ao longo da operação (todos fictícios, mas baseados fortemente em figuras centrais) são melhor construídos, mais humanos e multidimensionais.

Os investigados, por sua vez, são retratados de forma particularmente caricata: o ex-presidente Lula personificado pelo ator Ary Fontoura não tem nenhum carisma, e nosso amigo alienígena teria dificuldade em imaginar por que o momento de sua condução coercitiva foi tão emblemático para a história nacional a ponto de constituir o clímax da história.

O filme atribui um caráter consistente a questões que ainda não foram apreciadas judicialmente, como os casos do sítio de Atibaia e a ligação entre as palestras de Lula e as obras da Odebrecht no exterior, o que pode causar complicações judiciais no futuro.

As críticas à seletividade das investigações, que na “vida real” foram feitas por estudiosos de vários espectros, ficam na boca de alguns repórteres de veículos claramente petistas, tirando grande parte de sua credibilidade.

Um deslize menor, mas que não deixa de incomodar um pouco, é o fato de toda a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba ter sotaque carioca, que os atores não se preocuparam muito em disfarçar.

Apesar das falhas estruturais, o filme tem bons momentos: o doleiro Alberto Yousseff, o piadista da prisão, rendeu o maior volume de risadas da sessão (destaque para os presos assistindo ao 7×1 da Alemanha na Copa, com Yousseff entoando cantos patrióticos de torcida).

Além disso, as cenas de perseguição policial, especialmente do início da trama, têm o tom certo, e o filme é visualmente coerente, sem resvalar (muito) para uma imitação pura e simples das fórmulas de Hollywood.

A reprodução fiel de alguns depoimentos e entrevistas coletivas, além da inserção de passagens jornalísticas reais ao longo do filme também trazem um feeling interessante: a lembrança de que aquela ficção é baseada em fatos.

O único ensaio de questionamento, no entanto, está quase no final: o personagem do delegado pergunta a um protótipo do procurador Deltan Dallagnol se o trabalho deles não está servindo ao propósito de alguém, se derrubar alguns políticos interessa ao projeto de poder de outros. A pergunta, legítima, é “quem estamos ajudando com essa operação?”.

A resposta, no entanto, soa insuficiente: “estamos ajudando o Brasil”. Dados os desdobramentos e iminentes ameaças à operação, a questão já não é apenas ajudar ou não o Brasil, mas sim de que forma: por qual caminho seguir, quais as bases do país que queremos?

Como a intenção confessa do filme, segundo as palavras do próprio diretor Marcelo Antunez, era levantar o debate saudável, começar por algum lugar, a função pode ser considerada cumprida. O desafio, agora, é elevar o nível do debate, e isso o filme passou longe de fazer.

Assista o trailer:

Luíza Calegari, Exame

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