A história do médico cubano sabotado por duas médicas brasileiras
A história do primeiro médico cubano que foi sabotado por duas médicas brasileiras (mas não deu certo)
Por Kika Castro*
Acompanhem comigo este caso.
A diarista Gilmara Santos foi a um posto de saúde no bairro Viveiros, em Feira de Santana (BA), para que seu filho recebesse atendimento.
Lá encontrou o médico cubano Isoel Gomez Molina.
Ele atendeu a mãe e a criança de forma atenciosa, receitou dipirona para o tratamento e explicou detalhadamente a Gilmara como ela deveria aplicar o medicamento. Nas palavras dela:
“Ele me atendeu muito bem. Ele tratou meu filho super bem, porque tem médico que nem olha na cara da mãe e nem da criança. Ele me explicou direitinho como dar o remédio, disse ainda que a quantidade de gotas é definida a partir do peso da criança. Ele prescreveu 40 gotas, mas foi apenas um erro. Ele me disse exatamente o que eu deveria fazer, que era para dar apenas 10 gotas.”
Na receita entregue a ela, dizia que deveria dar ao filho 40 gotas de dipirona — “não em dose única, mas divididas em quatro vezes, a cada seis horas, em caso de febre e dor”. Além de escrever desta forma, deixando claro que cada dosagem seria de 10 gotas, ele explicou direitinho à mãe, durante a consulta, e ela entendeu bem.
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Eis que, ao ver a receita, outra médica — esta brasileira — “entendeu” que o médico havia sugerido uma dose única de 40 gotas, tirou uma foto da receita médica — que é um documento particular do paciente — e a publicou na internet, em uma rede social. Em seguida, um vereador, chamado José Carneiro (PSL), viu a foto na rede social e resolveu denunciá-la na Câmara Municipal e para a imprensa. Quando perguntado por repórteres, ao que tudo indica, mentiu, dizendo que Gilmara é que o tinha procurado para fazer a denúncia, o que ela negou veementemente.
Nas palavras de Gilmara, mais uma vez:
“Quando eu voltei, uma outra médica me atendeu. Como eu ando em mãos com todas as receitas que passam para meu filho, eu cheguei a mostrar para essa médica, que chamou outra colega. Aí elas tiraram uma foto e postaram na internet. Foi aí que o vereador ficou sabendo e tudo isso começou. Acho que isso é uma postura antiética da médica. Querem prejudicar os cubanos, porque eles atendem bem.”
Além de Gilmara, cerca de 300 moradores de Viveiros fizeram um abaixo-assinado em defesa do médico cubano e pedindo sua continuidade no posto de saúde da comunidade. Os enfermeiros do posto de saúde organizam uma festa para ele, que voltará ao trabalho hoje, porque, nas palavras de uma enfermeira ”ele é um médico que chegou e que nós adotamos pelo carisma que ele tem, pela bondade que ele apresentou com a gente e pela presteza em não atender de cara feia”.
O resumo que entendi dessa história toda: o médico, que teve nome e foto expostos como um criminoso, que apareceu no telejornal como “o médico que receitou dose errada“, merece, na verdade, um prêmio, pelo excelente atendimento que vem prestando, conforme os enfermeiros, Gilmara e as outras 300 pessoas da comunidade. O vereador, que mentiu ao declarar que Gilmara havia procurado ele, não sofrerá qualquer punição. E as outras médicas, as brasileiras, que agiram de forma antiética ao divulgar em uma rede social a foto de uma receita de paciente que nem era dela, que tiveram nomes e imagens preservados, tampouco sofrerão qualquer punição, nem mesmo de seu Conselho Regional de Medicina. Eu gostaria de saber quem são elas, será que alguém pode me dizer? Não quero, jamais, correr o risco de ser atendida por alguma delas e ver minha receita médica numa página do Facebook.
Pra mim, este caso concreto do “primeiro profissional do Mais Médicos afastado”, como se noticiou com alarde — que na verdade poderia ser o “primeiro médico sabotado do Mais Médicos”, já devidamente inocentado (de cara, pela própria suposta vítima) e já devolvido a seu consultório — ilustra com perfeição tudo o que foi debatido neste blog, entre julho e agosto.
*Kika Castro é jornalista e autora do blog Kikacastro. Texto autorizado para publicação em Pragmatismo Politico