Redação Pragmatismo
Mercado 29/Jul/2025 às 11:11 COMENTÁRIOS
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Empreender para vender? A nova lógica por trás das empresas brasileiras

Publicado em 29 Jul, 2025 às 11h11
empreender para vender

A narrativa clássica do empreendedorismo sempre esteve ligada à criação de um negócio duradouro: construir algo do zero, superar obstáculos, crescer, gerar empregos e deixar um legado. No entanto, essa lógica vem mudando. Cada vez mais, startups brasileiras nascem com outro objetivo em mente — não o de durar para sempre, mas o de serem vendidas no momento certo.

O Brasil vive um ciclo acelerado de fusões e aquisições (M&As), liderando o volume de transações na América Latina. E, nesse cenário, muitas startups se moldam desde o início para serem atrativas ao mercado. O foco não está mais apenas em atingir o ponto de equilíbrio, mas em construir um modelo escalável, replicável e sedutor o bastante para ser adquirido por grandes players — seja por complementariedade de produto, tecnologia ou acesso a novos públicos.

O mercado mostra: quem cresce é quem se posiciona para ser comprado

De acordo com dados recentes da Aon e reportagens da Forbes, o Brasil foi responsável por cerca de 40% das operações de M&A na América Latina em 2024. O movimento continua em alta em 2025, impulsionado por empresas em busca de inovação externa, expansão digital e redução de riscos de desenvolvimento interno.

Startups com boa reputação, estrutura tecnológica sólida e soluções escaláveis se tornam alvos frequentes. Não é à toa que empresas de setores diversos, de telecomunicações a educação, estão incorporando negócios menores para acelerar sua transformação digital ou ampliar seu portfólio.

A lógica mudou: o “exit” virou objetivo

Antes, vender a empresa era uma possibilidade futura. Hoje, virou estratégia principal. Isso muda tudo: o modo de pensar produto, captação, comunicação e até o time. Fundadores são cada vez mais pressionados por investidores a mostrar que sua startup é “comprável” — não necessariamente lucrativa, mas estrategicamente valiosa.

Essa lógica vem com seus dilemas. De um lado, há dinamismo, inovação e ganhos de capital para quem acerta o timing da venda. De outro, há riscos de perda de identidade, pressão por resultados de curto prazo e reforço de concentração de mercado.

O que torna uma startup “comprável”?

Empresas maiores buscam soluções que resolvam dores reais com tecnologia, sejam eficientes em aquisição de usuários e tenham uma base digital bem estruturada. Nesse cenário, fatores como conectividade, integração de dados, atendimento automatizado e capacidade de entrega digital são diferenciais.

É justamente essa lógica que tem movido o mercado de aquisições no Brasil e o setor de telecomunicações é um dos melhores exemplos disso. Nas últimas duas décadas, a área passou por uma transformação profunda. O que começou com fusões pontuais nos anos 2000, como a compra da TVA pela Telefônica, evoluiu para uma série de consolidações que moldaram o mercado atual.

A Claro, uma das principais operadoras do país, adquiriu a operação móvel da Oi, em um movimento estratégico que fortaleceu sua atuação nacional. Com forte presença em internet residencial e móvel, a empresa tem expandido seus serviços com produtos como o Claro Fibra, que leva internet de alta velocidade a milhões de residências e negócios. A compra, avaliada em R$ 3,5 bilhões, reforçou a importância de infraestrutura, base de clientes e capacidade de escala como ativos centrais em fusões estratégicas.

Outro exemplo relevante foi a Vivo, que ao longo dos anos consolidou diversas operações, entre elas a aquisição da GVT em 2015, que permitiu à empresa ampliar significativamente sua presença na banda larga fixa e TV por assinatura. Essas movimentações mostram como o setor se redesenhou com base em aquisições bem calculadas, buscando não apenas ampliar cobertura geográfica, mas também incorporar novas tecnologias e modelos operacionais.

No campo da educação digital, a Fluency, startup fundada pelo youtuber Rhavi Carneiro — adquiriu recentemente a edtech Awari, ampliando sua atuação no ensino remoto. Reconhecida nacionalmente pela oferta de curso de inglês online, a Fluency tem como diferencial um modelo digital enxuto, foco em experiência do usuário e escalabilidade. Ao incorporar a Awari, a empresa diversifica sua oferta e reforça sua posição no setor, mostrando que conteúdo educacional bem estruturado também pode ser motor de valorização e crescimento no mercado de M&A.

Esses casos evidenciam que, para se tornar “comprável”, uma empresa precisa mais do que bons números: é necessário apresentar sinergia estratégica, maturidade digital e potencial de expansão, seja em infraestrutura ou em inovação. Esses critérios são cada vez mais levados em conta por grandes grupos ao analisar uma possível aquisição.

O risco de empreender pensando na saída

Ainda que essa nova lógica traga vantagens em termos de inovação e capitalização rápida, ela também exige atenção. Quando todo o ecossistema é construído em torno do “exit”, perde-se parte da perspectiva de longo prazo. Produtos são lançados com foco em dados de tração, não necessariamente em impacto real. Equipes mudam rápido, processos não amadurecem, e a empresa vira um bem de troca.

Além disso, há o risco da concentração de mercado: quando grandes corporações compram repetidamente startups menores, formam-se oligopólios silenciosos, que reduzem a concorrência, impõem barreiras de entrada e podem limitar a diversidade de soluções no mercado.

Conclusão

Empreender para vender não é, em si, um problema. É uma estratégia legítima diante de um mercado cada vez mais dinâmico, digital e competitivo. O ponto de atenção está em não reduzir o empreendedorismo a uma corrida por aquisições, sem considerar impacto social, geração de valor e compromisso com quem usa o serviço no dia a dia.

A nova lógica das startups brasileiras mostra o quanto estrutura, capacitação e posicionamento estratégico se tornaram essenciais. Ter um time bem preparado, operação digital eficiente e infraestrutura confiável já não são diferenciais — são pré-requisitos. E quem entende isso desde o começo, sai na frente.

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