Redação Pragmatismo
Direita 01/Dez/2023 às 15:10 COMENTÁRIOS
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Por que líderes de extrema-direita usam cabelos cada vez mais bizarros?

Publicado em 01 Dez, 2023 às 15h10

Assessor da campanha de Sergio Massa, que perdeu para Milei, afirma que "o surgimento de penteados marcantes tem muito a ver com a ascensão da cultura digital e a possibilidade de transformar cabeças em ícones gráficos. O cabelo funciona como um dispositivo digital que, por sua vez, transmite a ideia de uma liderança vigorosa e inclassificável [...] Para eles, a ideia do inclassificável contém a semente da verdadeira liberdade"

Por que líderes extrema-direita usam cabelos cada vez mais bizarros
Donald Trump, Javier Milei, Boris Johnson e Geert Wilders

Raquel Peláez, El País

No livro “Uma história maluca da peruca”, o autor Luigi Amara narra como o artista Andy Warhol fez com que toda a sua marca pessoal girasse em torno de um corte de cabelo que, na verdade, era uma peruca. A “mecha de cabelo platinado estilo vassoura” foi vendida por US$ 10.800 (R$ 52.607, na cotação atual) em um leilão em 2006. Não é trivial que o homem que dedicou sua carreira a refletir sobre a fama sabia que precisava transformar seu cabelo em um ícone para se tornar um — algo que os líderes da extrema direita do século XXI parecem ter muito claro.

Na sexta-feira, após a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais argentinas e a ascensão de Geert Wilders ao poder na Holanda, memes circularam na internet apontando para o que está se tornando uma constante: a ligação entre a extrema direita e penteados estranhos. Essa relação existe? Se sim, por quê?

Houve um tempo em que era normal que um homem proeminente de poder usasse o cabelo comprido, cheio de cachos artificiais, rabos de cavalo com laços ou mechas desgrenhadas de forma bizarra. Como escreveu o psicólogo John Carl Flugel em um dos primeiros tratados sobre a semiótica da moda a ser publicado no século XX: antes da Revolução Francesa, quando ocorreu o que ele chamou de “a grande renúncia” entre os homens, que transformou a austeridade em um sinal de virilidade, os tecidos mais suntuosos, as cores mais prestigiadas e as perucas mais exageradas também eram um assunto masculino. Elas eram um símbolo infalível de status.

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Curiosamente, a moda da peruca começou no século XVI com o surto de sífilis nas cortes europeias, que deixou os homens carecas. O rei Luís XIII, que tinha cabelos naturais longos e exuberantes, começou a usá-las para disfarçar sua alopecia, pois perdeu os próprios cabelos aos 23 anos — embora tenha sido Luís XIV, o famoso Rei Sol, que as transformou em uma febre entre seus súditos e em um símbolo de ostentação e desigualdade tão forte. Em 1792, a Convenção aboliu a peruca, e os mais de 20 mil cabeleireiros da França foram obrigados a se tornar barbeiros. O material com o qual eles tinham que trabalhar agora era cabelo de verdade colado em suas cabeças. A moda mudou e isso afetou a todos.

“Com o início do século XIX, o corte de cabelo curto tornou-se o padrão de limpeza em toda a Europa: cortá-lo era uma forma de dizer adeus ao Antigo Regime”, explica Ana Velasco Molpeceres, autora do livro “A História da moda na Espanha” e professora de comunicação na Universidade Complutense de Madri.

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As revoluções liberais e os valores do Iluminismo tiveram uma certa projeção simbólica nos cabelos curtos, que também começaram a ser vistos na Inglaterra, onde o motivo do desaparecimento das perucas foi diferente: o Estado, diante da escassez de talco, essencial para a preservação dos cabelos artificiais, inventou um imposto que os transformou em um problema econômico entre a alta burguesia. As mesmas ideias românticas que alimentavam o nacionalismo sobre o qual a nova Europa seria construída impuseram cortes de cabelo semelhantes aos dos imperadores e sábios das antigas civilizações. O mais popular de todos era o Brutus.

Se quiser saber como era esse corte de cabelo, você pode fazer duas coisas: procurar os personagens dos romances de Jane Austen ou olhar para a cabeça do presidente eleito da Argentina, Javier Milei.

“Toda vez que o vejo, ele me lembra um daqueles personagens pintados por Jacques-Louis David. Se você reparar, é curioso que esses rebeldes revolucionários, que construíram os Estados liberais, sejam os precursores das ideias de Milei, que é outro rebelde em uma mudança de época e também liberal, embora em sua expressão mais extrema — explica Velasco Molpeceres, para quem a estratégia capilar do argentino tem mais a ver com a ideia de não se conformar com os cânones de seu tempo, justamente para transmitir diferença”.

O mesmo se aplica ao holandês Geert Wilders:

“Acho que eles escolheram esses penteados porque são desconcertantes e, portanto, muito amigáveis à mídia. A estética bizarra e rupturista que sempre se encaixou na esquerda agora incorpora a direita neoliberal individualista: é uma oposição frontal à burguesia e, ao mesmo tempo, uma reafirmação vã”, continua a professora.

Antoni Gutiérrez-Rubí, diretor da consultoria de comunicação Ideograma e assessor da campanha de Sergio Massa, que perdeu para Milei, concorda:

“Nesse tipo de nova liderança, como a de Trump, por exemplo, o surgimento de penteados marcantes tem muito a ver com a ascensão da cultura digital e a possibilidade de transformar cabeças em ícones gráficos. O cabelo funciona como um dispositivo digital que, por sua vez, transmite a ideia de uma liderança vigorosa e inclassificável. Para eles, a ideia do inclassificável contém a semente da verdadeira liberdade”.

No caso da Milei, o cabelo serviu para estruturar uma campanha inteira em torno da figura do leão.

Na opinião do sociólogo e cientista político Luis Arroyo, diretor da consultoria Assessores de Comunicação Pública, o cabelo masculino sempre foi um sinal de força e sabedoria, enquanto a ausência de cabelo foi decodificada como o oposto, algo que poderia explicar o esforço de Donald Trump para esconder sua calvície a todo custo, por meio de sua peruca bizarra. Mas há também a busca consciente pela diferença:

“Na literatura mais recente sobre o fenômeno das novas hiperlideranças, há uma análise quase freudiana desses perfis e eles falam de personalidades neuróticas. Eles acreditam que são seres especiais e encontram na desordem de seus cabelos uma forma de desafiar o establishment”.

Essa categoria inclui, por exemplo, o ex-premier do Reino Unido Boris Johnson, que, apesar de ter sido educado nas melhores escolas públicas de seu país, sempre fez do desafio às boas maneiras sua marca registrada e seu cabelo um sinal de distinção.

Se os revolucionários e os dândis eram os promotores dos cabelos curtos, mas desgrenhados, as primeiras estrelas do cinema mudo foram as que deram boa publicidade aos cortes de cabelo bem arrumados, com risca lateral e gel para mantê-los sempre intactos.

“Em 1900, o ideal do cavalheiro já estava estabelecido. Mais tarde, Hollywood o transformaria em um padrão mundial que perdura quase até hoje”, diz Velasco Molpeceres.

O cabelo com corte bob, que Hitler usava para transmitir uma ideia de ordem e inflexibilidade, tem, no entanto, desde meados do século 20, sido associado a atitudes conservadoras.

De qualquer forma, os penteados têm significados e atribuições profundamente culturais que variam de país para país: a Argentina já viu a ascensão de um líder inclassificável como Carlos Ménem, cujas inesquecíveis costeletas também não se adequavam aos cânones dominantes da época. Evo Morales, da Bolívia, fez de sua pluma negra o símbolo de um certo tipo de orgulho. O gênero também influencia quando se trata de decodificar os escalpos. Gutiérrez-Rubí argumenta a diferença essencial:

“As mulheres se preocupam muito mais com cabelos limpos e saudáveis”.

Vázquez Molpeceres menciona a espetacular e folclórica trança com a qual Yulia Tymoshenko estrelou a Revolução Laranja na Ucrânia:

“Se ela tivesse vivido seu apogeu na era do Instagram, sua trança seria um ícone. Aquele cabelo com o qual ela homenageou as mulheres camponesas de seu país era um manifesto”.

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