O poder das linguagens sobre as psiquês se encorpou
O poder da palavra, das imagens e da escrita sobre as psiquês se encorpou, principalmente a partir do advento e da popularização dos smartphones
No “olho do furacão” da era digital
Costumo dizer que estamos em uma espécie de “olho do furacão”, quando me perguntam como prevenir e remediar estragos causados por ações estratégicas de propaganda política e manipulação psicológica nessa era digital (séc. XXI) em que as mentes são bombardeadas com avalanches de informações distorcidas, desinformação programada e mentiras.
A evolução da grande Rede na linha do tempo inclui uma dimensão até há pouco desconhecida, no que concerne ao impacto das linguagens sobre as mentes. O poder da palavra, das imagens e da escrita sobre as psiquês se encorpou, principalmente a partir do advento e da popularização dos smartphones. Defendo/entendo o ano de 2007 e o modelo iPhone como um marco.
Projetados para estarem quase sempre colados aos corpos, esses aparelhos de uso ágil por toques na tela possibilitaram que as pessoas se conectassem à grande Rede, às suas plataformas, dutos e chats, andando, em trânsito ou mesmo fazendo outras atividades simultâneas ao contato e ao acesso virtual.
Tal advento foi incrementado pela chegada de uma internet pública super veloz – de longo alcance. É uma pena que exista quem se iluda achando que vê tudo e sabe de tudo através da transparência das telas. Mas a ilusão faz parte da realidade. Não mora fora dela.
A engenharia do consentimento e a psicologia das massas
Os métodos atuais de disseminar propaganda política não são exatamente os mesmos do final do século XX. Desde meados da década de 90, mais precisamente, dede 1994, na campanha de reeleição de Bill Clinton e sem termos ainda essa internet veloz, especialistas em neuropsicologia da propaganda e psicometria já estavam trabalhando com cientistas políticos e da computação. Os alvos das campanhas passam a ser os indivíduos que compõem a massa dos eleitores indecisos.
A equipe de Clinton contratou a Penn Schoen, que tinha a Microsoft como cliente, para aplicar instrumentos de neuropersonalidade, visando a atingir o eleitorado indeciso, localizando seus medos, desejos, e principalmente explorando a sexualidade (chips contra a pornografia infantil nas Tvs foram propostos ou prometidos). Essas estratégias foram aperfeiçoadas a partir do século XXI com o aumento da capacidade de volume, intensidade e alcance da transmissão de dados na Rede, alçando a comunicação a outro patamar.
Trata-se de uma máquina de guerra que usa linguagem e vulnerabilidades socioeconomicas e psicossociais já existentes nas demografias-alvo as quais se intenta desestabilizar ou assediar indiretamente. Estuda-se hoje a psicologia das massas sabendo das vantagens das tecnologias de comunicação instantânea. Há métodos sofisticados para fazer com que bombas psicolinguísticas e propagandas subliminares usando imagens, escritas, sons e palavras sejam instrumentos eficazes de controle invisível, manipulação e persuasão.
Descobriu-se que é possível fazer com que uma população consinta, praticamente anestesiada e sem reação, em ver o seu líder político ser imobilizado e amordaçado por um tempo, usando para isso uma mega operação psicológica com propaganda intensa nas mídias capaz de fazer com que a opinião pública acredite que ações de lawfare planejadas são uma espécie de “cruzada do bem contra o mal” sob a forma de uma (falsa) luta contra a corrupção. Refiro-me a Lula e a Lava a Jato (com a preciosa e constante colaboração da mídia hegemônica).
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Guerra híbrida no Brasil (como seu deu e como combater)
Enxergar, entender e concluir
É a última chamada para que algumas bolhas da intelectualidade do campo progressista ou de esquerda entendam que não estamos mais em enfrentamentos do tipo “notas de repúdio imensas falando para dentro, abaixo-assinados em profusão, mantra ‘fascistas não passarão’…e vai por aí’”. Hoje, a luta para conquistar corações e mentes indecisas não é travada somente no “boca a boca” das conversas nas ruas e nos diálogos do dia a dia que foram embaçados pelo adoecimento psicossocial da nossa população-alvo de uma guerra híbrida. Agora essa luta está sendo travada intensamente no campo da comunicação massiva, com métodos específicos de propaganda direcionada para alvos previamente selecionados; medos, desejos, anseios.
Nesse sentido, são importantes as bombas de linguagem lançadas por Janones; e não exatamente como propaganda. Mas, para desorientar, confundir e cindir parte do campo da extrema-direita que até então só soube agredir e atacar no campo virtual. Foi o caso de quando Janones contragolpeou atiçando os medos de determinados eleitores do atual governo apontando para a possibilidade de que as poupanças das pessoas possam vir a ser confiscadas caso se reeleja o atual presidente e que ele realmente ponha como Ministro um ex-presidente (1990-1992) que já fez exatamente isso durante o seu mandato (interrompido com Impeachment): confiscou as poupanças, causando na época outro tipo de colapso psicossocial/econômico.
Foi uma bomba do tipo fake news? Não. Não foi usada a mentira, mas sim uma provocação proposital de medo e suspeita especulativa, baseada em acontecimentos que realmente ocorreram. Para além disso, Janones é advogado, deputado federal com imunidade, conhece a Rede, as mídias digitais e não lança nunca as suas bombas psicolinguísticas e semióticas em nome de Lula.
Cabe dizer, para concluir a conversa, que a equipe de comunicação de Lula tem feito um trabalho de mídia na Rede cada vez melhor, conseguindo atingir em cheio pontos frágeis do campo adversário: foi o caso do recentíssimo vídeo publicado em que são apresentados rapidamente apoiadores do atual presidente que tiveram condenações judiciais por homicídio.
A sacada sutil desse vídeo não está exatamente em condenar, desqualificar ou acusar alguém, quem quer que seja. O vídeo dissolve a palavra “presidiário” usada comumente de maneira negativa para indicar que alguém ficou preso por algum período. Quer se perceba ou não é um vídeo que ressalta que trata-se de um significante e não exatamente de um significado, pois o que na verdade importa conhecer é o que a pessoa fez, ou em alguns casos, como o de Lula, o que ela não fez para ter sido privada da liberdade.
Enfim, baixando a poeira da luta para recolocar Lula no posto que ele já deveria justamente ocupar desde o primeiro dia de 2019, urge um trabalho interdisciplinar contínuo, sério e formativo em política do dia a dia, da vida comunitária com sua pluralidade de práticas e conflitos. Um trabalho de base e que seja verdadeiramente inclusivo e aberto, para fora das bolhas da intelectualidade.
Insistirei nisso, sempre.
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*Lucio Massafferri Salles é filósofo, psicólogo/psicanalista e jornalista (membro da ABI). Doutor e mestre em filosofia pela UFRJ, especialista em psicanálise pela USU, concluiu pós-doutorado em filosofia (UERJ) com um uma pesquisa sobre linguagem e agonística. Criador do Portal Fio do Tempo (YouTube).
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