Redação Pragmatismo
Saúde 12/Out/2022 às 20:15 COMENTÁRIOS
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Cidades onde aviões lançam agrotóxicos apresentam mais casos de câncer

Publicado em 12 Out, 2022 às 20h15

Estudo inédito revela associação dos agrotóxicos aplicados de avião em plantações de SP ao desenvolvimento de câncer. Para os pesquisadores, essa pode ser uma das explicações para o alto índice da doença em polos da cana-de-açúcar nas regiões de Barretos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e São Joaquim

Cidades onde aviões lançam agrotóxicos mais casos câncer
Imagem: ABr

Hélen Freitas, Repórter Brasil/Agência Pública

Estudo inédito revela que 30% dos agrotóxicos aplicados de avião em plantações de cana-de-açúcar do estado de São Paulo têm associação ao desenvolvimento de câncer.

Para os pesquisadores, essa pode ser uma das explicações para o alto índice da doença em polos da cana-de-açúcar nas regiões de Barretos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente e São Joaquim.

Embora cruciais para a saúde da população, as informações sobre quais agrotóxicos são aplicados de avião não são abertas ao público e foram obtidas, pela primeira vez, pela Defensoria Pública de São Paulo.

Os dados serviram de base para pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre a relação entre as doenças que esses agrotóxicos podem causar e as enfermidades que ocorrem nas regiões onde foram aplicados. Chamou a atenção dos pesquisadores a prevalência de casos de câncer e a grande quantidade de pesticidas associados a essa doença.

Foram analisadas as aplicações feitas em 2019 em 63 cidades, todas nas regiões de Barretos, Batatais, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São Joaquim da Barra.

Sete substâncias potencialmente cancerígenas foram encontradas em 12 produtos pulverizados nos canaviais. Em grande parte dos casos, o câncer só aparece depois de anos de exposição aos venenos, sendo difícil fazer a correlação direta entre a aplicação e a intoxicação.

“Não posso afirmar que a pulverização está causando câncer nessas regiões, mas o que a nossa análise mostra é que esse é um fator de risco e que existe câncer acima da média nessas regiões”, disse Sônia Hess, engenheira química e uma das responsáveis pela pesquisa.

A Basf é a fabricante do agrotóxico associado a desenvolvimento de câncer mais aplicado sobre a área em questão. Com nome comercial de Opera, o epoxiconazol é proibido na União Europeia devido a evidências de que pode provocar câncer no fígado, problemas para o sistema reprodutivo e no desenvolvimento do feto.

Desde 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reavalia a permissão para uso desse agrotóxico no país devido aos seus riscos para a saúde.

A empresa afirma, entretanto, que seus produtos são seguros, submetidos a testes e avaliações e aprovados por autoridades competentes. “Seguindo estas premissas, o epoxiconazol continua sendo usado com segurança desde 1993 em mais de 60 países e contribui com sucesso para manter o potencial produtivo dos cultivos recomendados”, disse a Basf. Veja a íntegra da resposta.

Outros agrotóxicos, como o glifosato e o 2,4-D, também aparecem na lista de químicos potencialmente carcinogênicos pulverizados no céu paulista. Classificados pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer como “provavelmente” e “possivelmente” cancerígenos, respectivamente, foram os agrotóxicos mais vendidos no Brasil em 2020, segundo o Ibama.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que 10% dos agrotóxicos vendidos no Brasil são utilizadas na cana-de-açúcar, estando esse cultivo atrás somente da soja e do milho. A aplicação desses agrotóxicos acontece, prioritariamente, por meio aéreo.

Alternativas mais seguras, como uso de tratores vedados, são descartadas pelo grupo que representa o setor da cana.

“Seria absolutamente inviável a aplicação de defensivos agrícolas por meio manual, com equipamentos costais, ou mesmo por tratores com braços extensores, uma vez que o canavial é um extenso e denso maciço vegetativo, o que impede o acesso de pessoas e equipamentos agrícolas”, afirma a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar por meio de sua assessoria de imprensa. Leia a íntegra do posicionamento.

Com uma área plantada superior ao estado da Paraíba, a cana paulista abastece os mercados nacional e internacional de açúcar e etanol.

Aumento de câncer

Os casos de câncer nas cinco microrregiões têm crescido ao longo dos anos. Barretos é a que mais registrou mortes por câncer. De 2010 para 2019, houve um aumento de 63% dos casos entre os homens e de 28% entre as mulheres. Além disso, enquanto 120 homens a cada 100 mil habitantes morreram por câncer no Brasil em 2019, o número de óbitos salta para 214 nessa microrregião.

Cidades onde aviões lançam agrotóxicos mais casos câncer

O estudo aponta três fabricantes que detêm 41% dos produtos utilizados na pulverização aérea de cana nas regiões —elas são as multinacionais europeias Syngenta e Bayer e a norte-americana FMC, que têm o Brasil como um dos maiores compradores de pesticidas proibidos em seus países de origem.

A Anvisa questiona o critério usado pelos pesquisadores para classificar agrotóxicos associados ao câncer. A agência afirma que tanto o glifosato quanto o 2,4-D foram reavaliados recentemente e não foram encontradas evidências suficientes que associam essas substâncias ao desenvolvimento de câncer. Confira a resposta na íntegra.

O Ministério da Agricultura diz que, “se forem atendidas as normas e recomendações constantes nas bulas dos produtos, as atividades aeroagrícolas são seguras para a população”.

As empresas e a associação que representa o setor, a CropLife, seguem a linha de argumentação da Anvisa e do Ministério da Agricultura. Segundo elas, seus produtos são seguros para a população e meio ambiente, caso a bula seja respeitada. Leias as respostas na íntegra.

Regras desrespeitadas

A pulverização aérea de agrotóxicos pode ser um risco para as pessoas e para o meio ambiente.

Por isso, o Ministério da Agricultura define regras que proíbem o uso de avião na aplicação de agrotóxicos em áreas a menos de 500 m de distância de cidades, povoados e mananciais utilizados pela população, ou de 250 m de moradias isoladas. Caso não seja possível respeitar essas distâncias, o aplicador é obrigado a comunicar previamente aos moradores da área e não pode passar por cima das casas.

Mas há diversas denúncias de descumprimento, afirma Diógenes Rabello, pesquisador da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e morador de assentamento na região de Presidente Prudente. Ele relata que as pessoas sentem o cheiro forte dos agrotóxicos e depois têm dores de cabeça e coceiras pelo corpo.

Estudo conduzido pela Unesp registrou ainda os impactos nas plantações dos assentamentos próximos. Dias após a pulverização aérea, é possível perceber o apodrecimento das frutas ainda no pé, um dos primeiros sinais de contaminação, segundo os pesquisadores. “É um trabalho de meses perdido”, afirma Rabello.

A mortandade de abelhas é outro sinal da contaminação

Dezessete produtos utilizados na cana possuem ingredientes tóxicos para esses insetos, de acordo com a análise da Defensoria Pública e da UFSC.

O Altacor foi o mais usado pelos produtores. Esse inseticida da FMC Química do Brasil é feito à base de clorantraniliprole, ingrediente classificado como “muito perigoso ao meio ambiente”. Estudos apontam efeitos de longa duração sobre a capacidade locomotora de abelhas, danos ao sistema imunológico e efeitos nocivos sobre o desenvolvimento de larvas.

Questionada, a empresa afirmou que “este produto foi considerado apto para uso nos cultivos registrados, seguindo as recomendações da bula”, entretanto, não respondeu sobre a relação do agrotóxico produzido por ela com a mortandade de insetos.

Segundo a Unica, as empresas buscam constantemente atualizar sua base cartográfica para definição das zonas em que serão aplicados os agrotóxicos. A entidade afirma que a falta de formalização da apicultura impossibilita que “as usinas tenham conhecimento de sua existência e localização, portanto, impedindo que sejam determinadas como zonas de restrição no momento da aplicação”.

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