Redação Pragmatismo
Notícias 23/Set/2021 às 19:00 COMENTÁRIOS
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Delegado Da Cunha admite que forjou prisão de sequestrador para gravar vídeo

Publicado em 23 Set, 2021 às 19h00

Após se dizer vítima de perseguição, Da Cunha admite pela primeira vez que simulou resgate de refém para gravar vídeo do Youtube que também foi distribuído a emissoras de TV. Seguidores criticam farsa. Delegado afirma que será transformado em um 'Nelson Mandela brasileiro' caso seja preso e promete delação premiada

O delegado Da Cunha
O delegado Da Cunha

O delegado Carlos Alberto da Cunha, 43, admitiu na noite desta quarta-feira (22) ter encenado a ação em que ele invade um cativeiro e interrompe um sequestro na favela da Nhocuné, em julho de 2020. A simulação foi registrada em vídeo e, depois, distribuída a emissoras de TVs e veiculada nas redes sociais do policial. As informações são da Folha de S. Paulo.

Em uma live no Youtube, o delegado justificou que sua intenção era fazer uma reprodução simulada dos fatos, como prova para o processo. “Foi uma decisão minha, no momento. A ‘cana’ [prisão] foi dada, eu que quis novamente registrar a cana. Isso acontece muito em inquérito de homicídios, numa série de inquéritos. Eu queria, o que nós queríamos, é que a população do Brasil entendesse o que é um tribunal do crime”, disse o delegado paulista, afastado do cargo em julho deste ano.

“A reprodução simulada dos fatos é feita com os peritos. Por isso é preciso agendar com o Instituto de Criminalística, ver quais testemunhas vão participar, se o investigado pretende participar. A oficial é com os peritos. São eles que elaboram os atos”, disse.

Especialistas contestam essa explicação, uma vez que reproduções simuladas são feitas exclusivamente por peritos para tirar dúvidas sobre a dinâmica de um crime. Não ocorrem em prisões em flagrante.

A advogada criminalista Roselle Soglio diz que a reprodução simulada é feita para dirimir dúvidas. Quando, por exemplo, o réu diz uma coisa e testemunhas dizem outra. “Isso que foi feito [por Da Cunha] pode ser qualquer coisa, mas não é uma reprodução simulada. Isso não existe no Código de Processo Penal e, aliás, só pode ser feito pelo perito”, disse.

Falando de forma genérica, e não do caso específico, o delegado Ronaldo Sayeg, da divisão antissequestros, disse que, geralmente, as reproduções simuladas são feitas em casos de sequestros com morte ou quando há uma dúvida muito importante sobre a dinâmica do crime.

Seguidores irritados

A admissão da farsa desagradou parte dos seguidores do delegado nas redes sociais. Alguns passaram a criticar o policial nas mensagens enviadas ao vivo no chat do Youtube. Nos vídeos distribuídos em seu canal, Da Cunha jamais tinha informado que se tratava de uma simulação.

“Meeeeeeeeeeu, foi fakeeee, então! Palhaçada com seus seguidores. Como acreditar em você? Lamentável”, disse seguidor identificado como Jean Carlos. “Então as acusações contra você são verdadeiras?”, questionou outro.

Depoimentos em poder do Ministério Público de São Paulo, entre eles da vítima e policiais civis diretamente ligados a ação, sustentam que o delegado afastado decidiu devolver a vítima ao poder do sequestrador para que a ação fosse filmada, como se tivesse sido Da Cunha o responsável pela prisão.

“Acreditando que realmente se tratava de prova policial, aceitou e foi deixado pelos policiais novamente dentro da casa com o traficante. […] Acha que isso foi uma falha dos policiais, pois foi deixado no mesmo local que uma pessoa perigosa [que] poderia ter pego uma faca para lhe ferir”, disse a vítima (nome preservado), conforme trecho do depoimento.

Os vídeos de operações oficiais da Polícia Civil postados por Da Cunha nas redes sociais chamaram a atenção do Ministério Público de São Paulo, que instaurou inquérito civil para apurar se o delegado ganhou dinheiro dessa maneira, o que seria irregular.

De acordo com a Promotoria, caso confirmada, a monetização desse tipo de conteúdo pode configurar enriquecimento ilícito, porque os policiais não podem, em tese, usar cargos públicos nem empregar bens e materiais da Polícia Civil para benefício próprio, de acordo com a lei de improbidade administrativa.

“Nelson Mandela brasileiro”

Da Cunha se diz perseguido após a Corregedoria ter aberto uma série de procedimentos contra ele, a maioria por suposto uso indevido das redes sociais. Depois que foi afastado, ele pediu licença sem vencimento e filiou-se ao MDB para disputar um cargo eletivo. Diz querer ser governador.

Durante a maior parte do tempo da live, Da Cunha criticou Ruy Ferraz Fontes, delegado-geral da polícia de São Paulo, acusando-o de assédio moral e abuso de autoridade. “O marketing que você faz contra a minha pessoa é tão bom que você vai fazer eu me tornar um Nelson Mandela brasileiro”, afirmou.

O delegado também ameaçou o chefe da instituição. “É melhor você me prender rápido. Se você não me prender e eu me tornar governador, eu nem sei o que vai acontecer contigo. Eu vou te colocar para trabalhar em um lugar que você seja útil”, disse.

Da Cunha afirmou que está com a mochila pronta caso a polícia apareça na sua casa. “Não precisa chutar a porta, é só tocar a campainha que a gente abre. Agora, se esse crime acontecer, a volta vai se chamar delação premiada. Eu cometi algum crime? Não, mas eu sei de tanta coisa…”, disse, sem especificar a que se referia. “Não tenho certeza absoluta porque ainda não investiguei, mas sei de se tanta coisa.”

Ainda na live de quarta-feira, embora tenha sido cobrado no chat várias vezes pelos seguidores, o delegado não falou de outras operações cuja veracidade está sendo posta em xeque, como a prisão do chefe do PCC conhecido como “Jagunço do Savoy”.

Policiais afirmaram, em depoimento, que Da Cunha nunca capturou esse criminoso, apessar de ter feito vídeos sobre tal prisão. A prisão de Jagunço do Savoy rendeu mais de 30 milhões de visualizações e é apontada pelos colegas como o material que transformou Da Cunha em celebridade.

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