Redação Pragmatismo
Saúde 30/Abr/2021 às 11:03 COMENTÁRIOS
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Variante indiana da Covid-19 pode ter se tornado a mais agressiva

Publicado em 30 Abr, 2021 às 11h03

"É como um inferno, queima tudo o que toca". Variante indiana do coronavírus tem três mutações ameaçadoras e já chegou a 19 países. OMS alerta para possível escape de vacinas

índia covid
Índia é o país mais afetado pela Covid atualmente (IMAGEM: DANISH SIDDIQUI REUTERS)

Hospitais com falta de oxigênio, gente esperando por ambulâncias que nunca chegam, crematórios lotados: depois de uma primeira onda de covid-19 relativamente controlada, a Índia agora vem registrando recordes de contágios diários.

Após contabilizar mais de 360 mil novos casos e ver o total de mortes passar de 200 mil na véspera, o país quebrou um novo recorde mundial nesta quinta-feira (29/04): mais de 379 mil infecções em 24 horas. Mais 3.645 óbitos foram registrados, totalizando quase 205 mil.

“É como um inferno, queima tudo o que toca”: assim Shuchin Bajaj, fundador e diretor dos Ujala Cygnus Hospitals descreve a nova onda do coronavírus, uma explosão de infecções sem precedentes causada pela confluência de diversos fatores.

Apesar de ser uma das maiores produtoras de vacinas do mundo, a Índia não tem estoques suficientes para sua própria população elegível à inoculação. A lentidão do governo tem sido criticada, à medida que variantes possivelmente mais transmissíveis se alastram pelo país.

Além das detectadas primeiro no Brasil, África do Sul e Reino Unido, há agora também uma cepa indiana preocupante. Segundo o porta-voz Tarik Jasarevic, da Organização Mundial da Saúde (OMS): “Parece que esta variante tem o potencial de se acoplar mais facilmente a células humanas. Isso obviamente acarretaria mais infecções e mais hospitalizações.”

Complacência que saiu pela culatra

No entanto, muitos cidadãos também começaram a ficar mais complacentes, em especial depois de as taxas de contágio terem se mantido moderadas por diversos meses.

“O que vimos na Índia é claramente o resultado de muitos terem baixado a guarda”, avalia Udaya Regmi, diretor para a Ásia da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. “Em certo momento, a primeira onda estava quase sob controle, e as pessoas lentamente pararam de manter certas medidas salvadoras de vidas, como usar máscaras.”

Essa complacência não foi impulsionada apenas pela fadiga da pandemia, ressalva a virologista Vineeta Bal, do Instituto Nacional de Imunologia: líderes políticos e religiosos, minimizando publicamente a severidade da pandemia e convocando aglomerações de massa, também foram um fator.

Apesar do surto do novo coronavírus, o governo permitiu que centenas de milhares de hindus devotos participassem do Kumbh Mela, o maior evento religioso indiano, e continuou realizando comícios políticos durante as eleições estaduais. O partido governista Bharatiya Janata (BJP) promoveu reuniões especialmente grandes.

Num desses eventos, no estado de Bengala Oriental, o primeiro-ministro Narendra Modi agradeceu aos presentes por “nunca ter visto antes multidões tão enormes num comício”.

“Tudo isso emitiu a mensagem coletiva de que não importava manter distância e usar máscara”, conclui Bal. “Essa complacência saiu pela culatra.”

3 mutações ameaçadoras

Ainda se ignora quase tudo sobre a nova versão do vírus na Índia, enquanto sua expansão é exponencial e já representa 50% dos casos detectados em pelo menos um Estado.

Na variante indiana, preocupam três mutações dentro da sequência de 30.000 letras genéticas de RNA que compõem seu genoma. Apenas uma mudança nessas 30.000 informações pode tornar o SARS-CoV-2 mais apto a invadir os tecidos do organismo e escapar à vigilância do sistema imunológico.

O nome das mutações deve ser lido como uma espécie de etiqueta que indica o ponto exato da mudança de letra. A mais preocupante do vírus indiano é a L452R. Significa que o vírus evoluiu para trocar uma leucina (L) por uma arginina (R) na 452ª posição do genoma. Esta é justamente a localização do domínio de união ao receptor, o ponto de engate do vírus com a célula humana. Esta mutação já apareceu em outra variante do vírus detectada na Califórnia. Tornou-o 20% mais infeccioso, aumentou sua capacidade de replicação e lhe permitiu burlar alguns dos anticorpos desenvolvidos pelos pacientes infectados.

A variante indiana contém uma segunda mudança preocupante exatamente nesta região, a E484Q, cujo potencial se desconhece. Há uma terceira mutação que gera alarme, a P681R, pois pode otimizar o processo de entrada do vírus na célula e aumentar sua capacidade para invadir tecidos. Estas três mudanças talvez façam da variante indiana a mais contagiosa e virulenta, mas ainda não há provas disso.

Os dados do Governo do país mostram que essa variante é já predominante no Estado de Maharashtra, no centro da Índia. A prevalência desta versão está crescendo de forma exponencial nos últimos meses, coincidindo com o começo da segunda onda no país, onde o vírus está matando mais de 2.600 pessoas por dia.

O grande problema é que a Índia luta quase às cegas contra as novas variantes, pois sequencia o genoma de apenas 1% dos casos positivos. Isto significa que praticamente desconhece a prevalência das diferentes versões do vírus em todo o país, com uma população de 1,3 bilhão de pessoas. Como comparação, um dos países que mais vírus sequencia, o Reino Unido, analisa 10% dos casos.

A variante indiana já chegou a 19 países. Quase todos são casos isolados, em sua maioria de viajantes que chegam do país asiático. A Espanha investiga um possível primeiro caso na Comunidade Valenciana (leste), segundo Fernando González-Candelas, codiretor do programa de sequenciamento viral. O Ministério da Saúde espanhol impôs a partir de sábado uma quarentena de 10 dias a viajantes procedentes da Índia ―a exemplo do que já vigora para passageiros vindos do Brasil.

A Organização Mundial da Saúde advertiu que esta nova variante poderia ser mais contagiosa e escapar parcialmente das vacinas. Mas por enquanto foi qualificada apenas como “variante de interesse”, e não como “variante preocupante”, uma lista que inclui as versões do Reino Unido, Brasil, África do Sul e Califórnia, das quais efetivamente há provas de serem mais transmissíveis ou virulentas, com potencial para reduzir sensivelmente a eficácia de algumas vacinas.

A Índia e outros países farão agora os testes para demonstrar se as três mutações preocupantes desta variante têm um impacto na capacidade de infecção do vírus. Para isso, recorrerão a experimentos de laboratório e ao monitoramento da atual onda pandêmica.

A maioria dos especialistas pede que não se exagere a importância desta nova variante na excepcional segunda onda vivida pela Índia. “Duvido muito de que tenha um grande papel”, opina Iñaki Comas, geneticista e codiretor do programa de sequenciamento do vírus na Espanha. “Não é que a variante indiana provoque a onda; é a onda, a alta transmissão, que favorece o aparecimento destas variantes”, ressalta.

O segundo país mais populoso do mundo controlou bem a primeira onda do vírus. Depois houve certo relaxamento das medidas de controle, grandes festividades religiosas e concentrações esportivas foram autorizadas, enquanto a variante inglesa, mais infecciosa e mortal, se espalhava. Saber o papel exato da nova variante nesta situação é “muito difícil”, reconhece Isabel Sola, virologista do Centro Nacional de Biotecnologia da Espanha. “Esta nova versão do coronavírus não é mais preocupante que as já detectadas”, explica. “É importante não levantar a guarda, pois a forma de combatê-las é sempre a mesma; não deixar que o vírus possa se espalhar amplamente. Alguma das mutações desta versão podem fazer o vírus escapar de algum tipo específico de anticorpo, mas o sistema imunológico produz muitos tipos de anticorpos e células imunológicas, nunca joga com uma só cartada”, ressalta.

Atualmente, a humanidade está travando a batalha decisiva contra a pandemia. A vacinação da maior parte da população deixa o agente patogênico encurralado até não ter mais onde se refugiar. Mas o vírus continua acumulando mutações aleatórias que podem ajudá-lo a sobreviver. “Quanto mais tarde se terminar de vacinar, mais possibilidades haverá de que surja uma nova versão com uma ou várias mutações que lhe confiram uma vantagem perigosa”, recorda Marcos López, presidente da Sociedade Espanhola de Imunologia.

as informações são do DW e do El País

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