Redação Pragmatismo
Barbárie 20/Ago/2020 às 15:00 COMENTÁRIOS
Barbárie

Menina de 13 anos que engravidou do pai morreu após o parto

Publicado em 20 Ago, 2020 às 15h00

Menina teve a infância e o futuro roubados pelos abusos sexuais praticados pelo próprio pai. Ela engravidou, se tornou mãe e morreu por complicações de saúde causadas por uma gestação de alto risco

menina grávida infância roubada

Vinícius Lemos, BBC Brasil

Jéssica* teve a infância e o futuro roubados pelos abusos sexuais praticados pelo próprio pai. Ela engravidou aos 12 anos. Meses depois, se tornou mãe e morreu por complicações de saúde causadas por uma gestação de alto risco.

Ela morava em uma comunidade ribeirinha no município de Coari, no interior do Amazonas, junto com os pais e cinco irmãos. Em depoimento, após descobrir a gravidez, ela disse a assistentes sociais que foi abusada pelo pai durante anos, quando ficava sozinha com ele.

“Sempre que a minha mãe viajava para a cidade, ele aproveitava a ausência dela e dos meus irmãos para fazer isso comigo”, disse a adolescente ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Coari. A garota revelou que costumava chorar muito durante os abusos e pedia “pelo amor de Deus” para o pai parar.

O caso foi levado às autoridades policiais. O pai, que hoje está preso, fugiu logo após a descoberta da gestação. O homem nega os abusos sexuais. Um exame de DNA, porém, comprovou que ele é o pai do bebê da própria filha.

Histórias como a de Jéssica ilustram a tragédia do abuso sexual no Brasil. O assunto ganhou destaque nos últimos dias, após o caso de uma garota de 10 anos, que mora no Espírito Santo, que engravidou ao ser estuprada pelo tio.

A criança do Espírito Santo, que não queria ter o bebê e foi apoiada pelos parentes, passou por um procedimento de aborto legal em um hospital de Recife (PE). Jéssica seguiu com a gravidez — as gestações entre meninas de 10 a 15 anos são consideradas de alto risco —, mas não resistiu.

Em depoimento à polícia, um agente de saúde da região em que Jéssica morava disse que logo no início da gestação, quando a jovem ainda não sabia que estava grávida, o rendimento escolar dela caiu, ela reclamava de constantes dores de cabeça, sentia tontura e estava muito abatida.

A barriga dela começou a crescer. A família notou as mudanças no corpo da jovem e descobriu a gestação no fim de agosto de 2019. O agente de saúde contou que os parentes de Jéssica ficaram revoltados ao descobrir que a garota tinha sido abusada pelo pai.

Maria*, mãe de Jéssica, levou a filha ao Creas da cidade no começo de setembro. Na época, a garota estava por volta do quinto mês de gestação.

No depoimento ao Creas, onde recebeu acompanhamento psicológico, Jéssica, que estava extremamente triste e envergonhada, definiu o pai como “monstro” e “cínico”. A jovem relatou que ele dizia que se ela contasse sobre os abusos sexuais, a mãe dela não acreditaria e ainda agrediria a filha.

À polícia, a jovem disse que a primeira tentativa de abuso foi aos nove anos, quando o pai tocou partes íntimas dela enquanto eles estavam em uma área afastada para recolher castanhas.

“O pai a levava para pescar, aproveitava que estavam em um local ermo e a estuprava. Isso aconteceu até que a garota engravidou. Ela tinha medo de contar para outra pessoa e não acreditarem nela”, revela o delegado de Coari, José Afonso Ribeiro Barradas Junior, responsável por apurar o caso.

Ao Creas, em setembro passado, a mulher contou que percebeu a menstruação atrasada de Jéssica, mas pensou que pudesse ser anemia. Maria disse que desconfiou que havia algo errado com a filha ao notar que a garota estava triste e rebelde. Ela afirmou que desconfiou da gravidez somente em agosto, após mudanças nos seios e na barriga da menina.

Segundo Maria, Jéssica revelou ao avô que era abusada pelo pai havia quase cinco anos e não contava por medo de apanhar. “Chamei a minha filha para conversar. Ela me contou, chorando, sobre o abuso e também o mal-estar que estava sentindo”, disse a mulher às assistentes sociais. Ela afirmou que estava indignada com a situação e queria que o marido pagasse pelo que fez.

Segundo os documentos do caso, Maria não quis denunciar o marido, a princípio, por acreditar que Lauro poderia não ser o pai do filho de Jéssica. Mas diante da pressão da família, ela procurou a polícia. Logo que o caso ganhou repercussão na cidade, Lauro deixou a região ribeirinha.

Em depoimento à polícia, no começo de novembro, Jéssica mudou a versão do que havia dito anteriormente. Ela relatou que o pai tentou acariciar suas partes íntimas aos nove anos, mas parou quando ela disse que contaria à mãe. A jovem também falou que quando tinha 12 anos, o homem tentou abusar sexualmente dela, mas não conseguiu, pois ela correu. A garota disse que o pai do bebê que carregava era um idoso que, segundo ela, havia morado por alguns meses com a sua família.

A jovem ainda disse, no depoimento, que nunca havia sido abusada por Lauro e que havia contado para a família que estava grávida do próprio pai porque se sentiu pressionada.

A Polícia Civil e o Ministério Público do Amazonas, porém, acreditam que a garota tenha sido induzida a mudar a versão dos primeiros relatos. “Comumente, familiares pressionam essas crianças para contarem outras histórias e tentar incriminar terceiros. Isso pode acontecer até mesmo a pedido dos pais. Muitas vezes, a mãe depende economicamente do pai e não quer vê-lo preso”, diz o promotor Wesley Machado, que atuava em Coari e foi o responsável por investigar o caso.

Aborto

Após meses sem qualquer acompanhamento especializado, Jéssica passou a receber ajuda médica e psicológica depois de sua mãe procurar o Creas. Os documentos apontam que ela não queria abortar, ainda que fosse um direito. Ela dizia que amava o bebê, apesar de tudo.

“Não houve nenhum pedido de aborto. O assunto não foi tocado pela família ou pela garota, ainda que a Lei permitisse isso. No curso do inquérito, há menção a uma orientação religiosa cristã, que pode ter influenciado essa decisão em não abortar”, diz o promotor Wesley Machado.

No começo de dezembro passado, o bebê de Jéssica nasceu prematuro, aos oito meses, por meio de uma cesárea. O procedimento foi feito às pressas, em razão do estado de saúde da garota, que desenvolveu uma grave anemia. Ao longo da gestação, a jovem teve diversas dificuldades de saúde. Dias após o parto, a situação ficou ainda mais grave. Em 11 de dezembro, a adolescente morreu, aos 13 anos. No registro de óbito consta que ela teve um quadro grave de pré-eclampsia e infecção generalizada.

Lauro foi preso nove dias após a morte da filha. O agricultor foi denunciado pelo Ministério Público do Amazonas por estupro de vulnerável, com o agravante da morte da jovem. “Ele pode pegar até 20 anos de prisão”, diz o promotor Wesley Machado. O órgão também pediu que Lauro pague indenização de R$ 50 mil por danos morais à família de Jéssica.

Uma das principais provas contra Lauro é o exame de DNA feito no início deste ano, a pedido da Polícia Civil, que comprovou que ele é o pai do filho de Jéssica.

Para o delegado, o caso de Jéssica representa a história de muitas outras crianças que sofrem abuso sexual. Segundo ele, uma das principais características dessas vítimas é a angústia que carregam. “Essa garota ficou muito abalada e precisou de acompanhamento psicológico. Essas crianças, normalmente sofrem muita pressão para comprovar que realmente foram estupradas”.

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook

Recomendações

COMENTÁRIOS