Redação Pragmatismo
Armas de Fogo 12/Ago/2020 às 17:00 COMENTÁRIOS
Armas de Fogo

Arma que matou Isabele Guimarães não disparou sozinha, revela perícia

Publicado em 12 Ago, 2020 às 17h00

Mais uma versão da família da adolescente que manuseava a pistola cai por terra. Laudos periciais revelam que arma não disparou acidentalmente em tiro que matou Isabele em condomínio de luxo. Policiais amigos do pai da menina que atirou passam a ser investigados

Isabele Guimarães Ramos
Isabele Guimarães

As perícias da arma e do local da morte da adolescente Isabele Guimarães Ramos, 14, vítima de um tiro de pistola 380 enquanto visitava uma colega em uma mansão no condomínio de luxo Alphaville 1, em Cuiabá, apontaram que o disparo da arma de fogo não aconteceu de forma acidental e ocorreu a curta distância.

Os laudos periciais diverge do depoimento da adolescente, que relatou em 14 de julho, dois dias após o crime, que a arma teria disparado após cair acidentalmente da caixa em que estava guardada.

Os documentos periciais foram elaborados por peritos da Politec (Perícia Oficial e Identificação Técnica) e entregues nesta terça-feira (11) ao delegado Wagner Bassi, titular da Delegacia Especializada do Adolescente, que investiga o caso. Inicialmente, a polícia informou que o caso era tratado como acidente, mas atualmente afirma que “todas as circunstâncias envolvendo o crime são objeto de apuração”.

Isabele morreu dentro de um dos banheiros da casa do empresário Marcelo Martins Cestari, após ser atingida por um tiro que entrou na narina e saiu pelo crânio, na noite de 12 de julho. A filha do empresário, também de 14 anos, é investigada como autora do tiro que matou a garota. A vítima morreu no local, antes da chegada do socorro médico.

Detalhes da perícia

Segundo as análises periciais, a arma que disparou contra Isabele teve o gatilho acionado e, “no ato do disparo, o agente agressor posicionou-se frontalmente em relação à vítima, sustentou a arma a uma altura de 1,44 m do piso”, revelou o documento.

O laudo pericial de necropsia no corpo de Isabele foi concluído no dia 22 de julho e apontou que ela morreu de traumatismo crânio-encefálico causado por tiro de arma de fogo.

Nos laudos entregues ontem, os peritos responderam tecnicamente aos questionamentos feitos pela polícia sobre o caso. A primeira pergunta foi se “a arma de fogo questionada pode produzir tiro acidental?”. A resposta dos peritos foi “não”.

“Nas circunstâncias alegadas somente se mostrou capaz de realizar disparo e produzir tiro estando carregada, engatilhada, destravada e mediante o acionamento do gatilho”, explica o documento.

Os peritos informaram que realizaram cinco simulações para concluir o laudo, e a arma disparou apenas quando estava engatilhada e destravada, pressionando o gatilho.

A adolescente investigada relatou que a arma disparou quando a caixa em que ela estava guardada caiu no chão, acidentalmente, no momento em que a garota estava levando duas pistolas para guardar no cofre da casa.

Cena da morte

Isabele é filha do médico neurocirurgião Jony Soares Ramos, que morreu aos 49 anos, em 2018, em um acidente de moto na MT-251. A família afirmou que a adolescente tinha ido à casa das amigas fazer um bolo. A polícia investiga se a cena da morte foi modificada e se realmente Isabele foi atingida pelo tiro dentro do banheiro ou se foi colocada lá depois.

Em um telefonema para o Samu, Marcelo Cestari afirmou que Isabele tinha levado uma queda e batido com a cabeça no chão do banheiro. “Oi, rápido, a menina caiu no banheiro, aqui no Alphaville. Tem muito sangue, está perdendo muito sangue. (…) Ela caiu e bateu a cabeça, está perdendo muito sangue, perdeu dois litros de sangue. (…) É que ela está perdendo muito sangue, se não vir rápido não vai sobrar. Bel, eu acho que ela está sem respiração, rápido”, disse Cestari.

Patrícia afirmou à polícia que o delegado que atendeu a ocorrência achou estranho o fato do local não ter isolado durante todo o tempo. É de praxe, em cenas suspeitas de crime, que não se permita a circulação de pessoas ou curiosos para preservar provas ou vestígios usados em uma futura investigação.

Em depoimento à Polícia Civil, o médico Wilson Guimarães Novais, amigo da família de Isabele, afirmou que notou o sumiço da arma e também estranhou a limpeza do ambiente. Ele foi chamado pela mãe de Isabele logo após Patrícia Ramos tomar conhecimento da morte da filha.

Policiais investigados

Quatro policiais estão sendo investigados pelo Ministério Público Estadual (MPE) por improbidade administrativa no caso da morte de Isabele. São investigados um delegado, dois policiais civis e um militar. Imagens das câmeras de segurança mostram o momento exato em que os policiais chegam ao condomínio no dia em que a menina foi morta.

As imagens da portaria do condomínio mostram o investigador Leandro Levinali Ecco da Delegacia de Delitos de Trânsito entrando no condomínio no dia da morte de Isabele, às 23h09.

Em depoimento à Delegacia do Adolescente, o policial disse que é amigo do empresário, pai da menina que atirou e que foi até a casa depois de um telefonema do amigo para prestar solidariedade e apoio moral.

Na portaria, ele se identificou como policial civil. Ele disse que, na casa, ele se apresentou ao delegado e se colocou à disposição. Afirmou que ajudou a equipe da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção (DHPP) a catalogar as armas apreendidas e que acompanhou o pai da adolescente no flagrante por posse ilegal de arma de fogo.

Em outro carro, às 23h21, chegou ao condomínio o outro investigador da Polícia Civil. Em depoimento, Mario José Leite dos Santos informou que faz faculdade de direito com o empresário, pai da adolescente e que soube do disparo por terceiros e também teria ido até o local em solidariedade à família.

Na portaria, o investigador mostra um documento e tem a entrada liberada. Aos delegados do caso, o policial disse naquela noite que estava em casa à disposição do trabalho e que foi até o condomínio com uma viatura descaracterizada da Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO). O investigador da GCCO afirmou ainda que ajudou a equipe do Instituto Médico Legal (IML) a recolher o corpo da vítima.

À 0h37 as imagens registraram a chegada de uma viatura da Polícia Militar. Na direção, estava o sargento Fernando Rafael Oliveira. Em depoimento, ele disse que estava de serviço na base do bairro Pedra 90, em Cuiabá, e que ao saber do disparo, pediu autorização ao adjunto de serviço para ir até a casa do empresário por ser presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT) e que foi ao local porque havia atletas da Federação envolvidos no suposto disparo acidental.

Ele afirmou que foi até o piso de cima da casa, falou com o delegado que estava lá pra prestar informações em relação as armas do esporte e que as armas estariam em processo de apostilamento no Exército. Por fim, o PM presidente da Federação afirmou que acompanhou o flagrante de prisão do empresário na Delegacia de Homicídios.

O pedido de investigação no Ministério Público que aponta improbidade administrativa é do advogado Helio Nishiyama de Patrícia Guimarães, mãe de Isabele. Ele esclarece que o agente público tem que atender o interesse da sociedade e não usar o cargo para atender interesses pessoais.

“O agente público no exercício da função pública, tem que atender os interesses da sociedade e não usar o cargo e outros bens públicos pra atender interesses pessoais. Ainda mais porque lá se tratava de uma cena de crime. Era uma adolescente morta com um tiro no rosto. Em hipótese nenhuma esses policiais poderiam estar lá para prestar auxílio ao amigo e por isso que a gente pede ao Ministério Público que seja deflagrada competente a ação de improbidade para que se busque o perdimento do cargo desses policiais”, afirma.

O requerimento aponta inda que o empresário, pai da adolescente que disparou, teria se beneficiado dos atos de improbidade dos amigos e que o delegado de homicídios que foi até o local na noite do disparo teria sido omisso.

“Houve a conivência da Delegacia de Homicídios e proteção a uma pessoa, o que já está documentado por si só justifica a intervenção do Ministério Público no âmbito da improbidade administrativa, mas é evidente que não se descarta que a participação tenha sido muito pior, muito mais grave, que possa sim ter acontecido intervenções para alterações substanciais do local de crime”, afirma.

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