Redação Pragmatismo
Saúde 09/Abr/2020 às 14:59 COMENTÁRIOS
Saúde

Coronavírus: "Minha filha agora morde a própria mão e se bate, num autoflagelo"

Publicado em 09 Abr, 2020 às 14h59

“Minha filha agora morde a própria mão e se bate, num autoflagelo. Estes dias, passei alguns minutos no telefone e, quando desliguei, ela havia esfregado cocô em todas as paredes do banheiro”. Mãe conta os efeitos do isolamento na filha autista de 10 anos

coronavírus isolamento filha morde bate autoflagela autismo confinamento
Anna Torres e sua filha (Arquivo pessoal facebook)

Kizzy Bortolo, Marie Claire

O dia começa como outro qualquer. “Após o café da manhã, levo Marianna para escovar os dentes e tomar banho. Depois, brincamos um pouco com massa de modelar ou fazemos o reconhecimento de imagens com desenhos de objetos do nosso cotidiano”, conta a cantora Anna Torres.

Maranhense casada com um francês há 17 anos, ela vive em Paris, onde a filha nasceu dez anos atrás. Se para as mães de crianças saudáveis o isolamento tem sido difícil, para ela o desafio é ainda maior.

Diagnosticada com autismo médio quando tinha 3 anos, Marianna tem acesso a todo tipo de terapia. Regularmente, faz aulas de natação e equitação. Quando não está em casa praticando exercícios cognitivos, brinca nos parques da cidade – recomendação médica das mais importantes para crianças com esse transtorno. Em tempos de coronavírus, no entanto, o tratamento precisou ser interrompido sem aviso prévio.

Já estávamos circulando pouco, mas nos último 12 dias estamos totalmente confinados em casa”, relata Anna. E os contratempos pelos quais a família tem passado, em razão do isolamento, não têm sido poucos. “Estes dias, passei alguns minutos no telefone e, quando desliguei, ela havia esfregado cocô em todas as paredes do banheiro”, conta. “Também tem me angustiado demais o enorme tempo que minha filha passa em cima do armário olhando para o vazio.” E suas preocupações não param por aí. Moradora do quinto andar, tem flagrado a filha com olhar fixo em direção à janela. A atitude, em dias comuns, era só um sinal de que ela precisava sair. Com o isolamento, porém, tem se tornado mais frequente e demorado. “Fico apavorada porque, aos 4 anos, Marianna foi para o lado de fora da janela. Não caiu por um milagre”, conta. “Não podemos nos distrair nem por um segundo.”

Outra questão complicada se refere à alimentação da criança. Como sua rotina está inteiramente bagunçada e Marianna, por natureza, gosta muito de comer, controlar os horários das refeições tem sido um capítulo à parte. “Ela tenta abrir a porta da cozinha toda hora. Como não consegue, ou se joga no chão aos prantos ou chora pulando com os pés juntos e batendo as mãos como um canguru.” Reações como morder a própria mão e bater na cabeça também entraram para o repertório da menina que, segundo a mãe, nunca havia sido agressiva.

Mais um sinal do descontentamento de Marianna é o silêncio que ocupou o lugar das sessões musicais da menina. “Antes desse isolamento, Marianna adorava ouvir música em seu quarto. Agora não faz mais isso, nem com muita insistência”, conta Anna.

Saiba mais: Por que o autismo em meninas se manifesta de forma diferente?

Mas não é só (!) isso que tem preocupado a cantora. A compulsividade alimentar de Marianna aponta para um caso de obesidade infantil que Anna trata com as atividades momentaneamente suspensas. “Esta semana, não me contive e saí com ela para andar”, diz Anna. “Percorremos três quilômetros a pé.” Como tem atestado médico que comprova o autismo da menina, elas podem circular sem maiores problemas. “Há uma patrulha policial muito severa monitorando as ruas já fomos paradas duas vezes”, conta. Aqui, quem impede que as duas passem mais tempo fora de casa é o pai de Marianna, que está com sinais claros de estresse. “Ele cismou que está o infectado e, mesmo depois de ter testado negativo para coronavírus, se queixa de falta de ar e dor na garganta”, conta Anna.

O tempo que lhe resta, ela passa trabalhando no musical infantil que encenaria no Brasil em abril. “Me inspirei na fábula A Cigarra e a Formiga, chama-se A Cigarra Autista. Tem uma linguagem cênica bem acessível para as crianças especiais”, explica.

Com o cancelamento das apresentações, no entanto, tem trabalhado no projeto Vestindo o Autismo, uma linha de roupas com renda revertida para a AMMAR, Associação de Mulheres e Mães de Autistas do Maranhão, estado onde nasceu.

Leia também:
O que é “isolamento vertical” e por que essa não é uma boa ideia?
Economista que era contra a quarentena morre de coronavírus
Empresário que fugiu de isolamento espalhou coronavírus em Trancoso-BA

Siga-nos no InstagramTwitter | Facebook

Recomendações

COMENTÁRIOS