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A mitologia atual

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Jair Bolsonaro e Sérgio Moro (Imagem: Carolina Antunes | PR)

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Os povos da Antiguidade eram, em regra, politeístas e criaram explicações fantásticas para a o Universo, bem como construíram no seu imaginário deuses que também fizeram parte do processo de criação do mundo como também protegiam seus povos. Em verdade, nada diferente das religiões atuais. À única exceção das cristãs e outras que acreditam num único deus.

A toda essa história e personagens, dá-se o nome de mitologia. Cada povo tinha a sua crença, os seus deuses, a sua mitologia, portanto. A exceção fica por conta dos romanos que, quando dominaram os gregos, fizeram diferente do comumente na história quando se trata de dominação de um povo por outro: deixaram-se eles, romanos, se aculturar da mitologia grega, tão fascinados ficaram pelos modos de organização e de pensamento dos helênicos.

Falando então dessa religião que fascinou até mesmo um povo dominador, num período em que a virtude estava relacionada à imposição duma cultura sobre a outra, destaco a peculiaridade dos deuses desse panteão.

Os deuses egípcios tinham características humanas, com defeitos e virtudes. Zeus, por exemplo, a mais importante deidade, além de tarado, era egocêntrico e egoísta. Impunha castigos injustos a outros deuses e humanos, tudo por orgulho.

Mas não só Zeus manteve relações promíscuas com outras divindades e humanas. Outros deuses tiveram relações com mortais, donde do filho desse sexo deístico, nasciam os heróis.

Eu sou particularmente devoto de Dionísio, o deus do vinho, da festa, da orgia, da fecundidade e de outras atividades que, mais tarde, quando o ocidente trocou a mitologia greco-romana pelo cristianismo, foram taxadas de heresia.

A conveniência dos gregos (e, depois, dos romanos) em mitificar situações, explicações e personagens é que eles já conheciam, como disse, todos os defeitos que as divindades (mitos) possuíam. Já sabiam do egocentrismo de Zeus, da ira gratuita de Posseidon (deus dos mares) ou mesmo da ebriedade incorrigível de Dionísio (amém).

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Num anacronismo histórico de fazer até mesmo a tão racional Atena, deusa da sabedoria, ficar uma Posseidon de tão descontrolada, alguns cristãos de hoje (que certamente nada conhecem de História, pois o importante é Português e Matemática, pra operar bem as máquinas de fábricas) dão o título de mitos a reles mortais. Afrodite enfeia-se de tão braba.

O primeiro erro é conceitual

Quando falam em mito, querem dizer que são uma espécie de deus. Mas o mito é algo maior que os deuses. Os mitos são todas as explicações e conjunturas em que os deuses estão inseridos. Isso em qualquer povo, em qualquer mitologia.

O segundo erro é também conceitual

Sendo de caráter religioso, uma divindade só pode existir na esfera do sagrado, ou seja, na imaginação. É certo que alguns povos deificaram pessoas, como os faraós egípcios, mas eles tinham a legitimação dos deuses, não do povo. Esse último só acatava a decisão dos primeiros. Era lógica teocêntrica de sociedade (Deus, ou os deuses, acima de tudo) que abandonamos(?), aqui no Brasil, pelo menos desde a República (a França o fez exatamente cem anos antes, na Revolução Francesa, em 1789).

O último aspecto é justamente a falta de conveniência

Na mitologia real, como já citado, não havia decepção, pois as deidades estavam prontas e imutáveis. Os seus problemas e fraquezas já eram de antemão sabidos. Eles não corriam o risco de serem desmascarados por algum jornalista investigativo que teve acesso a mensagens trocadas indevidamente, por exemplo.

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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha” e 1º Secretário do Simpo”

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