Redação Pragmatismo
Rio de Janeiro 16/Mai/2019 às 09:00 COMENTÁRIOS
Rio de Janeiro

Quem vai pagar pela morte do professor Jean Rodrigo, assassinado na frente do filho?

Publicado em 16 Mai, 2019 às 09h00

Extermínio: Professor que desenvolvia projeto social de graça para crianças foi "confundido" com bandido e morto pela polícia diante do filho. Jean Rodrigo tirava jovens do crime por meio do esporte e sonhava com vaga no mundial de Abu Dhabi. Antes de ser assassinado, ele enviou áudio que mostra o tamanho de seu empenho

professor Jean Rodrigo
O professor Jean Rodrigo (Imagem centro: Focados no Tatame)

O professor Jean Rodrigo Aldrovande, de 39 anos, foi assassinado pela polícia na frente do filho na entrada do Complexo do Alemão (RJ) na última terça-feira (14).

Jean era visto como uma referência na comunidade. Professor de jiu-jitsu em um projeto social, ele tinha o sonho de tirar jovens carentes da criminalidade por meio do esporte, mas teve a meta interrompida após levar um tiro.

Testemunhas afirmam que policiais entraram atirando na rua em que o atleta estava, e uma bala o atingiu na cabeça. Outras pessoas disseram que o professor foi “confundido” com um bandido. Um outro rapaz, que frequentava a mesma academia, também foi atingido e levado ao Hospital Estadual Getúlio Vargas.

Um dos quatro filhos, que também era aluno de Jean Aldrovande, estava presente no momento dos disparos e viu o pai ser morto.

“Ele sempre foi um pai maravilhoso, um filho melhor ainda. Sempre foi amigo, conselheiro, fazia o bem sem olhar a quem, sempre estava disposto a ajudar. Ele era muito brincalhão, de tudo fazia piada e ria”, conta a irmã do atleta.

“Ele já havia passado por situações difíceis na vida, mas venceu. Sempre amou a luta e tinha o sonho de ensinar para as pessoas carentes, para tirar os jovens da criminalidade. Ele conseguiu ajudar muitos”, acrescentou.

Revolta

O sentimento da família é de revolta, principalmente com as autoridades do Rio de Janeiro. A irmã chamou os policiais de “despreparados” e acredita que o culpado pela morte do irmão ficará impune.

“Fica a raiva, revolta e tristeza. Um bando de homens despreparados saem atirando em pessoas inocentes sem pensar que poderia ser o irmão deles ou algum familiar deles”, diz. “A maior revolta é saber que o imbecil vai sair impune e vida que segue. E quem sofre e chora somos nós.”

O mecânico Diego da Silva Aldrovande, irmão do professor, questionou o governador Wilson Witzel sobre a política de segurança que, segundo ele matou seu irmão.

“Quero saber o que o governador tem a dizer agora. A polícia que deveria nos proteger agora serve para pra alvejar, para matar. Meu irmão não é Marielle, mas espero que haja justiça, que não seja só mais uma morte”, disse Diego.

Fazia a diferença

Jean era empenhando em ensinar e colocar as crianças nos campeonatos de Jiu-Jitsu. Na FJJD-Rio (Federação de Jiu-Jitsu Desportivo do Rio de Janeiro), ele tinha 44 atletas cadastrados ao todo.

Na manhã desta terça, poucas horas antes de ser assassinado, Jean entrou em contato com Marcus Gavazza, membro da FJJD-Rio e CBJJD. O professor pedia ajuda para inscrever atletas no Brasileiro da CBJJD, que vai acontecer no fim deste mês de maio no Parque Olímpico.

A revista TATAME teve acesso aos áudios. O faixa-preta aparece elogiando o trabalho realizado pelas entidades e por dar oportunidade para as pessoas mais carentes.

“Estou muito satisfeito com a FJJD-Rio. Que Deus ilumine vocês mais e mais. Sem palavras. Não tenho palavra para elogiar vocês, vocês são super. Vocês são tudo. Vocês estão trazendo para as crianças, para os adultos, os pobres, desculpe a forma de falar, para os favelados… As oportunidades que eles nunca tiveram na vida deles. Vocês são excepcionais. Todo o meu respeito a vocês da FJJD-Rio” disse Jean, que seguiu no outro áudio, pedindo ajuda para inscrever mais atletas até o fim da semana.

“Eu tô colocando, até o momento, 16 atletas. Sendo que eu tô com dois, que a condição financeira é brabíssima. Queria saber se você me dá aquela condição que me deu no Estadual. E, então, eu vou patrocinar um ou dois. Vou pegar o meu (valor da inscrição) e dá para um deles. Até o final de semana, quero cadastrar mais três ou quatro”, relatou.

Apesar de ser o professor, Jean também competia. Em um outro áudio, para o mesmo dirigente da FJJD-Rio/CBJJD, o professor disse que estava se preparando para competir o Brasileiro.

No fim, ainda afirmou que ia buscar o título do ranking, que é uma passagem para o World Pro (Mundial de Jiu-Jitsu) em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, embora na mensagem o faixa-preta tenha dito que é para Dubai, também no EAU.

Polícia nunca matou tanto

As Polícias Militar e Civil do Rio mataram 434 pessoas de janeiro a março deste ano, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). Foram quase cinco (4,82) mortos por dia, recorde para o período na série estatística de 21 anos, iniciada em 1998. As mortes continuam no trimestre em curso.

O aumento das mortes coincide com as posturas e práticas adotadas pelo governador Wilson Witzel (PSC) e pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Eles defendem que as forças de segurança pública tenham abordagens mais incisivas no combate ao crime.

Especialistas mostram preocupação com a escalada de mortes. Ela começou, dizem, em 2018, durante a intervenção federal na segurança, e cresceu no governo Wilson Witzel, cuja política de segurança é de confronto com os suspeitos. Na prática, porém, as vítimas da violência policial são apenas pobres, negros e moradores de comunidades carentes.

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