Lucio Massafferri Salles
Academia 17/Abr/2019 às 13:00 COMENTÁRIOS
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Nise da Silveira, filósofa da alma

Lucio Massafferri Salles Lucio Massafferri Salles
Publicado em 17 Abr, 2019 às 13h00

Artigo presta homenagem à Nise da Silveira em razão da sua contribuição para a pesquisa e para o tratamento da loucura no Brasil

Nise da Silveira filosofa alma psiquiatria
Nise da Silveira, renomada médica psiquiatra (reprodução)

Lucio Massafferri Salles*

Este artigo presta homenagem à Nise da Silveira em razão da sua contribuição para a pesquisa e para o tratamento da loucura no Brasil. O texto aborda determinados aspectos relativos ao seu método de tratamento das afecções psíquicas humanas por intermédio da arte, assim como apresenta uma leitura acerca da sua fictícia correspondência com Benedictus de Spinoza, que se encontra no livro Cartas a Spinoza.

Meu caro Spinoza,
Se nos apercebemos somente de dois atributos – pensamento e extensão – dentre os infinitos atributos inerentes à substância única, nem sei o que seria de nosso entendimento se formássemos ao menos uma vaga noção de mais alguns outros atributos da substância única. As discussões, referentes à substância e seus dois atributos conhecíveis, já dão panos para mangas, como se diz no Nordeste. (SILVEIRA; N. Cartas à Spinoza. 1995. P. 47)

A importância de Nise para a história do pensamento contemporâneo brasileiro ultrapassa o âmbito da atuação em campo, assim como o da pesquisa na área de saúde mental. Pioneira no tratamento da loucura por intermédio das expressões artísticas, Nise foi perseguida e presa, devido ao seu posicionamento político. O texto apresenta alguns
aspectos referentes à sua vida e à sua obra, para em um segundo momento articular as suas ideias acerca da afetividade humana com o pensamento de Benedictus de Spinoza, a quem Nise dedicou um livro de fictícias correspondências. Acredito que a obra de Nise da Silveira, de valor incontestável, deve, conforme o próprio desejo manifestado por ela, ser lida, re-lida e aperfeiçoada; dentro do possível.

Cuidar verdadeiramente do outro, talvez esse tenha sido o grande empreendimento, ou o grande projeto, colocado em prática pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira, durante toda a sua vida:

Quem passa por experiências profundas e radicais – como a loucura, a prisão, a morte de um ente querido, a tortura, o exílio e a fome – nunca mais volta a ser o mesmo. Os valores se modificam…[…]… Há quem ache que não aguenta ficar numa prisão, mas uma vez lá dentro, você aguenta…Não tem saída. Aguenta sim! (HORTA; B. Nise. Arqueóloga dos Mares. 2008. P. 286-304).

E foram muitos. Foram mesmo incontáveis, esses outros que viveram e que ainda vivem e que tiveram a  oportunidade de ser transformados (um pouco que fosse) por intermédio do trabalho de Nise com a sua “terapêutica da alma”. Terapêutica essa que é a emoção de lidar com o outro [1] por intermédio da arte, com os seus reconhecidos efeitos terapêuticos, por intermédio do olhar ou pelo silêncio necessário às fundamentais atividades artísticas, como é o caso da modelagem em argila, do desenho e da pintura, com as quais é possível se buscar modificar o sofrimento de uma experiência de loucura.

Teria sido um sonho de Nise, o de se aventurar a investigar as profundezas do psiquismo e assim poder transportar imagens e símbolos, juntamente com os afetos que os acompanham, para uma possibilidade de compreensão do real experimentado através das vivências da loucura?

Lula Mello [2], amigo e discípulo da doutora Nise, relatou, certa vez, um sonho emblemático que Nise teria tido na primeira noite de uma viagem feita à Suíça, viagem esta em que conheceu o psiquiatra Carl Jung, discípulo de Sigmund Freud: “Sentada frente a uma mesa, Nise olha para o tampo e vê um céu estrelado. A imagem apareceu
rápido, mas a sensação de que havia uma ordem oculta, uma constelação, permaneceu (2008:75)”.

É notável, no relato desse sonho de Nise, a presença não somente da ideia de certa ordenação oculta, a respeito de uma imagem refletida no tampo da mesa, mas principalmente o fato de que a imagem onírica foi capaz de fabricar a sensação cosmológica. A impressão de que o Cosmos apresentado como uma constelação, no reflexo imagético produzido no sonho, pode ser entendido como a expressão de uma ordem que não se apresenta claramente como tal; isto é, a ordem, de certa forma, era também não-ordem, na medida em que era oculta, enquanto ordem. A motivação de uma vontade de saber, acerca do ordenamento de algo que não se apresenta como inteiramente revelado, corresponde à motivação que é característica dos primeiros grandes filósofos que, admirados com o espetáculo e com o enigma da ordenação e do movimento do mundo, se perguntavam; (mas) o que é (isso)?

Mesmo que jamais tenha se intitulado como tal, creio que Nise da Silveira foi também uma refinada filosofa da alma.

Para Nise, o exercício afetivo da alteridade, a doação de si na relação com o outro e as ações de acolhimento genuíno, formam os pilares da boa prática de afetividade. Uma prática em que se crê ter a potência para fabricar felicidade e alegria entre os homens. É o espanto [3]! É a capacidade de poder se espantar; sempre dizia Nise, citando o thaumázein dos gregos! A capacidade de se espantar e, a partir disso, a capacidade de desejar conhecer um pouco mais a respeito do que se convencionou a chamar de “loucura”, com os seus mecanismos de funcionamento [4]. Esse deveria ser o grande motor dos escafandristas da psiquê, termo com o qual Nise carinhosamente designava os que se aventuravam a mergulhar, de fato, neste “mar”, praticamente insondável e silencioso, do mundo da inconsciência humana.

Nise costumava dizer a seus estagiários e voluntários, colaboradores na Clínica, ser desejável que, na lida diária com a psicose, a pessoa estivesse preparada para descer e voltar das profundezas da alma com bom fôlego. Um bom fôlego para poder suportar o que se vê, o que se escuta, nesse contato com o desconhecido. Há de se saber descer e
voltar, desta espécie de imersão mental em que não só as falas e as atitudes desconexas estão em questão, mas a própria concepção acerca daquilo que é ou não é normalidade, ou daquilo que é, ou não, realidade.

Teoricamente, este é também um dos mais antigos problemas filosóficos, que pode ser perfeitamente transposto da ideia de observação do funcionamento da phýsis como um todo, e por phýsis aqui denomino a natureza com as suas leis necessárias de movimento e de repouso, para a idéia de se poder pensar as relações e os encontros afetivos entre as pessoas, com as suas naturezas humanas, naturezas essas submetidas também às leis da phýsis, mas para além dessas, regidas por leis da ordem da afetividade e das emoções.

O afeto é fundamental, dizia Nise. O afeto é catalisador, que pode potencializar as vidas. Porém, os constantes encontros entre os homens são também relações nas quais se criam situações em que se passa também a desejar não mais conviver com o que se considera estranho a si, com aquilo que funciona de modo diferente e ofensivo à dita normalidade. Essa é justamente uma das molas propulsoras da lógica manicomial, desde há muitos séculos, sabemos também com Foucault. Lógica essa que busca não exatamente a reservação de uma verdade, propriamente dita, mas sim que busca instrumentalizar, determinar e fixar uma verdade que só se faz verdade enquanto justificativa (pretensamente racional) para se poder separar e selecionar as convivências entre os homens em sociedade.

Foucault nos ofereceu uma das várias imagens da loucura com a “carroça dos condenados”; homens que “atravessavam a cidade acorrentados” e que deixavam atrás de si “uma esteira do mal”. Tal visão provocava receios de “contágios imaginários” uma vez que se cria que o ar viciado pela loucura “poderia corromper os bairros habitados” (História da Loucura. 1978. P.353).

Deduz-se que tenha sido desse modo que o “remédio” para o mal que a loucura ameaçava espalhar, tenha se tornado, por imposição e violência, a prisão e o isolamento.

A prática da exclusão e da eliminação, justificada pela desrazão. Por sua vez, Nise da Silveira também propôs uma imagem, com raro senso de humor, que nos permite pensar a lógica do medo de contágio pela loucura, enquanto doença, ao fabricar a frase em que sugere que:

A contaminação psíquica é pior que piolhos. Vai passando de uma cabeça para outra, numa rapidez incrível. E como você sabe, todo mundo já pegou piolho…Se um dia causarmos uma catástrofe nuclear na Lua, será obra do psiquismo (2008:71).

Em outras palavras: todos pegaram piolho; e mesmo assim ainda se teme a sua propagação; o seu contágio.

Em 1986, aos oitenta e dois anos de idade, sob o título de Casa das Palmeiras, Nise consegue publicar o livro no qual apresenta ao grande público o projeto da sua inovadora Clínica, fundada trinta anos antes, em Dezembro de 1956; uma clínica de tratamento das afecções psíquicas por intermédio das artes. A abordagem clínica com a utilização das expressões artísticas já era intensamente desenvolvida por Nise, desde o final da década de 40 (início da de 50), no Centro Psiquiátrico Pedro II (hoje em dia chamado de Instituto Municipal Nise da Silveira) [5]. Tratava-se de um método de recepção e de tratamento da loucura, em que os pressupostos práticos e teóricos eram radicalmente contrários aos da psiquiatria que estava sendo praticada nessa época no Brasil.

Mas, afinal, o “que é” a Casa das Palmeiras?

O que é o trabalho com a loucura utilizando a arte, não somente como meio (de cura simplesmente), mas como um modo privilegiado de produção de uma vida potente, um modo distinto de produção de uma vida com arte ou, em outras palavras, um modo de fabricação de vidas tais como obras de arte. A Casa das Palmeiras, disse Nise, é um “pequeno território livre” (1986: p.11).

Sua Clínica adotou como principal método de tratamento a terapêutica ocupacional, não como método auxiliar, mas como um tratamento terapêutico que legitimava os efeitos que as variadas expressões artísticas produziam na psiquê das pessoas. Sempre se questionando, sempre se colocando uma interrogação, Nise partiu do lugar – um tanto quanto socrático – daqueles que não sabem e que, por isso, não sabendo, se perguntam acerca das causas daquilo que se apresenta diante de si.

Nise percebeu que o índice de re-internações, por parte dos pacientes diagnosticados como esquizofrênicos, era absurdamente alto; um indício de que deveria estar havendo algum problema na condução dos cuidados: “Desde muitos anos preocupava o fato de serem tão numerosas as re-internações nos nossos hospitais no Centro Psiquiátrico” (SILVEIRA, N. 1986. P. 9). Segundo Nise, afirmando serem precárias as estatísticas de sua época, cerca de 70% dos internos, numa média constante desde a década de 50 até a década de 80, eram na verdade casos de re-internação.

Na verdade, este problema relativo aos egressos de internação psiquiátrica remontava ao final da década de 40 (início da de 50), conforme dá o testemunho a própria Nise, na introdução desse seu livro. Havia algo errado na condução dos ditos tratamentos psiquiátricos. A hipótese de Nise, que a posterior Reforma Psiquiátrica no Brasil corroborou como verdadeira, era de que as pessoas internadas como loucas tinham alta dos hospitais sem terem a menor condição de voltarem ao convívio social.

Em outras palavras, Nise apontava para o fato de que quando os medicamentos e os agressivos processos de eletro choques faziam cessar (temporariamente) os sintomas, os indivíduos recebiam alta hospitalar sem a menor condição de retornarem ao convívio social. Um convívio social, vale ressaltar, extremamente problemático, devido às dificuldades em se conjugar harmonicamente os modos como esses indivíduos geriam os seus afetos, os seus discursos e as suas ações, diante de uma organização social erigida em bases repressivas, nas quais a associação da loucura com a pobreza era bem mais do que um agravante; mas uma mistura fatal. O vil metal era também considerado por Nise como um gravíssimo e insolúvel problema na gestão do convívio entre os homens. Fato é que sendo mulher, pequenina e nordestina, numa sociedade machista, capitalista e preconceituosa, Nise optou por essa carreira médica, que no início do século XX era quase que privativa de homens. Rebelou-se contra esses tratamentos médicos agressivos [6] e contra a privação de liberdade imposta aos internos. Privação esta que ela mesma experimentou, ao ser presa no Hospital, diante de internos, enfermeiros e colegas médicos, sob a acusação de “comunismo”.

Como se sabe, Nise foi levada para o DOPS, situado no Centro do Rio, e depois para a Casa de Detenção Frei Caneca, para sobreviver por dezesseis meses na prisão. Foi na prisão que Nise conheceu Olga Prestes e Graciliano Ramos, uma radical experiência que certamente marcaria toda a sua vida futura, manifestando-se inclusive no combate frontal a toda e qualquer tipo de tortura, física ou psicológica, assim como às restrições ao direito de existência, seja ela qual fosse. É sobre este aspecto que iremos falar um pouco daqui em diante, desenvolvendo um esboço de como que alguns pensamentos da filosofia de Benedictus de Spinoza podem ter influenciado profundamente algumas das ideias de Nise.

Nise escreveu um livro no qual fabricou uma hipotética correspondência sua com Benedictus de Spinoza, o filósofo da afetividade, o filósofo da precisão geométrica como expressão da ética humana. Um livro para Spinoza, o homem “ébrio de Deus”, segundo uma expressão de Novalis. A liberdade pode ser compreendida como um dos principais conceitos de Spinoza, que via a humanidade escravizada em suas paixões e em sua ignorância a respeito das causas que estariam por trás dessas paixões. Alguns aspectos da filosofia de Spinoza, do modo como Nise a compreendeu, são essenciais para se entender não só certos fundamentos da sua terapêutica de tratamento da loucura baseada na valorização da afetividade e nas expressões artísticas, como também para se pensar acerca de determinadas aproximações que Nise fez entre algumas idéias de Spinoza e de Freud, no que se refere a aspectos da clínica psicanalítica.

Nise compreendeu que Spinoza praticou no exercício de confecção e de polimento de lentes – tarefa essa que, acredita-se, lhe fornecia aporte econômico – o reflexo fiel das suas próprias buscas filosóficas [7]. A hipótese de Nise a respeito dos pensamentos de Spinoza era de que o ato de polir lentes obedecia, em si mesmo, às leis geométricas aplicadas à vida. Uma prática, essa do polimento, que esse filósofo de ascendência portuguesa realizava com as próprias mãos e com prazer.

No dizer de Nise, a ação de polir as lentes óticas representava uma ação de buscar, um movimento de “se esforçar pela perfeição”, tratando as esferas, que tão bem “representavam a ideia de unidade entre Deus e natureza”, até que delas se gerasse uma Ética construída sob uma forma de demonstração intelectual à maneira dos geômetras. Segundo Nise, o escritor brasileiro Machado de Assis notou perfeitamente esse aspecto, quando dedicou um soneto a Spinoza, em que faz uma referência à “mão que a labutar granjeia o pão diário, enquanto o pensamento delineia uma filosofia”, donde se percebe “a solidão do filósofo” que possuía “nas mãos a ferramenta de operário, e na cabeça a coruscante ideia” (SILVEIRA, N. Cartas à Spinoza.1995: p. 21).

Segundo Nise, o filósofo brasileiro Farias de Brito também se encantou com a potência das ideias de Spinoza. Para Brito, a filosofia de Benedictus teve grande importância para toda história do pensamento. Importância esta que foi proporcionada em uma imagem pela qual a filosofia de Spinoza é comparada, por Farias de Brito, a “uma grande montanha de cristal” que distribui, pelo reflexo do sol em seu cume, os raios luminosos no “vasto deserto” em que se encontra (BRITO, F. A Finalidade do Mundo. Rio de janeiro, INI, 1975, p. 196).

Uma montanha de cristal, seguindo a metáfora de Farias de Brito, que reflete toda a potência de luz que age para esclarecer acerca das causas e do funcionamento das paixões (1995. p. 27). Nise compreendeu que o pensamento de Spinoza visava à transformação dos espíritos, visava “curar os que se acham doentes”, por não compreenderem adequadamente as suas paixões, através das idéias do seu espírito: “um espírito de doçura e paciência” (1995.p.36). Nise revela ter sido “atingida” logo nas primeiras páginas da Ética, passando, a partir desse contato com a obra, a desejar intensamente tornar-se discípula e amiga de Spinoza (1995: p.23).

Na Carta II de seu livro Cartas à Spinoza, Nise rememora o dia em que, aos quatorze anos de idade, planejou deixar de lado os seus livros de geometria, com os quais estudava no Liceu Alagoano em Maceió. A respeito desta passagem e desta intenção, uma frase de seu pai viria a lhe marcar profundamente a vida. Trata-se do momento em que o pai de Nise lamentou a vontade manifestada pela filha de deixar de lado os livros de geometria, uma vez que, segundo ele, “a geometria não tratava do estudo das propriedades das figuras, mas sim da própria arte de pensar” (1995: p.40).

As memórias desta fala de seu pai, segundo Nise, iriam influenciá-la posteriormente a compreender a importância daquilo que Spinoza indicara em sua Ética como o segundo gênero de conhecimento, o gênero dedutivo de pensamento, que deixa para trás a imprecisão do “ouvir dizer” e das “experiências vagas”, que se referem ao primeiro gênero de conhecimento, proposto por Spinoza, que é o gênero das ideias inadequadas para se
conhecer as causas.

O primeiro gênero de conhecimento, conforme o projeto filosófico da Ética de Spinoza se refere ao campo da opinião, da imaginação, campo esse em que, por exemplo, se percebe sensivelmente os corpos, que se afetam entre si ou que nos afetam no real, mas que, apesar dessa percepção, não se procede necessariamente um adequado conhecimento a respeito das naturezas desses corpos e dessas afecções.

O segundo gênero de conhecimento é o da razão e da dedução, e o terceiro e mais elevado gênero, o da intuitiva apreensão, imediata, da essência das coisas. É a esta parte específica da Ética que Nise provavelmente se refere ao comentar o episódio de sua adolescência com seu pai: “O conhecimento do primeiro gênero é a única causa da falsidade; ao contrário, o conhecimento do segundo gênero e do terceiro gênero é necessariamente verdadeiro (E. II. P. XLI)”.

Cabe aqui ressaltar que Spinoza não está propondo nessa passagem do texto que toda imaginação ou que tudo o que se imagina seja falso, mas que a causa da falsidade, compreendida como uma espécie de equívoco do juízo, somente se encontra neste primeiro gênero do conhecimento humano e não nos outros dois gêneros. É provavelmente por este motivo que Nise, embora reconhecesse a importância e o valor da dedução e das conclusões precisas, valorizava profundamente as imagens e o mundo imagético humano no processo de busca de compreensão da loucura.

Principalmente em se tratando de imagens que, na perspectiva de Spinoza, nada mais são do que afecções dos nossos corpos, compreendidas como efeitos de uma incontrolável e incessante interação com os corpos exteriores. Isso significar dizer, se aqui interpretamos corretamente Spinoza, que as imagens seriam, de certo modo, efeitos de encontros com as coisas externas, encontros esses capazes de fabricar representações (imagéticas) das coisas. Assim, imagens são afecções do corpo, que as forma (imagens) a partir do contato com as coisas. As imagens, portanto, subordinam-se à natureza e ao estado em que se encontram os corpos que as formam, assim como também dependem das naturezas dos corpos que produzem essas afecções:

Para empregar agora as palavras em uso, chamaremos imagens das coisas as afecções do corpo humano cujas idéias nos representam os corpos exteriores como presentes, embora elas não reproduzam a configuração exata das coisas. E quando a alma contempla os corpos exteriores como presentes, diremos que ela imagina. E, para começar a indicar aqui o que é o erro, gostaria que notásseis que as imaginações da alma, consideradas em si mesmas, não contêm parcela alguma de erro; por outras palavras, a alma não comete erro porque imagina, mas apenas enquanto é considerada como privada de uma ideia que exclui a existência das coisas que ela imagina como estando-lhes presentes.

Com efeito, se a alma, quando imagina como presentes coisas que não existem, soubesse, ao mesmo tempo, que essas coisas não existem na realidade, atribuiria certamente esse poder de imaginar a uma virtude da sua natureza e não a um vício, sobretudo se essa faculdade de imaginar dependesse apenas da sua natureza (pela definição 7 da Parte I), essa faculdade de imaginar da alma fosse livre. (ÉTICA. II. P. XVII. Escólio)

No pensamento acima, se encontra uma interessante hipótese para se proceder a uma reflexão acerca do que se convencionou, tempos depois, a chamar de “delírio” ou de “alucinação”. Não há como não se pensar numa imagem tal, como por exemplo, na de um pintor que goza em criar com as tintas uma tela de uma árvore que não se encontra diante de si, no momento de sua criação, e o porquê de alguém poder vivenciar uma projeção imaginária similar, mas de maneira tão dolorosa e tão invasiva, como no caso de muitas experiências de loucura. O que separa, de fato, e se há mesmo uma resposta satisfatória e definitiva para esta questão, o delírio, da produção artística? O grau de sofrimento? Ora, sabe-se que, pelo menos em termos humanos, criação e geração também implicam em algum grau de sofrimento. O que separa então, o delírio da arte? A recepção do meio, em relação à experiência que é vivida pelos indivíduos em questão? O enquadramento simbólico? Sabe-se, a respeito disso, uma resposta, em definitivo?

Sobre esse aspecto, o teatrólogo Augusto Boal [8] referia-se, exemplificando, tanto no caso da pintura como no do Teatro, às imagens fabricadas nos homens pela arte como produções similares ao que se concebe como delírio. Uma vez que, por exemplo, no caso das composições teatrais, um grupo de indivíduos (platéia) finge que as pessoas que atuam e discursam em cena (atores) são o que na verdade não são (personagens), para produzir (dramatizar), quando não uma total ficção, então uma reprodução parcial e modificada de eventos que jamais ocorreram exatamente do modo como estão sendo representados. Em suma, o que a ficção de fato fixa, a respeito do que chamamos de real?

Segundo a perspectiva de Nise, Spinoza talvez tivesse vivenciado uma espécie de experiência súbita e deslumbrante. Spinoza poderia ter, psiquicamente falando, vivenciado uma experiência de visão intensa da unidade do real. Nise apreciava esta ideia da existência de uma unidade em toda a natureza (1995: p.53). A respeito dessa possível percepção, Nise se reporta a certa concepção de unidade original das coisas também presente na visão cósmica reproduzida em pintura a óleo por Carlos Pertius [9] em uma tela, denominada O Planetário de Deus. Quem sabe, diz Nise, Carlos não teria suportado o impacto de uma visão extraordinária, sendo internado pelo resto de sua vida (1995. p.43)? Ora, como falar de uma experiência dessa natureza para os homens?

Como explicar, racionalmente, como buscou fazer Spinoza, em plena alvorada do século XVII e na nascente do cartesianismo, a natureza de um Deus sive Natura? Um deus infinito e que é causa imanente de todas as coisas, mas que não é um deus antropomórfico e nem exatamente um deus criador do mundo? Esse era, segundo Nise, um sério problema para um pensador judeu que já havia sido expulso de sua comunidade religiosa devido às suas idéias.

A definição do conhecimento de Deus como uma espécie de ato de amor, do modo como foi proposta por Spinoza, despertou a atenção de Nise, não só pelo fato da experiência de intelecção intuitiva – em seu mais alto grau de conhecimento do real – ser descrita como um amor a Deus, um amor em conhecer este Deus imanente e necessário. Mas também pelo fato de, segundo Spinoza, haverem diversos tipos de amor, conforme os objetos que os provocam (E, III., LVI). Assim, por exemplo, o amor pelos filhos é diverso do amor nutrido pela esposa, ou pelo marido, ou pelos amigos. O desejo para Spinoza é a própria essência dos homens, ou em outras palavras: para Spinoza, antecipando, sob certos aspectos, algumas idéias caras à clínica psicanalítica freudiana, os homens se caracterizam por serem seres desejantes:

O desejo é a essência ou natureza de cada indivíduo, na medida em que é concebido como determinado a fazer qualquer coisa pela sua constituição, tal qual ela é dada. Portanto, conforme um indivíduo é afetado por causas exteriores por esta ou aquela espécie de alegria, de tristeza, de amor, de ódio, isto é, conforme a sua natureza é constituída desta ou daquela maneira, o seu desejo será necessariamente este ou aquele, e necessariamente a natureza de um desejo deverá diferir da natureza de outro, quanto as afecções de que cada um deles nasce diferem entre si. Assim, há tantas espécies de desejos quantas as espécies de alegria, de tristeza, de amor, etc., e, conseqüentemente quantas as espécies de objetos pelos quais somos afetados. (E.,III. LVI Demonstração)

Nise interpretou, em acordo com uma das tradições de leitores de Spinoza, que o filósofo holandês de ascendência portuguesa, na verdade, rompeu com a filosofia cartesiana; um posicionamento hermenêutico, que embora aqui seja compartilhado, não se configura como uma posição unânime entre os estudiosos de Spinoza.

Segundo Nise, Descartes teria, “ao contrário dos viajantes que fazem provisões para longas jornadas”, se despojado de tudo que lhe fora possível (1995. P. 50-51). Descartes rejeitara as contribuições ofertadas pelos sentidos. Despira-se de corpo, de ideias que lhe haviam ocorrido (algumas fantásticas como os próprios sonhos). Admitiu, na construção dos seus argumentos, a possibilidade de não haver mundo ou lugar algum onde se habitasse.

Mas impossível seria, em última instância, para Descartes, desfazer-se do seu próprio pensamento. Este sim, o porto seguro que lhe assegurava, por um conectivo lógico, a existência, que se encerrava na seguinte notação: P(pensar) → E (existir). Essa conclusão, que se encontra na segunda das Meditações Metafísicas e que, diga-se de passagem, é fundamental para o projeto da filosofia cartesiana, não satisfazia a Nise, uma vez que Descartes visava, ao final de todo processo argumentativo, a dissociação entre pensamento e corpo, ou entre res cogitans e res extensa.

A bem da verdade, as faculdades de medicina, na época da formação e da atividade médica de Nise, produziam uma abordagem do corpo humano que era uma abordagem fundamentalmente cartesiana. Uma abordagem que fabricava a ideia de que os médicos deveriam promover o estudo das peças componentes das engrenagens da grande máquina que seria o corpo humano. A ideia prevalente do homem como um ser desejante, conforme propôs Spinoza, parecia-lhe algo mais vivo e mais próximo de uma realidade passível de ser modificada, do que o homem simplesmente como ser pensante; hipótese essa que acabou contribuindo para se colocar a loucura totalmente na ordem do erro e da desrazão. Se só sou porque penso, como “é”, então, o louco, que pensa, tal como nos mais desconexos sonhos, de modo tão distinto dos indivíduos considerados normais? Nise admirava-se com o fato de que pouquíssimos psicólogos e psicanalistas (e ela fazia questão de excluir da lista os psiquiatras) tivessem se interessado pelas abordagens que Spinoza teceu acerca da alma, ou do psiquismo humano (1995. p. 77).

A ideia de que a saúde de nosso espírito está em nossas mãos, emprestada de Gaston Bachelard (La terre et lês rêvéries du repôs), representava a viva possibilidade da transformação da alma por intermédio da manipulação dos elementos da natureza (1986. p.14). Diante disso, percebe-se que um remédio para a loucura encontrar-se-ia também no manuseio das tintas coloridas, da argila, ou na dança, na música e no teatro; pois as atividades artísticas são capazes de aumentar a potência de vida.

Se compreendermos as misturas das cores que são aplicadas nas telas como uma representação das múltiplas combinações das emoções humanas, emoções essas que comovem e que influenciam as ações, será possível perceber porque tantos pacientes de Nise conseguiram representar o Caos dos seus universos interiores, em quadros tão vivos e belos. Seus espíritos pareciam se esforçar por compor os modos como eles percebiam a realidade, através das misturas de tintas, através das misturas que proporcionam as imagens com múltiplos tons de representação do real. Na antiguidade grega, as tintas para pintura eram phármaka, ou remédios, como é o caso num fragmento de Empédocles [10] no qual πολύχροα φάρ ακα (polýcroa phármaka) são pigmentos multicores que, “harmonicamente misturados por talentosos pintores”, conseguem “reproduzir formas (ε δο ) de todos os seres, sejam homens, animais, árvores”.

Segundo Nise, afetos como amor e ódio, alegria e tristeza, medo, são passíveis de serem representados por intermédio das artes, de modo que se possa operar através das atividades expressivas algumas modificações que melhoram a posição do viver das pessoas no mundo.

Nise nos lembra que o amor, para Spinoza, nada mais era do que a alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior, enquanto que o ódio seria a tristeza acompanhada da ideia de uma causa exterior (E.,III, VI-VII). Sendo assim, pode-se pensar que amar Deus (Natureza) corresponderia, para Spinoza, a uma inigualável alegria, acompanhada da clara ideia de perfeita harmonia com a natureza. A ideia de psiquismo inconsciente também não era estranha ao pensamento de Spinoza. Para Spinoza, o espírito é composto de um grande número de partes, pois: “A ideia que constitui o ser formal da alma humana não é simples, mas composta de um grande número de ideias” (E.,II, XV).

Spinoza propunha que os homens ignoram o porquê de desejarem determinadas coisas, e outras não (Ética IV. Prefácio). Ora, o projeto filosófico de Spinoza buscava tornar conhecidas para os homens as causas de suas paixões. Por sua vez, o projeto da clínica psicanalítica freudiana, de certo modo, visava à possibilidade de elaboração intelectual de conteúdos afetivos cujas causas e motivações eram inteiramente desconhecidas para o sujeito. Nise fundamenta uma aproximação entre as concepções de Spinoza e Freud citando uma passagem da Ética em que Spinoza sugere que “uma afecção, que é uma paixão, deixa de ser uma paixão desde que dela formemos uma ideia clara e distinta” (E., V. III ); passagem essa a que acrescento a seguinte:

Visto que não há nada de que não se siga algum efeito…[…]…resulta daqui que cada um tem o poder de se compreender a si e às suas afecções clara e distintamente, se não em absoluto, pelo menos em parte e , por conseguinte, de fazer de maneira que sofra menos por parte delas….[…]…E não se pode imaginar nenhum outro remédio que dependa do nosso poder mais excelente para as afecções do que aquele que consiste no verdadeiro conhecimento delas. (Ética., V. II. Escólio)

É certo que não há uma total correspondência entre a filosofia de Spinoza e todos os pressupostos da psicanálise freudiana. Não se trata aqui simplesmente de alinhar algumas das idéias de ambos pensadores, seguindo o aguçado olhar de Nise, pensadores esses que pertenceram a contextos históricos distintos, em épocas distintas, e que dialogavam com diferentes interlocutores, conforme os interesses de suas respectivas investigações.

Nem Nise da Silveira, em seu livro, e nem o presente texto entende que se tratam exatamente das mesmas abordagens conceituais acerca da afetividade humana. Se há algo, de fato, que une verdadeiramente os postulados desses pensadores, talvez seja o desejo de se buscar pelo entendimento respostas e alternativas para aquilo que se apresenta como questão; como algo da ordem do desconhecido.

Nise cria que o próprio “estado do ser” denominado de loucura poderia ser em si mesmo uma busca, um esforço da alma em existir e em se organizar diante de um mundo (este sim) imerso em terríveis ambiguidades e irracionalidades. As formas das mandalas, desenhadas e pintadas pelos seus pacientes, nada mais seriam, cria Nise, do que o esforço em se organizar e dar unidade ao psiquismo estilhaçado pelo atravessamento brutal, de uma realidade percebida como hostil. Assim, as expressões da arte, cuja potência e os efeitos curativos Nise tão bem soube utilizar em vida, na sua clínica, podem ser compreendidas como potentes movimentos de cura.

A cura como transformação de “estado do ser” que poderá ser vivido com mais alegria. A cura como modificação da alma, como uma boa mudança, de um estado psíquico para outro, melhor e mais bem posicionado, frente à lida diária com as aporias insolúveis das complexas relações entre pessoas e mundo. Tal processo, de potencialização da vida, tem grandes chances de dar certo, com um genuíno acolhimento, não só das diferenças relativas aos modos de expressão e de existência entres os seres, mas principalmente através do verdadeiro cuidado com o outro.

Concluindo, a partir de um pensamento de Foucault que creio ser bastante afinado com as práticas e com as ideias de Nise da Silveira, arriscaria dizer que o ato de apegar-se demasiadamente a si mesmo talvez seja mesmo o primeiro sinal da verdadeira loucura:

É possível que os homens, apegando-se a si mesmos demasiadamente e descuidando, portanto, das relações e de tudo aquilo que gira fora do eixo dos seus próprios narcisismos, mas dentro do seu império de certeza de controle, tenham determinado, por fim: “o erro como verdade, a mentira como realidade, a violência e a feiúra como beleza e justiça”. (FOULCAULT, M. História da Loucura. p. 24)

Citações:

[1] Foi o paciente Luiz Carlos, quem nomeou o método terapêutico de Nise da Silveira como uma “emoção de lidar”, referindo-se ao contato com os materiais utilizados em atividades artísticas, tais como a lã, ou o veludo, material este com que Luiz confeccionou um “gato macio” que lhe causava uma “grande emoção de lidar”.

[2] Luiz Carlos Mello é o diretor do Museu de Imagens do Inconsciente, fundado em 1952 por Nise da Silveira e que se encontra dentro do atual Instituto Municipal Nise da Silveira, antigo Centro Psiquiátrico Pedro II, localizado no bairro do Engenho de Dentro no Rio de Janeiro.

[3] Numa das últimas palestras proferidas por Nise da Silveira, para a seleção de estagiários na Clínica Casa das Palmeiras (1994/95) ela repetiu a sua antiga recomendação de que todos aqueles que trabalham com uma terapêutica da alma (aqui compreendida como psiquismo) devem ter a capacidade de se espantar com os fenômenos que se apresentam como inteiramente desconhecidos em todas as relações humanas, como é o caso das afecções psíquicas que podem produzir enfermidades.

[4] As aspas buscam apenas diferenciar a loucura diagnosticada pela psiquiatria tradicional, a qual Nise se opunha em virtude dos métodos desumanos utilizados em tratamento, da loucura sadia, a loucura da arte, da vida, ou da vida como uma loucura de se pôr no mundo à disposição das boas relações com os outros.

[5] Nise foi presa em 1936, dentro do Hospício Nacional de Alienados, onde hoje funciona parte do campus da UFRJ e o IPUB, na Urca. Em junho de 1937, portanto um ano e meio depois de sua prisão, Nise foi libertada da cadeia. Sua anistia política ocorreu somente no ano de 1944 e sua reintegração ao serviço público ocorreu em 17 de Abril deste mesmo ano. A partir deste momento, Nise passaria a trabalhar no Engenho de Dentro, no Centro Psiquiátrico Pedro II, local onde desenvolveu os seus inovadores métodos de trabalho com pacientes esquizofrênicos baseados no setor de Terapia Ocupacional do Hospital (2008:79).

[6] Foi a partir de 1933, quando residiu no Hospício da Praia Vermelha, que Nise além de conhecer e de se encantar com os textos de Freud começaria a entrar em rota de colisão com os procedimentos psiquiátricos então vigentes, o que de fato iria se intensificar mais tarde, anos após a sua prisão. Detalhes preciosos sobre este episódio assim como sobre grande parte da história de Nise da Silveira podem ser encontrados no livro Nise Arqueóloga dos Mares (2008. E + A edições do autor) elaborado e publicado pelo jornalista Bernardo Carneiro Horta, um amigo e discípulo de Nise da Silveira, e que contou, no percurso da confecção de seu livro, com a ajuda e com a colaboração de alguns dos mais próximos amigos e discípulos de doutora Nise.

[7] Cartas a Spinoza. P. 37.

[8] Augusto Boal participou de um período importante da atividade de Teatro da Casa das Palmeiras, com a sua Oficina do Teatro do Oprimido.

[9] Pode-se encontrar a imagem deste quadro de Carlos Pertius no seguinte link: http://www.ccs.saude.gov.br/cinquentenario/carlos.html.

[10] Simplício. Física, 159, 27

Referências bibliográficas:

FOUCAULT, M. História da Loucura. São Paulo. Ed. Perspectiva. 1978.

HORTA; B. Nise. Arqueóloga dos Mares. Rio de Janeiro. Ed. E + A edições do autor. 2008.

SILVEIRA. N.Casa das Palmeiras. A Emoção de Lidar. Uma Experiência em Psiquiatria. Rio de Janeiro. Ed. Alhambra. 1986.

__________Cartas à Spinoza. Rio de Janeiro. Livraria Francisco Alves Editora S.A. 1995.

SPINOZA, B. Ética. Lisboa. Relógio D’água Editores. 1992.

WIENPAHL, P. Por um Spinoza Radical. Fondo de Cultura Económica. México. 1990.

*Lucio Massafferri Salles é professor, filósofo, psicólogo e jornalista. Doutor e mestre em Filosofia (UFRJ), especialista em Psicanálise (USU). Realiza atualmente estágio de pós-doutorado em Filosofia na UERJ. Criador do Portal Fio do Tempo (You Tube)

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