Luis Gustavo Reis
Colunista
Colunistas 12/Jan/2019 às 22:11 COMENTÁRIOS
Colunistas

Os 3 níveis de aceitação que precisamos sentir

Luis Gustavo Reis Luis Gustavo Reis
Publicado em 12 Jan, 2019 às 22h11

A aceitação é um movimento simples de se apegar. As contingências nos mostram, desde sempre, que não temos controle sobre nada. Elas nos encontram e lidamos com elas da melhor forma possível e a melhor das formas é a aceitação de que nada podemos fazer. Somos sempre, já diziam muitos, aquilo que podemos ser

aceitação resistência governo bolsonaro movimentos sociais
Getty Images/Reprodução

Eduardo Bonzatto* e Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político

Estar frágil, se sentir frágil, ocupar um lugar frágil.

O momento do agora quase sempre nos convida à dureza, às defesas, às resistências, ao desempenho dos melhores papéis para que sejamos aceitos pelo nosso próximo. Esse próximo que é também nosso algoz, a testemunha da iminência sempre presente de nosso fracasso. Esse próximo que queremos impressionar.

Por isso, o lugar frágil está sempre disponível. É um lugar desprezado no conjunto dos papéis sociais. A fragilidade, contudo, pode ser extraordinária, pois perdemos rapidamente nosso estado original, esse estado a que fomos direcionados sem consulta.

A fragilidade que é o oposto à tenacidade e que nos faz absorver relativamente pouca energia. Nesse tempo de energias densas, absorver de modo limitado é uma habilidade importante.

O lugar da fragilidade é o lugar do imponderável e da dúvida, de onde não se faz prognósticos ou planejamentos.

Também é o lugar da imprevisibilidade e da aceitação das contingências. Aquele que se assume como frágil também não tem poder algum. E não tendo poder, pouco ou nada é notado. Passa desapercebido quase sempre, não emite negatividade, não admite estereótipos nem de si nem de outrem. A fragilidade é oposta a fraqueza, não confundamos os termos.

A fragilidade nos abre, nos coloca num momento disponível, sem reservas em que a aceitação flui sem defesas numa interação generosa.

A aceitação é um movimento simples de se apegar. As contingências nos mostram, desde sempre, que não temos controle sobre nada. Elas nos encontram e lidamos com elas da melhor forma possível e a melhor das formas é a aceitação de que nada podemos fazer. Somos sempre, já diziam muitos, aquilo que podemos ser.

Há três níveis de aceitação que precisamos sentir. O primeiro nível corresponde à manifestação política. Começa a partir das decisões institucionais que pretendem definir nosso presente e nosso futuro. O aumento do salário mínimo, o modelo neoliberal, o efeito danoso das exportações, a desindustrialização da nação.

Nesse nível acreditamos que participando pelo voto poderemos interferir de alguma forma nos destinos dessa disposição política. É uma ilusão isso, já que, parafraseando José Saramago, o povo tem apenas a faculdade de eleger e retirar governos, mas não participa das decisões dos grandes organismos internacionais que estão acima dos próprios governos. Aceitação de que façam o que fizerem e que não podemos reagir é também uma forma política de participação, só que não nos afeta em nenhum nível além daquele que essa carga de realidade significa. A política vai além da institucional, dada como única em nosso tempo e facultada aos partidos. Para os filósofos antigos, política é a transformação do meio onde vivo, do lugar onde opero, da realidade onde estou inserido e das conexões que estabeleço.

Leia aqui todos os textos de Eduardo Bonzatto

O segundo nível de aceitação é aquele que se manifesta no nosso mundo do trabalho. Nossos chefes, nosso desempenho, nossos concorrentes. Cremos que podemos controlar com os papéis sociais apropriados nessa zona de conflitos.

O grau de exigência que nos impomos é gigantesco. Queremos reconhecimento. As motivações são inúmeras, mas só o que importa é a exibição de nossa performance num microuniverso do qual imaginamos carecer. E pertencer.

Os benefícios da aceitação nesse lugar são inúmeros e vamos migrando nosso movimento do servir ao poder para servir ao humano que nos cercam. Então, ao aceitar sem reivindicar, aceitar plenamente os movimentos dessa zona, vamos integrando todos em nosso movimento. Passando do papel daquele que se submete para agradar, àquele que gerencia o sentimento geral da seção. Alteramos o parâmetro energético com a aceitação incondicional de estarmos ali, presentes, com nossa fragilidade exposta. Com isso, imunizamos contra os papéis representativos que nos levam sempre para o lugar da exaustão. Um professor, por exemplo, pode abdicar dos mecanismos do poder que detém, tais como lista de chamada, provas, trabalhos, notas, em suma, todos os dispositivos do chamado currículo oculto.

Leia aqui todos os textos de Luis Gustavo Reis

O terceiro nível da aceitação é o íntimo. Aquele que tecemos com nossos afetos. Aqui a recusa à aceitação é fonte de inúmeros sofrimentos, pois queremos as pessoas não do jeito que elas são, mas como gostaríamos que fossem.

Somos exigentes nesse aspecto. Nunca amamos incondicionalmente o nosso afeto mais próximo. E, no entanto, as pessoas são muitas coisas, expressam suas idiossincrasias de uma forma ou de outra, por mais que tentem se submeter às nossas exigências, nos agradar, conceder pra que a relação prossiga, sempre expõem suas formas e jeitos.

Aceitá-las incondicionalmente é libertador e nos emancipa de inúmeros caminhos de dor e sofrimento. Não podemos controlar os outros, nem a nós mesmos podemos controlar. O controle é uma mera ilusão, então abdicar dele e aceitar as conexões que a vida nos presenteia é um caminho de alegria e felicidade contínua. A aceitação altera a realidade completamente.

A realidade que expressa unicamente felicidade também pode ser acessada sem perigos. É uma escolha política essa. Decidimos viver numa realidade em que os valores que podemos nutrir são de afeto, colaboração, amorosidade e que vamos moldando nossa mente para também participar dessas escolhas.

Aceitação é a palavra-chave para uma vida feliz. Aceitar a realidade sem resistência é, portanto, fundamental. A aceitação faz emergir um estado contemplativo em nós.

A primeira coisa que cai por terra quando aceitamos plenamente tudo que se apresenta é o julgamento. Deixamos imediatamente de julgar as pessoas e de avaliar as situações de modo a conferir se concordamos ou não com o que testemunhamos. Abdicando do concordo ou discordo, podemos receber como dádiva um estado de suspensão que se traduz em compreensão.

Quando compreendemos é como se estivéssemos contendo em nós mesmos a situação, nos incluindo e assim abrangemos uma quase totalidade sem julgamentos. Abarcando em si, abrangemos, pois estamos integralmente incluídos naquilo que recebemos. O contrário de compreender é rejeitar.

Incluir é o segredo para que a realidade que nos acolhe também seja fonte de nossa felicidade e alegria. Esse movimento de invasão e de acolhimento é surpreendente, pois impede que possamos nos ver separadamente de tudo que geramos e que nos inclui. A fluidez evita resistências e movimenta da forma e do jeito que é, não da forma que gostaríamos que fosse.

Então deixamos de assistir a tudo de uma distância confortável e mergulhamos no magma da realidade conturbada pelas ondas generosas. Ser parte de tudo que acontece é grandioso e simples ao mesmo tempo. Grandioso porque nos responsabilizamos pelos eventos que testemunhamos e partilhamos e simples porque compreendemos que não somos especiais ou diferentes ou desiguais.

A realidade é frágil, nós somos frágeis.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade do Sul da Bahia (UFSB), permacultor e escritor ; *Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos. Ambos colaboram para Pragmatismo Político

Recomendações

COMENTÁRIOS