Educação

A BNCC e os professores

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Neste 15 de outubro, um feliz dia aos professores. Aos micros que ouvem das mais diversas áreas do conhecimento, menos da sua própria, como deve ser o macro. Um feliz dia àqueles que, nos dia de folga, trabalham preparando aulas e, ainda tem que ouvir a pergunta se só dão aula ou também trabalham.

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Embora o governo(?) federal divulgue que a nova Base Nacional Comum Curricular para a educação básica tenha sido amplamente discutida com a sociedade, eu, professor, não participei em nada na sua formulação. E, depois de pronta, não a li e nem pretendo fazê-lo pelo menos até meados do próximo governo.

Alguns postulantes à presidência já acenaram, por exemplo, que, eleitos, revogarão a MP do Teto de Gastos, que retira investimentos inclusive da educação. Quem garante que não mexerão também na BNCC que, embora o governo(?) diga diferente, não conheço nenhum colega que tenha participado da sua elaboração. Ou mesmo a lido. Aliás, desconheço que o MEC tenha, neste golpista governo, conversado com o magistério. Sei que o então Ministro Mendonça Filho recebeu o ator pornô de filmes gays Alexandre Frota para uma reunião na qual o artista(?) deu dicas pedagógicas em questões ligadas à defesa da família tradicional cristã brasileira.

Se o próximo governo manter a Base, vou fazer aquilo que até agora só pesquisadores e profissionais de empresas de assessoria pedagógica fizeram para ganhar dinheiro público fornecendo formações a professores e a defendendo: ler e estudar a BNCC. Terei que fazer isso em casa, no meu horário que seria de folga, já que o tempo me reservado a planejamento é sempre insuficiente, com tantas aulas a fazer, provas a montar e corrigir, entre outros.

A ideia de ter um currículo comum em todo o País me parece a princípio adequada. Mais não digo, já que não sei o seu teor. Só que isso é na esfera macro da Educação. E enquanto não forem resolvidas urgências micros nesse tema, nossos índices educacionais continuarão estagnados ou até mesmo tenderão a cair, como já ocorre nalguns casos.

E os pequenos problemas quotidianos das escolas não se resolvem ouvindo subcelebridades defensoras da Escola Sem Partido ou PHDs formados em não-sei-onde e professores eméritos de não-sei-qual-universidade-de-nome-difícil. Os percalços pelo que passam os professores e alunos são melhor explicados pelos verdadeiros especialistas nisso, os próprios professores e alunos, que tem que conviver com o teto que ameaça cair, com o multimídia obsoleto, com desinteresse, indisciplina e violência diárias. Acadêmicos que há vinte anos não encaram um sexto ano com mais de trinta alunos nada mais podem oferecer do que teses recheadas (regozijo acadêmico) de citações. Inclusive de Paulo Freire (só que esse sim, um praxista por premissa).

Não refuto as contribuições universitárias. Apenas defendo que os professores da educação básica sejam os protagonistas na construção do saber teórico que embasa a práxis. Em educação, a prática deve subsidiar a teoria, e não o contrário, como sóis ocorre atualmente.

Não adiantam ideias mirabolantes para a educação do Brasil formuladas por doutores renomados enquanto o salário dum professor ser menor do que o imoral auxílio-moradia do Judiciário. É desmotivador. Afasta os melhores das licenciaturas e não incentiva a constante qualificação profissional.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, desde que o Governo Sartori assumiu, com suas medidas de austeridade fiscal (prática na moda) que sequer repôs o salário do magistério como também atrasou os pagamentos, o IDEB do Estado diminuiu consideravelmente. Inclusive na comparação com outros entes federados (ainda que os números dessas pesquisas tenham que ser interpretados com alguns entretantos).

Nas prefeituras não se encontram situações muito melhores. A maioria paga gratificação de qualificação somente até o mestrado. Quando não igualam o nível de especialização e mestrado. E, mesmo assim, difícil o plano de carreira em que a mudança de nível aumente mais de dez porcento o salário. Isso afasta os profissionais do que se tem como o ideal de educação hoje, a pesquisa. Ou melhor, professores que seguem a linha da pesquisa, mestrando-se ou doutorando-se, dificilmente continuam em sala de aula, aplicando seus conhecimentos, aliados à prática, à nossa hipotética turma de sexto ano com mais de trinta.

Estima-se que os professores gastem em média quase metade do tempo de um período com indisciplina. E não estou me referindo à intrínseca falta de atenção dessa geração Z hyperlinkada, em que a concentração que têm em determinada explicação dificilmente extrapola os cinco minutos. Falo de atos de desrespeito aos colegas e ao próprio professor. Mas as escolas, na maioria, têm limitados poderes de punições administrativas. A palavra punição pode soar obsoleta. Não a é. Rousseau, que empresta a sua ideia de poder soberano oriundo do povo à nossa Carta Magna, já dizia da importância da criança e do jovem encontrarem limites. Isso mesmo, um iluminista, portanto árduo defensor das liberdades individuais, alertava dos perigos dessa liberdade ser ilimitada. E o que limita os atos transgressores, esgotados todos os outros recursos mais brandos, são sim as punições que, em último caso, deve ser a transferência do aluno para outra instituição com vistas a manter a qualidade do ensino dos colegas e sua própria, já que, nesses casos, o ambiente para ele já está saturado, desmotivador e propício até que situações piores possam ocorrer. Antigamente se usava o termo expulsão, esse sim obsoleto e equivocado, já que o aluno terá o direito à educação preservado, mas em outro lugar, em tese mais salutar. Só que essa medida extrema, mas necessária, está sendo cada vez mais impossibilitada pelos educandários, por ordem de pessoas que não estão nos pátios das escolas. Falo dessa possibilidade apenas para exemplificar o quão limitado está poder administrativo das escolas brasileiras.

Dificilmente reprovo alunos. Se o estudante não atingiu o esperado só na minha matéria, tendo a crer que eu que devo ter me equivocado no meu plano de aula com aquele sujeito. Professor de História, pra somar, considero a minha área uma das mais ingratas no que tange a avaliação. Difícil mensurar o conhecimento histórico de alguém, mesmo com temas delimitados e feitas produções acerca deles. Aliás, um parênteses (os métodos avaliativos são estudados/criticados por quem não os aplica). Só que, por mais complicado que seja, cabe ao professor, em conjunto com os colegas, decidir se o discente tem ou não condições de avançar. Na hipótese de reprovação, há que se pensar estratégias para recuperar o aprendizado do em-questão, bem como para que ele não sofra rejeição com os colegas e/ou consigo mesmo, obviamente. Mas, repito, cabe ao colegiado docente essa difícil decisão, não a pensadores extra-classe.

Neste 15 de outubro, um feliz dia aos professores. Aos micros que ouvem das mais diversas áreas do conhecimento, menos da sua própria, como deve ser o macro. Um feliz dia àqueles que, nos dia de folga, trabalham preparando aulas e, ainda tem que ouvir a pergunta se só dão aula ou também trabalham. Aos que, com todos os percalços, seguem seu trabalho com otimismo, acreditando que serão um dia valorizados. Nem que seja com a interferência do Frota.

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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”

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