Redação Pragmatismo
Academia 19/Jul/2018 às 18:43 COMENTÁRIOS
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Como lidar com a epidemia que assola a pesquisa brasileira?

Publicado em 19 Jul, 2018 às 18h43

Universidade em depressão: pesquisa brasileira é assolada por epidemia. Há soluções?

epidemia que assola a pesquisa brasileira

Leonardo Carvalheira*, Huffpost

Salário estagnado há anos. “Você só estuda, chega de frescura!” Jornada de trabalho excessiva sem ganhar por hora extra. “Presta atenção, faltam 3 meses para entregar a tese.” Não existe fim de semana ou feriado. “Por que você ainda não publicou sua pesquisa?” Pressão além do normal por produtividade. “Seu colega conseguiu. O problema não é meu se o equipamento quebrou!” Seu orientador só tem tempo para te cobrar. “Você assinou contrato de dedicação exclusiva! Nem pense em complementar seus R$ 1,5 mil por mês“. Afinal, cientista não é profissão no Brasil.

A pesquisa toma todo o seu tempo, sua disposição e, muitas vezes, a sua sanidade. Este cenário nos cursos de pós-graduação é realidade para a maioria dos pesquisadores brasileiros. Sim, a maior produção científica no país vem de mestrandos e doutorandos de universidades públicas. Lidam durante sua formação com a extensa carga de aulas, estudo e trabalho. Os laboratórios são ambientes hostis de competição e, frequentemente, professores orientadores são seus piores pesadelos.

A pressão por publicar suas pesquisas em revistas, necessário para que a comunidade esteja ciente das novas descobertas, é gigante: só assim é possível sobreviver na área. Todos os anos de produção precisam ser resumidos numa tese com detalhes específicos que raramente alguém não especializado terá interesse por ler. Todo esse trabalho é, quase sempre, realizado com dinheiro público. Qualquer pequeno deslize nos experimentos pesa como desperdício de impostos.

Calma… pelo menos as pessoas com maior especialização acadêmica do país ganham bem, certo? Errado. No auge das suas produtividades, com 26, 28, 30 anos, ganham pouco mais de R$ 2 mil por mês, quando muito. Os pagamentos irrisórios costumam ser atrelados a um regime de dedicação exclusiva, ou seja, não há possibilidade de se envolver com outros projetos e trabalhos para complementar sua renda. Caso você ganhe um centavo a mais por outro trabalho corre o risco de precisar devolver todo o dinheiro que ganhou, além de responder processo judicial e nunca mais receber financiamento do Estado.

A perspectiva, infelizmente, é só piorar. Desde 2014 o investimento ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação só diminui. O que chegava na casa dos 7, hoje é menos de R$ 3 bilhões. E isso não é tudo! Para enterrar de vez a ciência brasileira, a verba e as atenções, desde 2016, são divididas com o Ministério das Comunicações. Este cenário já implica em laboratórios sem materiais, além de pesquisadores trancando seus cursos por impossibilidade de seguirem sem conseguirem bolsas.

Cientistas? Não, alunos. Aqui no Brasil você não tem direitos trabalhistas por pesquisar nas grandes universidades. As bolsas, a maioria pública, não assinam sua carteira de trabalho. Auxílios como os doença, alimentação ou transporte são sonho distante. É possível abrir mão desta forma de financiamento e optar por estudar, pesquisar e ainda trabalhar fora do campus, mas é um ponto fora da curva quase impraticável.

Há um cenário ainda mais difícil: já pensou fazer tudo isso e ter um filho? Faltam vagas nas creches universitárias. Não há tempo a perder quando se trata de pesquisas. Poucas horas de atraso são suficientes para acabar com anos de estudo. Enquanto você se dedica à família, outro grupo pelo mundo já publicou o seu estudo. A cobrança vai às alturas para que deixe o filho de lado e entregue a tese a tempo.

Só pelo ambiente descrito de pesquisa na pós-graduação, os alunos são 6 vezes mais propensos a desenvolverem depressão e ansiedade. Esperado para o cenário que vivemos no Brasil, não é mesmo? E se pesquisas te mostrassem que o dado é dos Estados Unidos? Infelizmente, os números brasileiros ainda são subnotificados em estudos, mas não se espera que sejam menos alarmantes do que estes. Somam-se fatores sociopolíticos e econômicos que não colaboram com a sanidade mental de pesquisador algum.

Os fatores aqui expostos são suficientes para explicar as altas nas notificações de transtornos mentais na pós-graduação. O que podemos fazer, então, para que possamos mitigar este quadro? Como estudante, família, amigo e, principalmente, orientador, é possível colaborar com um ambiente mais saudável. Pense se é realmente necessário antes de pressionar e realizar cobranças. A pressão acadêmica já é suficientemente grande para ser digerida. Não compare seus êxitos ou suas dores. Cada um tem sentimentos justificados pela sua história de vida e tempos diferentes a atingir objetivos. É sempre interessante pesquisar sobre saúde mental e conhecer os principais sintomas.

Seria muito bom se só isso fosse suficiente. Depressão, bipolaridade, ansiedade e outros transtornos são distúrbios químicos como qualquer outra doença. É muito bom se houver ajuda profissional assim que reconheçamos algum sintoma. Os alunos devem ter acesso fácil a psicólogos e psiquiatras no seu próprio instituto, pois é difícil, por conta das doenças, que corram atrás por conta própria. As instituições precisam financiar cursos a seus professores, os que orientam alunos, sobre administrar ambientes com alta pressão e propensão a distúrbios psiquiátricos. Devemos conversar abertamente sobre o assunto nestes ambientes.

Se é químico, por que não tratamos as pessoas com remédios como solução definitiva? A profilaxia é mais barata na grande maioria das enfermidades, com estas não é diferente. Assim como infecções por vias aéreas são mais frequentes no frio, dentre outros motivos, por juntar pessoas em lugares com pouca circulação de ar, distúrbios psiquiátricos são mais frequentes em ambientes com pressão acadêmica. A explícita diferença é que nas doenças virais o ambiente é pouco controlado por nós, enquanto nas psiquiátricas a humanidade define o andamento do ambiente. O contexto de aumento das suas frequências é social. Sem contar que apenas remediar e manter as pessoas num ambiente igual ao que foi o estopim para seus sofrimentos pode não resolver o problema.

A universidade, seus alunos e alunas estão doentes. Pedem, silenciosamente, ajuda dentro das quatro paredes de um laboratório. Um dos setores mais estratégicos para o investimento de um país está morrendo. A “fuga de cérebros” é só a ponta do iceberg da ciência brasileira. Vamos juntos conscientizar a comunidade ao nosso redor sobre saúde mental? Amenizar a insalubridade dos nossos preciosos centros de pesquisa é urgente.

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*Leonardo Carvalheira é divulgador científico, pesquisador pelo Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-tronco da USP.

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