Redação Pragmatismo
Saúde 19/Jun/2018 às 14:27 COMENTÁRIOS
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O que aprendi com o suicídio a partir dos casos em minha família

Publicado em 19 Jun, 2018 às 14h27

"As pessoas raramente conversam sobre suicídio e os dias em que falamos sobre o tema são especialmente difíceis. Eu tive um pai e uma irmã que cometeram suicídio e quero dar uma ideia para vocês do que aprendi sobre a cobertura jornalística do suicídio a partir do meu luto [...]"

aprendi com o suicídio a partir dos casos em minha família

Eu tive um pai e uma irmã que cometeram suicídio. Quero dar uma ideia para vocês de como é existir na internet em um dia como o da sexta-feira (8) – como é trabalhar na Internet em meio à cobertura frenética e exaustiva de um evento com ressonâncias pessoais. Porque as pessoas raramente conversam sobre suicídio, os dias em que falamos sobre o tema são especialmente difíceis.

Esta foi uma das primeiras coisas que vi quando fiquei online:

Quem é Ariane, a filha de Anthony Bourdain? Chef Foi Encontrado Morto Aos 61

Quem é a namorada de Anthony Bourdain, Asia Argento? Chef Foi Encontrado Morto Aos 61

Mais tarde que, à medida que surgiam outras notícias de que Anthony Bourdain havia cometido suicídio, os jornalistas do Newsweek instruíram que a equipe publicasse o máximo de histórias relacionadas a Bourdain do que seria humanamente possível de imagina.

Essa foi um estratégia transparente para aproveitar o tráfego dos mecanismos de busca, como revelado pelas manchetes caça-cliques e oportunistas que se espalharam por todas as redes sociais.

Qual é o patrimônio líquido de Anthony Bourdain? Chef, encontrado morto aos 61 anos, construiu o império de cozinha, mas o dinheiro não era a principal preocupação

Quem é a ex-esposa de Anthony Bourdain, Ottavia Busia? Chef morto aos 61

Quem é Eric Ripert, amigo e companheiro de Anthony Bourdain?

Existem muitos e muitos exemplos de chamadas como essas. O editor-chefe da Newsweek aparentemente ficou encantado com a cobertura e enviou um e-mail parabenizando a sua equipe por isso.

Mas, uma vez que a indignação com a insensibilidade dos artigos relacionados à Bourdain começou a borbulhar, “eles surtaram e deletaram os tweets” e “mudaram todas as manchetes” dos artigos, um funcionário da redação me disse.

Claro, não é apenas a Newsweek que faz isso; é assim que os suicídios das celebridades são cobertos agora, na economia da atenção.

A Newsweek acabou por ser um pouco sem noção na última sexta. E, claro, o que é a prostituição de SEO, se não uma reflexão divertida de como processamos as notícias hoje em dia?

Seja por voyeurismo ou preocupação genuína, as pessoas procuram incansavelmente por detalhes, tanto sobre o falecido quanto sobre os que estão ao seu redor, em profunda dor.

O cinismo do estilo da Newsweek estava ao lado de argumentos sérios sobre a importância de reduzir o estigma sobre o suicídio.

Eu vi os tweets dizendo para você checar as pessoas que você ama, mesmo se você acha que elas estão bem. Tweets sobre como os suicídios aumentam em sequência aos casos de suicídios de celebridades e tweets incentivando que as pessoas se mostrassem disponíveis para ouvir o outro, bem como tweets divulgando número do telefone de apoio se alguém precisar.

Todas essas ações são boas, verdadeiras e úteis, ou pelo menos elas acham que deveriam ser. Mas esses tweets também fizeram o meu intestino doer.

É a dor de ser lembrada do que perdi meu pai e a minha irmã para o suicídio, claro, mas também é a ansiedade de não saber o que fazer – como consolar aqueles que lidam com o que estou lidando, o que dizer àqueles que não têm idéia do que é passar por isso, mas continuar querendo ajudar, ou ainda se é ridículo da minha parte pensar que estou qualificado para toda essa ajuda, em primeiro lugar.

O cinismo e a preocupação estiveram juntos de maneiras estranhas naquele momento. Em um dia como aquela sexta-feira, acabo me sentindo vigiada.

Meu pai se matou em 2003, uma semana antes do ano novo e várias semanas antes de eu completar 14 anos. Minha irmã se matou em 2012, uma semana antes da minha formatura e várias semanas antes de eu me mudar para Nova York. A única outra vez que eu escrevi sobre isso foi há três anos. Eu nem tinha certeza se ia postar na hora. Mas estava chegando perto do Dia dos Pais e eu me senti triste, então comecei a escrever sem pensar muito sobre o texto.

Até então, dificilmente alguém com quem eu interagia diariamente durante o ano de 2015 sabia que meu pai estava morto ou que eu sequer tive uma irmã, embora tenha sido apenas três anos desde que eu a perdi, minha melhor amiga e uma das pessoas mais importantes da minha vida (um fato que eu gostaria de ter contado para ela muito mais vezes do que eu fiz).

Se eu não tivesse escrito esse artigo há três anos no blog, não tenho certeza de que muito mais pessoas saberiam hoje em dia sobre esse fato da minha vida. Eu raramente falo sobre isso, embora tenha passado tempo suficiente para que eu possa lembrar do meu pai sem ter que lutar contra as lágrimas e um nó na minha garganta.

Essa é a consequência de ter tido uma experiência íntima com o suicídio. Conhecer o suicídio é ser obrigado a sempre dar testemunho, não apenas como um ato de solidariedade com as pessoas que experimentaram algo semelhante, mas também como uma espécie de ativismo“.

Ser capaz de falar sobre a minha irmã sem o tremor a voz que provoca um bug na cabeça do tipo “eu me sinto-tão-triste-por-você”, no entanto, ainda parece estar a alguns anos de distância. Muitas vezes, é realmente mais fácil não dizer nada.

Mas também sei que esse texto ajudou outras pessoas em situações semelhantes a minha. Eu ainda recebo periodicamente e-mails de sobreviventes de suicídio cuja sensação de isolamento foi subitamente descongelada, ou de pessoas que pensavam em suicídio e que não consideravam totalmente o que a morte delas poderia causar àqueles com quem elas se importavam. Eu sei que deveria falar mais sobre a minha experiência.

Quando alguém famoso, especialmente alguém que significa tanto para tantas pessoas, morre por suicídio, uma voz em minha cabeça grita para eu sair de meus próprios pensamentos e fazer alguma coisa.

Essa é a consequência de ter tido uma experiência íntima com o suicídio. Conhecer o suicídio é ser obrigado a sempre dar testemunho, não apenas como um ato de solidariedade com as pessoas que experimentaram algo semelhante, mas também como uma espécie de ativismo – relembrar a consciência das pessoas que têm pensamentos de se matar, agir como um apoio para os seus entes queridos, mostrar-lhes que os destroços podem ser deixados em seu rastro.

Todo suicídio é pessoal.

Eu vejo toda a internet falando sobre essa coisa que eu carrego comigo todos os dias, essa coisa que me incomoda, me suga, e que eu sei que sempre vou me sentir isolada, mesmo nos meus melhores dias, mesmo quando eu for capaz de esquecer isso.

E eu li sobre as circunstâncias da morte dessa pessoa que eu nunca conheci, e é trágico e triste por si só, mas eu também estou revivendo o momento em que eu estava quando eu descobri que as pessoas que eu amava e precisava escolheram não existir mais.

Eu li sobre os membros da família devastados que ficaram para trás, mas também estou lendo sobre mim mesma. E quando eu falo com alguém sobre a perda trágica desta pessoa que estava tão doente e com tanta dor, eu também estou falando sobre a minha perda e sobre os meus entes queridos que estavam tão doentes e com tanta dor, mesmo se alguém percebeu isso ou não. É simplesmente exaustivo.

Ainda no começo da semana, um tweet do TMZ apareceu em meu feed anunciando a nota de suicídio que Kate Spade havia deixado para sua filha de 13 anos.

Eu também tinha 13 anos quando li a nota de suicídio que meu pai deixou para mim, então meu estômago embrulhou e meu pulso começou a acelerar e parecia que eu estava sendo exposta por algo que eu não conseguia sequer entender.

Mas eu cliquei no link e li as palavras e me senti mal imaginando milhares de estranhos lendo as palavras que meu pai deixou para mim, então eu me levantei e fui dar uma volta e tentei fazer qualquer coisa que pudesse para limpar a minha cabeça, mas realmente não ajudou. Então, ao invés disso, eu aceitei essa sensação.

Não me lembro exatamente quando li pela última vez a nota que ele me deixou, mas sei que li muitas vezes aquele texto. Centenas de vezes. Tantas vezes que o papel se tornou desgastado, frágil e pontilhado de manchas de lágrimas antigas que eu não consigo lembrar.

Eu conheço cada palavra da carta principalmente de coração, e isso é está gravado em minha memória, então eu me surpreendi quando decidi reler aquela carta na sexta-feira e, duas linhas depois, eu ainda comecei a chorar.

Não tenho certeza se estava chorando por meu pai, a quem continuo sentindo falta todos os dias. E não tenho certeza se estava chorando por minha irmã, a quem continuo sentindo sua perda a cada minuto.

Acho que estava chorando mais pela vida que eu perdi enfrentando o processo de luto e pelas risadas que costumavam vir com mais facilidade. E eu sei que dias como aquela sexta-feira sempre serão muito difíceis.

Ashley Feinberg, Huffpost

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