Redação Pragmatismo
Geral 11/Mai/2018 às 20:28 COMENTÁRIOS
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Karnal & Pondé: jornalistas de ocasião ou intelectuais espontâneos?

Publicado em 11 Mai, 2018 às 20h28

Este texto não é um ataque pessoal (não há razões para isso), mas sim uma reflexão sobre o que estas personalidades representam.

Karnal & Pondé jornalistas de ocasião ou intelectuais espontâneos
Luis Felipe Pondé e Leandro Karnal (reprodução)

Marconi Severo*, Pragmatismo Político

Para alguns de nossos filósofos (e de nossos escritores), ser é ser percebido na televisão; isto é, definitivamente, ser percebido pelos jornalistas, ser, como se diz, bem-visto pelos jornalistas (o que implica muitos compromissos e comprometimentos) – e é bem verdade que, não podendo se fiar muito em sua obra para existir com continuidade, eles não têm outro recurso senão aparecer tão frequentemente quanto possível no vídeo, escrever, portanto, a intervalos regulares, e tão breves quanto possível, obras que, como observa Gilles Deleuze, têm por função principal assegurar-lhes convites na televisão. (BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão)

Uma coisa é fato: não fosse a mídia (e aqui não se fala apenas em uma emissora x ou y), mas sim todo um vasto conjunto de rede aberta de televisão, jornais de grande circulação, sites etc.. bem como o empenho duvidoso de alguns jornalistas inseguros e/ou ambiciosos, ninguém saberia da existência de dois nomes relativamente corriqueiros (nesta mesma mídia): Leandro Karnal e Luiz F. Pondé. Preâmbulo: este texto não é um ataque pessoal (não há razões para isso), mas sim uma reflexão sobre o que estas personalidades representam. A lógica é semelhante àquela da análise que fiz sobre o Bolsonaro: a pessoa, em si, não é nada; mas o papel que ela encarna, autoriza e legitima este sim, é potencialmente letal.

Primeiro: os grandes aglomerados midiáticos são empresas privadas. E, como em qualquer empresa privada, o que se busca é o lucro. E se a mídia for do Estado ou, como preferem alguns, do governo? Seria igualmente tendenciosa: o lucro, ao invés de ser apenas financeiro, seria simbólico: especialmente medido em termos de legitimação deste ou daqueles que estão nas posições políticas dominantes. Não podemos esquecer que nos regimes totalitários a mídia estava sujeita ao domínio do Estado, transmitindo aquilo que os governantes julgavam como conveniente (aliás, Goebells ainda hoje é um ícone em estudos midiáticos). Como é de se esperar, é óbvio que estas constatações devem estar na base de qualquer análise que pretenda um mínimo de respeito. No entanto, mesmo no campo acadêmico é possível encontrar posicionamentos exageradamente ingênuos, que beiram a infantilidade: “a mídia é tendenciosa”, “rede esgoto de manipulação”, etc., como se acreditassem que a mídia (pública ou privada) tivesse algum compromisso com a verdade, como se fosse científica.

Segundo: se mesmo os profissionais, estudiosos da comunicação, comentem este crasso engano, o que dizer do cidadão leigo? Ademais, sejamos práticos: mesmo que influenciados por modismos de ocasião, muitos estudantes da mídia são, na verdade, estudantes para a mídia. Na prática, não há um campo midiático preocupado com a verdade pura, com a busca de conhecimento e com o esclarecimento justo e equitativo (salvo raríssimas exceções, as quais justificam o superlativo). O que existe relacionado ao campo midiático é um mercado de trabalho – a própria expressão deveria causar arrepios –, tão cruel e explorador quanto qualquer outro, senão mais, devido ao que é exigido daqueles que pretendem nele ingressar e, concordando ou não com as regras do jogo, também nele jogar – e ser jogado.

Terceiro: a falta de reconhecimento nos seus respectivos campos de atuação e, com isso, entramos no caso de Karnal e Pondé. Ao leitor amigo, pergunto: quando você se depara com estes nomes qual o livro, qual o artigo, qual a contribuição intelectual autêntica que lhe vem à mente? Nenhuma? Mas com certeza não faltam vídeos, áudios, frases e expressões, especialmente aquelas deploráveis autoajudas, tão corriqueiras nas redes sociais e aplicativos, não é mesmo? Quando, ao assistir um programa de rede aberta, o espectador se depara com o Karnal ou o Pondé (mas têm outros, claro), ele diz “Ah!, estes eu já conheço. São muito inteligentes!”, mas, em não raras as ocasiões, desconhece profundamente aquelas pessoas que dedicaram uma vida inteira à pesquisa do assunto em ocasião – muitas vezes, verdadeiras autoridades no assunto.

Eis o essencial Karnal e Pondé não pertencem ao campo intelectual e, muito menos, ao científico. Eles não são reconhecidos como autóctones neste meio, assim como suas opiniões possuem pouco ou nenhum valor. Mas isso não os torna pertencentes ao campo televisivo/midiático: também nele são considerados como exóticos e, como tal, só tem direito à palavra quando autorizados ou requeridos por aqueles que pertencem, de fato, a este campo. Então, quem são eles? Pessoas que mantém um “jogo duplo”, como diria Bourdieu, tentando extrair o máximo de vantagens para si, de ambos os lados, paradoxalmente pertencendo a ambos e a nenhum dos campos em questão. Mas isso é perigo, aliás, é altamente nocivo. Por quê?

Porque eles servem à mídia legitimando os mais abjetos e ascos discursos midiáticos. E somente o fazem isso por conta de sua ambivalência com o campo intelectual/científico. Entenda-se que não é o Karnal que autoriza tal e qual absurdo, mas o “professor universitário, doutor em história”; não é o Pondé que legitima o patriarcado, mas o “filósofo pondé”: a opinião é legítima e legitimadora, e aqui está o perigo. Eles utilizam-se de uma posição intelectual elementar que não é suficiente para consagrá-los no campo científico, tampouco torna-los reconhecidos entre seus pares. No entanto, tal situação é suficiente para legitimar “cientificamente” objetos do interesse da mídia (neste caso, a televisão). A nocividade fica por conta do poder de inculcação constante, quase uma sedução, que age sobre muitas mentes vazias e sempre prontas para assimilar uma visão alheia ao abrir mão da sua própria autogestão (vítimas de violência simbólica): eis a razão da elevada demanda por produtos de autoajuda…

Aliás, mesmo no campo intelectual, o que não faltam são pessoas que fariam de tudo para assumirem posições como as de Karnal ou Pondé. Mas estas são personalidades frágeis, ao mesmo tempo e que ambiciosas e interesseiras. Este é o perfil corruptível daqueles que se deixam encantar pela complacência: “ele é doutor em história, assim como eu”, ou visam tirar uma casquinha de status “somos da mesma área”, “também sou filósofo”, etc. Mesmo entre aqueles que se almejam intelectuais e que, justamente por isso, são parcialmente lúcidos contra a “maldosa mídia opressiva”, não faltaram apoios quando uma integrante BBB se disse “cientista política”. Fatos como estes colocam em evidência não apenas a legitimidade, mas a própria originalidade daqueles que se dizem contra tal coisa, mas “torcem por uma cientista política, assim como nós”. Só se o “nós” for deles…

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Karnal e Pondé (novamente: existem outros!), justificam a epígrafe: “ser, é ser percebido na televisão”. Seguindo o raciocínio de Bourdieu, percebe-se que estas são pessoas que não podem confiar na solidez de sua obra, e por isso mesmo estão sempre prontos para aparecem na televisão (mas não como dispostos, e sim como desesperados): se não fizerem isso, assim como qualquer outro modismo virtual, eles simplesmente deixam de existir. Veja que eles não estão na televisão apenas para contribuir com ela, por meio de sua opinião; eles estão lá motivados justamente por esta necessidade vital de existência. Tal situação constitui um vício, uma vez que suas vidas mantêm-se somente através de doses constantes de pequenos espetáculos, além de que a abstinência pode significar queda imediata, ou seja, pode ser letal.

Todavia, não se trata de tudo ou nada. O verdadeiro intelectual, por vezes, tem o dever de aproveitar a ocasião e se fazer presente na televisão, tem o dever de incomodar, de abalar as estruturas ao dizer que não, não é bem por ali… Ora, como diz Bourdieu, “o tempo é algo extremamente raro na televisão”, logo, sua administração tende a ser a mais criteriosa possível – a audiência é lucro –, e o desperdício de um recurso como este é inconcebível. Por isso, o papel do jornalista, por exemplo, em um debate ao vivo, é sempre o de maximizar os ganhos que a ocasião permite: ele já sabe que a opinião do convidado servirá apenas para ratificar o exposto; não é interessante promover debates em um debate, mas sim ratificações. É por isso que Jessé Souza pode não ser convidado novamente para coisa alguma, ao passo que Karnal e Pondé certamente terão seus lugares garantidos – mediante cumpli
cidade e concessões de toda sorte nos bastidores, além da desconsideração de aspectos ético-profissionais.

Mas, antes de concluir estas colocações, há ainda dois fatores que devem ser ressaltados. O primeiro diz respeito ao potencial crescente, justamente por constituir uma alternativa, que há em mídias como estas: de certa forma, livres. Antes de qualquer coisa, a originalidade autoral e o compromisso assumido frente ao seu público, estão na base de uma relação estável e promissora com o verdadeiro esclarecimento e construção do conhecimento – que, aliás, também pode gerar benefícios em termos de capital econômico.

A segunda colocação diz respeito às altas capacidades cognitivas do público apreciador de Karnal e Pondé: recentemente, tive notícias através de um amigo que, aliás, é um tanto inseguro de si, que há uma interessante autoajuda lançada por Karnal (e, se não me engano, parece que a leitura era extremamente fácil de ser assimilada, o que a torna apta para qualquer pessoa que não gosta de ler…). Aliás, visando tornar público o seu “saber inigualável” de forma que atinja o máximo possível de necessitados por autoajuda, Karnal e Pondé descobriram o poder do YouTube e das redes sociais. No entanto, aqueles que descobriram recentemente estes recursos e acham que perderam algo, podem ficar calmos: na maioria dos casos, o discurso é sempre o mesmo… Se, conforme disse Bourdieu, a televisão possui interesse em formar uma massa relativamente irracional que, por sua vez, demanda por produtos “perfeitamente ajustados às suas estruturas mentais”, fica fácil de compreender o papel desempenhado por pessoas como Karnal e Pondé, no qual “ser, é ser percebido na televisão”.

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*Marconi Severo é Cientista Social & Político e colaborou para Pragmatismo Político

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