Redação Pragmatismo
São Paulo 02/Mai/2018 às 17:40 COMENTÁRIOS
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A história do edifício Wilton Paes de Almeida no largo do Paissandu

Publicado em 02 Mai, 2018 às 17h40

Das 5 principais construções da época do Wilton Paes de Almeida, três foram palco de tragédias. O prédio que desabou nesta semana já foi considerado exemplo de modernidade e destoava dos demais ao seu redor

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Edifício Wilton Paes de Almeida em 1969 e em 2016 (Fotos: São Paulo Antiga)

Douglas Nascimento*, São Paulo Antiga

Quando pensamos em edifícios modernos e arrojados logo vislumbramos regiões como a das Avenida Paulista, Berrini e Faria Lima. Entretanto o centro de São Paulo também possui exemplos notórios de arquitetura de vanguarda.

São construções que debutaram principalmente na década de 1960, época em que São Paulo ainda crescia a passos largos e ainda carregava o apelido de ˝Paliteiro da América Latina˝.

Curiosamente das 51 principais construções desta época, três foram palco de tragédias: Os Edifícios Joelma, Andraus e, em 2018, o Wilton Paes de Almeida. E é este último que iremos abordar neste artigo.

Ousado projeto arquiteto Roger Zmekhol, o Wilton Paes de Almeida partiu de uma obra onde foi aproveitado o máximo do pequeno espaço disponível para se erguer um arranha-céu, em uma área da cidade já densa e com poucos terrenos ainda disponíveis para a construção de edifícios.

Zmekhol projeto em um terreno de 650 m², um gigante de estrutura metálica com lajes de concreto que concluído totalizava impressionantes (para sua época) 12.000 m².

Sua construção foi iniciada em 1961 e concluída em 1968, já no final da década, sendo realizada pela Morse & Bierrenbach². O prédio leva o nome do banqueiro Wilton Paes de Almeida, um de seus idealizadores e investidores que faleceu em 1965, antes da inauguração do edifício.

A modernidade da construção, destoante de todos os demais ao seu redor, não ficava restrita apenas ao exterior. O edifício possuía um eficiente sistema de ar-condicionado central, que atendia a todos os andares, mármore importado da Grécia no acabamento dos pisos, e uma moderna e até então inovadora e inédita central de PABX da empresa Siemens.

O luxo se estendia aos vidros que envolvem todo o edifício, que eram de cristal Ray-Ban, importados da Bélgica. As janelas basculantes (que não eram todas) eram feitas de um sistema novo para a época, que permitia sua abertura sem fazer qualquer esforço (era possível deslizar apenas com dois ou três dedos).

Ainda falando do conforto do prédio, o edifício contava com um elevador privativo para o andar da presidência do grupo empresarial, no 18º andar, e um enorme restaurante para funcionários no 21º, que comportava até 200 pessoas de uma vez. Na cobertura havia um heliporto.

Edifício abrigava mais de uma empresa

No Wilton Paes de Almeida coabitavam várias empresas, a grande maioria delas pertencente ao mesmo conglomerado e ligadas ao então dono do edifício o empresário, banqueiro e político Sebastião Paes de Almeida³. Ali operavam, entre outras menores, a Companhia Comercial de Vidros do Brasil (ou CVB), Socomin, Banco Nacional do Comércio de São Paulo, Banco Mineiro do Oeste S/A e a Oleogazas.

Apesar de todo esse número de empresas, sucessivas crises econômicas no país levaram os proprietários do edifício a contraírem dívidas com o governo federal que não puderam ser honradas. A situação ficou insustentável e no final da década de 1970 colocaram o edifício à venda. Em 1977 ele foi adquirido pela Caixa Econômica Federal.

O começo do fim

Em 1978, após cerca de um ano de inatividade, o edifício passa a contar com uma agência da Caixa no térreo e também outras repartições do banco em outros andares (os mais baixos), como a Chefia de Contencioso Fiscal.

Posteriormente o prédio receberia um posto do INSS e no início dos anos 2000 passou a abrigar a Polícia Federal. Durante esse período quase nada era feito para manter o prédio em boas condições.

Anos mais tarde os dois órgãos públicos deixaram o Wilton Paes de Almeida para que vazio ela fosse colocado à venda pela União. Com a morosidade do processo e a ausência de interessados em um primeiro momento, o prédio foi ocupado por pessoas pobres e sem moradia.

Sem eletricidade ou elevadores funcionando a situação do prédio já era precária estando desocupado. A partir do momento em que pessoas passam a habitar nele o risco de algo trágico acontecer passou a ser ainda maior.

O improviso na busca por luz elétrica, água potável e até mesmo para cozinhar passou a fazer do moderno edifício dos anos 60, agora em total abandono, uma tragédia anunciada.

A madrugada de 1º de Maio de 2018 começou de maneira trágica para as famílias que ocupavam o decadente arranha-céu paulistano. Um incêndio que iniciou-se no 5º andar do prédio rapidamente alastrou-se pelos demais andares.

Apesar do desespero o Corpo de Bombeiros conseguiu agir rapidamente e resgatou quase a totalidade das pessoas que ali estavam, sendo que muitas conseguiram deixar o prédio antes, pela porta principal.

Entretanto, já comprometido pelo mau uso e abandono de anos, o prédio foi tomado pelas chamas que chegaram inclusive a atingir duas construções vizinhas. Pouco tempo depois o Edifício Wilton Paes de Almeida viria a desabar, restando apenas escombros, a dor de pessoas que nada tem e o triste problema habitacional de São Paulo ainda mas escancarado.

Quantas outras tragédias como esta ainda terão que acontecer para que nosso problema habitacional seja encarado de frente ? Estima-se que só no centro da capital paulista existam 22 mil imóveis desocupados.

Dados do Edifício Wilton Paes de Almeida

– Projeto: Roger Zmekhol
– Construção: Morse & Bierrenbach
– Ano do início da obra: 1961
– Conclusão: 1968
– Andares: 24
– Área do terreno: 650 m²
– Área construída: 12.000 m²
– Tombamento: 1992
– Desabamento: 2018

Notas:

1 – O moderno Edifício Mendes Caldeira, contemporâneo de Andraus, Joelma e Wilton Paes de Andrade, foi demolido através de uma implosão durante as obras da Estação Sé do Metrô. Sua existência foi breve, de apenas 14 anos.

2 – A Morse & Bierrenbach também foi responsável pela construção de um edifício na Rua Conselheiro Crispiniano que, por décadas, abrigou a famosa loja Museu do Disco. Atualmente este edifício encontra-se vazio nos andares superiores.

3 – Um dos idealizadores do edifício, Sebastião Paes de Almeida foi presidente do Banespa e no governo paulista também atuou como secretário da Fazenda e da Agricultura. No esfera federal foi presidente do Banco do Brasil durante a gestão do então presidente Juscelino Kubitschek. Posteriormente presidiu a Cosipa e ainda seria eleito deputado federal.

Bibliografia consultada:

O Estado de S. Paulo – 12/05/1979
O Estado de S. Paulo – 03/07/1965
O Estado de S. Paulo – 28/02/1961

*Douglas Nascimento é jornalista, fotógrafo e pesquisador independente, edita o site São Paulo Antiga e é membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP). Também edita o blog Human Street View, focado em comparações fotográficas entre a atualidade e o passado.

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