João Miranda
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Lula 06/Abr/2018 às 15:54 COMENTÁRIOS
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Defender Lula é defender a democracia

João Miranda João Miranda
Publicado em 06 Abr, 2018 às 15h54

Não podemos desanimar diante desse cenário trágico e deixar o golpismo acabar com a nossa jovem democracia e afundar em miséria o país. Eles venceram uma batalha, mas não é o fim. Apesar dos golpistas, amanhã há de ser outro dia.

Defender Lula é defender a democracia

João Elter Borges Miranda*, Pragmatismo Político

A poderosa tríade formada por grupos políticos e econômicos, órgãos de comunicação e uma parcela do judiciário, que possuí os seus tentáculos espalhados em cima de terras, pessoas, direitos, novamente atentam contra a democracia. Muito aquém de ser uma luta contra a corrupção, a decisão do Supremo Tribunal Federal trata-se de uma combinação de interesses políticos e econômicos e, por isso, não há justiça em sua decisão em relação a Lula.

A sua condenação se deu via um processo ilegal, pautado por juízes notoriamente parciais e que não só não possuíam provas contra o ex-presidente, como também não conseguiram sequer caracterizar a ocorrência de um crime.

Ninguém precisa conhecer muito Direito para perceber que o estado de coisas envolvendo Lula carrega problemas jurídicos graves. Práticas políticas questionáveis como toda a operação repressiva e espetacularizada envolvendo, no passado recente, o depoimento do ex-presidente Lula, assim como o vazamento seletivo de informações da Lava Jato, um abuso de prisões preventivas e de delações, criam um clima ‘schmittiano’ de suspensão da lei, intensificado por uma relação promíscua entre Judiciário e ‘grande mídia’.

Até as pedras do calçamento viram nas últimas semanas as redes corporativas de notícias, principalmente a Rede Globo, orquestrarem uma escandalosa pressão para que o STF impedisse que Lula tivesse o direito, que é de todo cidadão, de defender-se em liberdade até a última instância. Não bastasse todo esse espetáculo de tragicomédia, a presidenta do STF ainda determinou mais um procedimento de Estado de Exceção ao pautar o julgamento do habeas corpus de Lula, antes de apreciar as ações que restabelecem a presunção da inocência como regra geral.

Isso é algo que aconteceu há pouco, mas podemos lembrar também do “casamento” entre grande mídia e a Lava Jato. Até os periquitos viram a mídia receber operação uma série de informações, delações, áudios vazados e, com todo esse aparato, cobrirem exaustivamente essa investigação, explorando tudo em seus mínimos detalhes e, quase sempre, fazendo ilações, apostando em denúncias, até condenando moralmente os envolvidos nos esquemas de corrupção antes do julgamento.

Nessas circunstâncias, o processo envolvendo Lula é mais uma ameaça à democracia. Consequentemente, esse caminho, em lugar do enfrentamento honesto dos conflitos históricos que assolam o Brasil, pode ampliar ainda mais as aporias de nossa realidade atual, tornando mais difícil para o país seguir adiante. Numa democracia frágil como a nossa, são reais as chances de ela sair ainda mais prejudicada desse processo – o que, por sua vez, possibilitará que sejam ressuscitadas as múmias da ditadura, como querem Bolsonaro e muitos dos seus seguidores.

Não podemos, portanto, aceitar os remos do patrão para sobreviver às ondas e redemoinhos da crise política e financeira. Esses falsos líderes que passam a vida de costas para o Brasil, beneficiando-se da crise, do roubo de terras e do aniquilamento de culturas, fazem de tudo para se manter intocáveis. Se comprarmos o seu discurso, não sobreviveremos à força da correnteza e despencaremos do alto da cachoeira, levando o país junto.

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Afinal, não se constrói um projeto político com ególatras que se banham em ódio e exalam o aroma do fascismo. A burguesia brasileira tinha tudo para costurar com Lula um acordão e tentar novamente um governo sustentado por uma megacoalização. Entretanto, ela decidiu radicalizar, apostando num ato falho ambulante da extrema-direita – o Bolsonaro. É um erro estratégico que pode sair caro para todos nós. Mais uma vez corremos o risco de pagar o pato inflado pela burguesia interna. Digo isso porque é muito provável que o Bolsonaro e seus seguidores alucinados saiam do controle, abrindo a porteira para o restante da milicada implantar “golpe pleno” com fechamento do Congresso, queima da Constituição e tanques nas ruas.

Por isso e muito mais, ser contra o que está envolvendo Lula significa posicionar-se contrariamente a um movimento que coloca em risco a democracia, a justiça, a Constituição. Não se trata de defender Lula em si e muito menos o PT. Ser contra esse processo identifica uma tomada de posição a favor da defesa dos direitos humanos fundamentais, como o direito a defesa em liberdade. Para lutar pelo Estado Democrático de Direito não é necessário ser dilmista, lulista, petista, basta ter o mínimo de lucidez e decência.

Precisamos ir às ruas. Mas, não posso deixar de manifestar que é lamentável a Central Única Dos Trabalhadores (CUT) só ter “acordado” agora para a importância de ocorrer manifestações em todo o país. Depois de estarmos há tanto tempo nas ruas, nos manifestando contra os ataques e atentados promovidos pelo governo Temer, só agora a central decidiu convocar as suas bases em todo o país. E isso é, no mínimo, lamentável.

Não posso deixar de manifestar também o meu repúdio à figura do ex-presidente Lula. Considero ele um político deprimente, mas, tenho clareza de que o esforço em volta da pauta que versa sobre a sua prisão está para além dele mesmo; como eu disse antes, não se trata de defender o Lula em si, mas sim de uma luta em defesa da democracia.

Ainda que eu tenha uma série de críticas ao ex-presidente e com relação a morosidade anterior da CUT, fico feliz em ver gente que “não se bica” estar agora se reunindo para lutar contra as arbitrariedades que estamos vivenciando há muito tempo.

É fundamental derrubarmos os muros e grades que nos separam e nos unirmos, não para dar fim às diferenças que nos caracterizam, e sim para repensarmos e refundarmos, juntos, um lúcido projeto de país que não deixará espaço para que haja mais irregularidades e barbáries. Unidos encontraremos respostas para transcendermos as aporias de nossa realidade atual; teremos mais forças para lutar contra a corrupção que permeia partidos, ideologias, poderes, instituições; vislumbraremos mundos novos e infinitas possibilidades de renovação do sistema político e fortalecimento da democracia.

Para tanto, o caminho é esse mesmo: tornar-se ator do processo político, e não mais somente um espectro. Não podemos desanimar diante desse cenário trágico e deixar o golpismo acabar com a nossa jovem democracia e afundar em miséria o país. Eles venceram uma batalha, mas não é o fim. Apesar dos golpistas, amanhã há de ser outro dia.

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*João Elter Borges Miranda é professor de história formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e milita na Frente Povo Sem Medo e Intersindical.

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