Luis Gustavo Reis
Colunista
São Paulo 04/Out/2017 às 16:20 COMENTÁRIOS
São Paulo

O muro da vergonha

Luis Gustavo Reis Luis Gustavo Reis
Publicado em 04 Out, 2017 às 16h20

Quando nossa complacência ou omissão permite que muros sejam construídos, estamos interrompendo um princípio nevrálgico da vida em sociedade: a convivência

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Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político

Não é de hoje que muros são construídos para impedir ataques de inimigos, separar ricos e pobres, segregar brancos e negros ou mesmo para esconder aquilo que não se quer ver.

A famosa Muralha da China, construída entre os séculos VII a.C e XVII, foi pensada como forma de proteger os Estados e impérios chineses contra as invasões de grupos inimigos.

Durante os períodos que ficaram conhecidos como Idade Média Central e Baixa Idade Média, que vão de meados do século XI ao século XV, a sociedade medieval europeia passou por grandes transformações. O desenvolvimento das cidades alterou a paisagem e a dinâmica social. As primeiras cidades eram verdadeiras fortificações, formadas por castelos cercados de muralhas, circundados por vilas onde viviam a população menos abastada.

A construção de muros ao redor das cidades medievais veio da necessidade de proteger os poderosos e seus acólitos das guerras e dos infortúnios dos invasores.

Os exemplos de sociedades muradas são vários, atravessam diferentes regiões e períodos históricos, mas nenhum deles é tão repugnante como nos tempos atuais. Se na China Antiga e no Período Medieval havia uma ameaça real de invasão, atualmente é o desejo de esconder a pobreza e o medo causado pela violência que motiva uma vida atrás de muros e cercas elétricas.

Condomínios de luxo estão cada vez mais equipados com aparato sofisticado de segurança e monitoração. Os sistemas de proteção contam com alarmes, câmeras, seguranças armados, além de tecnologias e serviços fornecidos por empresas especializadas nesse ramo, muitas vezes com assessoria direta do policiamento público oficial. Todas essas medidas apenas oferecem a sensação de segurança, mas não uma vida isolada dos males sociais que caracterizam as grandes metrópoles. Como cantou o grupo de rap Facção Central: “Por que não fui morar na Europa? Grande merda essa blindagem foi só abrir a porta.”

Como a manutenção da pobreza é uma proposta política altamente sofisticada, o estado recorre a variados artifícios para esconder os desclassificados sociais e convencer a população de que o confinamento deles é fundamental para garantir a “paz social”.

Em 2011, o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, construiu um muro na Linha Vermelha, principal via de acesso ao aeroporto internacional do Galeão, para que os turistas que cheguem a cidade não vejam como vivem os moradores das chamadas Favelas da Maré, uma das maiores comunidades carioca.

Eduardo Paes fez escola. Seguindo seu exemplo, cinco anos depois a administradora da rodovia dos Imigrantes, estrada que liga a capital de São Paulo ao litoral, resolveu construir um muro para, segundo a concessionária, “melhorar as condições de segurança pública da rodovia”.

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Com esse argumento pífio, referendado pelo governo do estado, construiu uma cortina de concreto de 1 quilômetro de extensão e escondeu da vista dos turistas os cerca de 25 mil habitantes de Vila Esperança, comunidade localizada em Cubatão (SP) que há anos é vilipendiada pelo poder público, mas cujo nome inspira coragem.

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A Vila Esperança é habitada majoritariamente por jovens e crianças. Os demais moradores, adultos e idosos, que antes aproveitavam os congestionamentos para vender produtos (água, refrigerante, biscoitos etc) aos motoristas impassíveis, assistiram à construção do muro inviabilizar suas atividades e os empurrarem para o desemprego, uma vez que ficou praticamente impossível contornar a barreira de concreto. Quando conseguem acessar a rodovia são ejetados pelos policiais rodoviários e impedidos de praticar o comércio.

A maioria dos moradores não tem renda fixa, moram em habitações precárias intercortadas por esgotos não tratados, convivem com o tráfico de drogas, com a inoperância do estado e com o descaso da opinião pública.

Para Sebastião Ribeiro, líder comunitário conhecido como Zumbi, a construção representa o “muro da vergonha”. Para ele, a alegada violência não justifica a barreira de concreto: “Quando não sabem o que fazer, constroem um muro e acham que resolveram o problema. São mais de 20 mil moradores pagando pelo que uns poucos fizeram”.

A iniciativa na Vila Esperança espelha uma prática recorrente dos poderosos que controlam o Brasil. Em vez de promover projetos de desenvolvimento sustentável, construir moradias adequadas, garantir acesso a elementos básicos para uma vida descente, constroem muros para isolar os pobres e alargar ainda mais o abismo que caracteriza a sociedade brasileira.

Quando nossa complacência ou omissão permite que muros sejam construídos, estamos interrompendo um princípio nevrálgico da vida em sociedade: a convivência.

E aqui o texto limitou-se aos muros físicos, não citou os vários muros da intolerância, do sectarismo ideológico, da falta de diálogos e das rotulações simplistas construídas cotidianamente por cada um de nós.

*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo Político

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