Redação Pragmatismo
Geral 22/Set/2015 às 10:20 COMENTÁRIOS
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Ele sobreviveu no gelo, por dois dias, sozinho, ameaçado por três ursos polares

Publicado em 22 Set, 2015 às 10h20

"Como sobrevivi por dois dias no gelo com três ursos polares". Aventureiro russo que tentava dar volta ao mundo sozinho descreve sua batalha contra fortes ventos, temperaturas extremas e alguns hóspedes inesperados

gelo Sergey Ananov aventureiro russo
Sergey Ananov (divulgação)

Em julho, o aventureiro russo Sergey Ananov foi forçado a pousar seu helicóptero nas gélidas águas entre o Canadá e a Groenlândia. Em depoimento ao programa de rádio Outlook da BBC, ele descreve sua batalha de dois dias contra fortes ventos e temperaturas extremas – e alguns hóspedes inesperados:

por Sergey Ananov

“Sempre me sinto muito livre, relaxado e feliz quando estou voando em helicópteros e era exatamente assim que eu me sentia um pouco antes das 11h30 do dia 25 de julho.

Estava na metade de um voo de seis horas entre Iqaluit, no Canadá, e Nuuk, na Groenlândia. Voava acima de um espesso tapete de neblina e, abaixo de uma cobertura de nuvens, conduzindo meu Robinson R22 por esse macio corredor cinza, sozinho no mundo com o barulho do motor e sentindo uma felicidade intensa.

Perto de mim, no assento do passageiro, estava um tanque de combustível extra que eu apelidei de Wilson por causa da bola de vôlei do filme Náufrago.

E, 460 metros abaixo de mim – embora eu não pudesse ver, por causa da neblina – estavam o gelo e as águas geladas do Estreito de Davis.

Subitamente, senti uma sacudida na cauda e perdi cerca de metade do poder das hélices. O motor estava funcionando bem, então conclui que isso significava um problema na transmissão. A velocidade estava caindo rapidamente – nada bom. Não queria arriscar cair como uma pedra, então acelerei, o que significava perder altitude. O helicóptero balançava e dava guinadas e, em poucos segundos, ficou claro que eu não conseguiria continuar.

Era o dia 42 da minha tentativa de virar a primeira pessoa a circunavegar o mundo sozinho em um helicóptero que pesava menos que uma tonelada (907 kg).

Mudei o helicóptero para um modo de segurança que permite que ele plane. Ao passar pela camada de neblina, que estava apenas 60 metros acima do mar, vi, no canto do olho, um convidativo bloco de gelo. Mas eu estava perdendo rotação rápido e teria sido perigoso tentar estender o voo para alcançá-lo, então fui direto para a água.

Não concordo com a palavra ‘cair’, que jornalistas costumam gostar tanto. Não foi uma queda. Foi um pouso forçado na água, controlado e suave. Eu não sofri nada.

A cauda do helicóptero afundou imediatamente. Tirei meu cinto de segurança e abri a porta. Instantaneamente, havia água congelante até meu pescoço. Eu estava usando uma roupa de sobrevivência, mas apenas até a cintura. A parte de cima estava aberta porque acho impossível voar com braços e parte de cima do corpo vestidos com isso. Minha adrenalina no momento era tão forte que não senti nem um pouco de frio. Nadei para fora do helicóptero e mergulhei de novo para pegar o bote salva-vidas que estava embaixo do meu assento.

Todas as vezes que eu tinha ensaiado, na minha cabeça, um pouso na água, havia programado meu cérebro para pensar que o bote seria minha primeira prioridade. Eu salvei minha vida, mas não da forma que imaginei.

Acabou que eu estava a apenas 50 m do bloco de gelo que havia visto antes de pousar, e isso foi melhor que o bote inflável. Nadei até lá e subi. Ele tinha cerca de 15 a 20 m de diâmetro. A esta altura, o helicóptero havia desaparecido de vista – em 30 segundos mais ou menos ele havia afundado nas águas azul-marinho.

Então eu tirei minha roupa de sobrevivência. Apenas de cueca e tremendo muito com o vento, torci o máximo de água que podia do traje. Então coloquei a roupa de novo, encharcado e congelando. Vesti tudo desta vez, usando até o ridículo capuz.

O vento estava me matando. Agachei em uma posição horizontal e inflei o bote salva-vidas. Era amarelo e quadrado. Prendi uma ponta do bote na minha perna e segurei a outra com minha mão, e me escondi embaixo dele, usando-o como um quebra-vento.

Foi quando comecei a me questionar. Estava viajando com dois localizadores, um transmissor de localização por rádio e um telefone por satélite, mas todos afundaram com o helicóptero. ‘Por que você não mergulhou e pegou eles? Seria desagradável mas eu deveria ter ido’.

Mesmo assim, eu estava confiante de que o alarme soaria. Eu tinha muitos amigos que estavam monitorando meu progresso e veriam no localizador que meu helicóptero havia parado. Mas eu também sabia que a última posição do localizador poderia ser um pouco longe do local onde pousei, e como ele não era ativado manualmente meus amigos não poderiam saber que eu ainda estava vivo.

Eu tinha algumas garrafas de água, cerca de meio litro, e um pequeno pacote de barras de proteína – cerca de 2.000 calorias de comida. Também tinha três sinais luminosos que estavam no bote salva-vidas.

Levantei e tentei me mexer um pouco, para manter a circulação, mas comecei a ofegar como se estivesse fazendo exercícios físicos pesados. Durante todo o tempo no gelo, não parei de tremer um segundo.

Uma coisa que não me preocupava eram ursos polares. Meu bloco de gelo estava à deriva na água, com apenas alguns blocos de gelo próximos. Só havia água e vento ao redor.

Então, cerca de quatro horas após meu pouso forçado, estava deitado de bruços na minha tenda improvisada tentando manter calor e respirando o mais superficialmente possível, quando ouvi uma respiração pesada perto. Espiei por baixo do bote e o vi, um urso polar, cheirando o ar e caminhando em minha direção.

Tinha que tomar uma decisão instantânea. E decidi que, já que ele havia me surpreendido, eu iria surpreendê-lo. Pulei e joguei o bote salva-vidas. Boo! Corri na direção dele, braços esticados, rugindo. ‘Grrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!’

Estava tentando demonstrar raiva, e estava realmente bravo – comigo, com a minha situação e com o urso que de alguma forma chegou ao meu bloco de gelo. Como ele ousava vir aqui e tentar me comer!

Eu devia parecer ridículo, como quando a gente finge ser um monstro com crianças. Mas funcionou. O urso virou as costas e fugiu. ‘Ok’, pensei, ‘ele sabe que eu mando aqui – agora preciso elaborar isso’. Então fui atrás dele.

Chegamos ao final do meu bloco de gelo e ele pulou para outro. Fiquei na minha borda, braços levantados e rugindo. E eu vi que o mar ao meu redor havia se transformado, tudo havia se movido por causa do vento. Meu bloco de gelo não estava mais isolado, como uma pequena ilha. Claro que eu não estava a salvo de ursos.

O urso correu por mais uns 25 metros. Então ele sentou e olhou para mim caladamente. Ele queria saber o que eu faria a seguir.

O que poderia fazer? Não podia simplesmente virar e voltar para meu bote salva-vidas. Então fiquei ali e continuei rugindo, deixando claro que ele não eram bem-vindo na minha ilha. Ficamos assim por mais ou menos um minuto – ele sentado, meu vendo, eu de pé e rugindo – então o urso levantou e começou a caminhar para ir embora.

A cada cinco segundos ele olhava para trás para ver o que eu estava fazendo. Apenas depois que ele havia andando uns cem metros, sentei.

‘Meu deus’, pensei. ‘Ele vai voltar? Provavelmente vai.’

Daí em diante, fiquei procurando ursos no horizonte azul-acinzentado.

Pouco depois desse episódio, ouvi o som de um avião. Ele não era visível com a neblina, mas mesmo assim peguei um dos sinalizadores e soltei. Ele queimou por 30 segundos e apagou. O barulho do avião estava cada vez mais longe. O piloto, claramente, não havia me visto.

Tive que admitir que, levando tudo em consideração – a neblina, o fato de que eu havia me deslocado do local de pouso, o frio extremo e os ursos polares – minhas chances de sobrevivência eram poucas.

Dividi minhas barras de proteína e a água em três, uma pilha para cada dia. Eu simplesmente não conseguia imaginar que, depois de dois dias, teria energia para espantar ursos polares.

Mas, se eu sobrevivesse, teria algumas ideias para contribuir com a ciência de buscas e resgate. Como:

. enviar helicópteros, e não aviões, para procurar sobreviventes
. fazer roupas de sobrevivência com que seja possível voar
. acoplar pequenos transmissor de localização por rádio ao traje ou ao bote

Não dormi nada aquela noite, para não perder nenhum urso se aproximando. Para minha surpresa, consegui sobreviver até de manhã.

Veio outro avião, e soltei outro sinalizador, mas aconteceu exatamente a mesma coisa de antes. Veio um helicóptero também, mas ele voou a cerca de duas milhas de distância, provavelmente onde meu acidente aconteceu.

Naquela manhã, outro urso polar veio e espantei ele exatamente como havia feito com o outro. Ele também fugiu, sentou e me observou por um tempo, depois se foi.

À tarde, apareceu um terceiro urso. Tive que persegui-lo como os outros.

Sei o que você está pensando. Como tenho certeza que eram três ursos diferentes? Só o fato de eles terem reagido exatamente da mesma forma me diz que eram ursos diferentes. Se fosse o mesmo, ele teria aprendido com a experiência e ficado com menos medo da segunda vez.

Quase no final do segundo dia, as coisas mudaram. A neblina finalmente levantou e eu vi, a cerca de três milhas, uma forte luz. Um navio quebra-gelo! Eu não podia ver as luzes de estibordo do navio, então conclui que ele estava virado para a minha direção. A luz do dia estava caindo, o que ajudaria a tripulação a me ver.

Então usei meu último sinalizador.

E, 36 horas após meu acidente, vi exatamente o que tinha imaginado muitas vezes – um helicóptero de resgate canadense se aproximando de mim. Logo eu estava subindo e tentando abraçar os homens, que diziam ‘calma, calma, homem. Ainda temos que chegar ao navio’.

Eles ficaram muito surpresos por eu estar conseguindo andar sozinho, falar de forma racional e que não precisasse de cuidados.

Soube que o navio deles havia deixado Iqaluit 30 horas antes e estava viajando todo esse tempo para me procurar. Havia acabado de começar a busca na área quando um deles viu os últimos segundos da chama do meu sinalizador.

A bordo, todos ficaram felizes, porque é muito raro encontrar alguém como eu vivo. Tomei um banho quente e me sentei para jantar.

Passava da meia-noite mas várias pessoas me assistiram comendo. Me deram um prato com o salmão mais delicioso, que o chefe havia defumado a bordo, com uma salada com azeite. Estava de outro mundo. Havia muitas outras coisas na mesa mas eu não comi muito na primeira noite. A vodca também teve que esperar até a segunda noite.

Quero agradecer a todos que rezaram e as equipes de resgate – o Exército e a Guarda Costeira do Canadá. Ninguém teve tempo para lamentações. Ninguém reclamou porque os forcei a sair em missão de resgate. Antes de voar para a Rússia, eles até me deram um urso polar de lembrança – mas um de pelúcia.

Não completei minha volta ao mundo mas vi o quanto ele é pequeno e o quanto nós temos em comum. Pessoas dos EUA, Canadá e vários outros lugares foram muito simpáticas comigo. Não me sinto mais como um cidadão russo, mas um cidadão do mundo.

Há uma pergunta que todos me fazem. “Você faria de novo?” É muito simples. Se eu pudesse ter continuado minha viagem do Canadá, faria sem um segundo de hesitação.

Isso é um esporte. Há competições e recordes. A Federação Mundial de Esportes Aéreos, de Lausanne, tem 109 anos. Imagine! Todos esses anos, desde o início da aviação, eles estão registrando recordes. Apenas duas pessoas antes de mim haviam voado sozinhas ao redor do mundo de helicóptero, mas eram helicópteros grandes com equipes de apoio. E eu quase consegui. Oitenta e cinco por cento, 42 dias de 50, e 33 mil km de 38 mil.

Ainda não descobri como pedir a meus amigos e pessoas queridas permissão para tentar outra vez. De joelhos, devo implorar por perdão pela dificuldade que fiz por que passassem, sem saber o que havia acontecido comigo por dois dias.

Mas, de joelhos, devo pedir que me deixem fazer isso de novo. E de novo, e de novo.”

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