Celso de Mello vota pela validade dos embargos infringentes
Mesmo com pressão da mídia tradicional, capitaneada pela revista Veja, ministro não demonstrou dúvidas sobre sua decisão: "Ainda ontem fui ao Código verificar isso. Todos os regimentos do STF contemplam os embargos. A preservação dos direitos constitucionais do cidadão deve sempre pautar essa Corte"
Quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa encerrou a última sessão da Corte que votava pelo cabimento de embargos infringentes na Ação Penal 470, já se previa a enorme pressão que seria exercida sobre o ministro que desempataria a votação, Celso de Mello. Mesmo com uma verdadeira campanha por parte de veículos da mídia tradicional para que Mello mudasse uma posição já anunciada anteriormente, ele reafirmou seu ponto de vista e votou a favor da admissibilidade dos embargos.
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No início de seu voto, Celso de Mello lembrou o encerramento da sessão anterior, afirmando que a espera “permitiu aprofundar ainda mais” a sua convicção. Na ocasião, mesmo dizendo ao presidente do STF que seu voto não demoraria mais que cinco minutos, não conseguiu fazê-lo e foi obrigado a esperar seis dias para dar seu parecer. Por mais de uma vez, fez referências ao fato de o juiz ter que resistir ao que denominou “clamor popular”, sob risco de desrespeitar a Constituição e a ordem institucional. “Não é menos exato que os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, para que sejam imparciais, para que sejam isentos, para que sejam independentes, não podem expor-se a pressões externas, sob pena de completa subversão do sistema constitucional.”
O ministro ressaltou a importância de se preservar o direito à ampla defesa, “ainda que se revele antagônico o desejo da coletividade”. Para tanto, reafirmou que o ideal é que seja estabelecido, no âmbito penal, “um processo que neutralize as paixões exacerbadas das multidões.” “O direito há de ser compreendido em sua dimensão racional, da razão desprovida da paixão”, destacou. “O Estado, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, qualquer réu, faz do processo penal um instrumento que inibe o abuso de poder”, defendeu.
Mello também mencionou a mensagem presidencial número 43, de 1998. O presidente à época, Fernando Henrique Cardoso, pretendia extinguir os embargos, acrescentando um novo artigo à lei 8.038: “Art 43. Não cabem embargos infringentes contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal”. Contudo,tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados rejeitaram a inserção do artigo, decidindo pela manutenção dos embargos infringentes.
À época, o então deputado Jarbas Lima, hoje professor de Direito Constitucional da PUC-RS, justificou o fim dos embargos infringentes.“A possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é previsto. Perceba-se que, de acordo com o Regimento Interno da Suprema Corte (artigo 333, par. único), são necessários no mínimo quatro votos divergentes para viabilizar os embargos”, disse, em depoimento citado textualmente pelo ministro.
Celso de Mello afastou ainda o argumento utilizado por outros ministros contrários ao recurso, ao afirmarem que o STF seria o único órgão colegiado a aceitar embargos infringentes, ferindo o princípio de isonomia em relação aos demais. Ele destacou que, em outros tribunais, há possibilidade de recursos especiais e ao próprio Supremo, o que não ocorre nas ações originárias do STF nas quais não há outro órgão do Poder Judiciário ao qual a parte eventualmente lesada possa se dirigir.
“Não há uma instância de superposição e e essa Corte tem entendido que não cabe habeas corpus contra decisão do Supremo Tribunal Federal para o próprio Supremo Tribunal Federal. Isso é grave, por isso mesmo que o Supremo Tribunal Federal, no regimento interno – que não é apenas esse, mas no de 1980, também no de 1970, 1940, 1909, quando se encontrava aqui Pedro Lessa –, construiu um modelo recursal que permite a possibilidade de controle jurisdicional de suas próprias decisões”, argumentou.
com Revista Fórum