Luis Felipe Machado de Genaro
Violência 07/Dez/2016 às 16:55 COMENTÁRIOS
Violência

Brasil entre a inércia, o radicalismo e a transformação

Luis Felipe Machado de Genaro Luis Felipe Machado de Genaro
Publicado em 07 Dez, 2016 às 16h55
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Manifestação contra PEC do Teto dos Gastos Públicos (reprodução)

Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político

Dia 29 de novembro de 2016 marcou mais um dia revoltante na penosa história da república brasileira. Concentradas no coração de Brasília, inúmeras bandeiras foram levantadas pelos diversos movimentos sociais, estudantis e centrais sindicais. Entre elas o rechaço ao congelamento orçamentário mediante a PEC 55, a antirreforma do ensino médio, o forte ajuste fiscal (que caminha desde o governo Dilma a passos largos) e a ilegitimidade de um governo não eleito democraticamente. Bandeiras justas e, elas sim, legítimas. O que ganharam os movimentos? O cassetete, as bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta, prisões preventivas, socos e chutes. Depois, a dispersão. As fotos daquela tarde entristecem, angustiam e enraivecem.

Do lado de dentro da Casa Grande, a casta política aprovava medidas contra a classe subalterna, sem a sua reles participação. Não houve diálogo. Se houve em dias anteriores, foi rasteiro. As poucas tentativas de alguns parlamentares progressistas de dar vida a um debate farsesco foi em vão. Os que lá estão pouco se interessam no debate, muito menos no diálogo com os representantes do povo – que em partes é responsável por sua permanência nos cômodos da Casa Grande através do voto (o que hoje no Brasil está valendo pouco). Me intriga a força da casta e a sua reação mediante as permanentes forças de repressão e segurança. Treinada contra o inimigo – a população –, o tentáculo opressor do Estado não mede esforços. Mesmo formado por membros da própria massa agredida, se sentem como parte das estruturas do poder.

Movimentos sociais outrora combativos, em governos petistas arrefeceram. Não apenas pelo guarda-chuva conciliador armado por Lula, mãe dos ricos e pai dos pobres, como pelas políticas públicas de suas gestões de centro-esquerda. O que não podemos negar: o Brasil avançou. A luz chegou ao campo, o camponês foi inserido no processo produtivo rural, as cotas levaram o negro à universidade e o analfabetismo decaiu vertiginosamente. O que esqueceram estes movimentos é que a roda viva não para. A ascensão dos neoconservadores e o golpe parlamentar deflagrado contra a Nova República mostraram a eles que o fim da História não passa de um discurso mentiroso. Fragmentadas, divididas e em agudo confronto, as forças à esquerda estão agora se reorganizando. Mas quais são os seus objetivos?

Intelectual francês chafurdado em polêmicas há mais de um século, Georges Sorel redigiu no início do século XX, em um diferente contexto histórico, suas Reflexões sobre a violência. Visando uma greve geral de operários que levaria à Revolução social e o fim de seus grilhões, foi enfático enquanto a sua realização: a mudança viria através da violência. Crítico dos parlamentares socialistas de então (não muito diferente dos atuais), escreveu que semelhante a eles eram os “demagogos que exigiam constantemente a abolição das dívidas, a divisão de terras, que impunham aos ricos todos os ônus públicos, etc.”. Questionando a si próprio diz “parecer absurdo admitir que foi dessa maneira que Marx entendeu a luta que fazia a essência do socialismo”.

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Uma coisa é certa: frente ao vórtice de acontecimentos recentes, permanecer dialogando entre nós mesmos, em simpósios, mesas redondas e outros pequenos círculos de egocentrismo ideológico não está levando a soluções concretas. Muito menos as tentativas de diálogo travadas entre representantes de movimentos sociais foram assimiladas pela casta política.

O que fazer se um simples protesto em frente ao Congresso gera a reação que gerou?

Em um forte verso poético, nos lembra Bertold Brecht que do “rio que tudo arrasta se diz violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Em um país marcado pela violência de Estado desde os coronéis e feitores do passado à PM de hoje, refletir sobre a violência das classes subalternas contra as estruturas de mando parece uma utopia, uma crimedéia ou um grande disparate. Para a maioria, diálogo e diplomacia sempre serão as primeiras e únicas vias. Sorel nos aponta que “os códigos (sociais) tomam tantas precauções contra a violência e a educação é orientada para atenuar de tal modo nossas tendências à violência que somos instintivamente levados a pensar que todo ato de violência é uma manifestação de regressão à barbárie”. É sabido que durante os anos 60 um leque diverso de representações sobre a violência tomou forma. Antes legitimada pela luta de classes – dominantes contra dominados e vice-versa – sua conotação passou a ser negativa. Muito disso se deu pelo fracasso de algumas experiências socialistas e comunistas pelo globo. Mas seria estritamente negativa?

Radicalizar os movimentos sociais pela terra, moradia, direitos trabalhistas e educacionais parece ser a única solução. O que não desqualifica debates e reflexões sobre uma agenda estratégica de mudanças e os rumos da esquerda no Brasil e no mundo. Não obstante, sabemos que contra-atacar a violência institucional gerará uma reação ainda maior. Não se enganem quanto à vitória: a aliança entre mídia corporativa, magistrados, empresariado e a velha casta política se intensificará.

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Em uma “democracia que parece mais dura com os revoltados do que são as monarquias”, como escreveu Sorel, uma sublevação violenta contra as forças da ordem é a via que os movimentos e grupos à esquerda precisam escolher. Ou a roda viva continuará girando sem interrupções e rupturas, esmagando os pequenos e vangloriando os maiores. A escolha de que caminho tomar está em nossas mãos.

*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestrando pela UFPR e colaborou para Pragmatismo Político

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