Redação Pragmatismo
Mercado 01/Fev/2023 às 08:06 COMENTÁRIOS
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Os bilionários e o golpe das Americanas

Publicado em 01 Fev, 2023 às 08h06

Jorge Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles comandam grupo por trás do rombo de R$ 40 bi na empresa. Com riqueza avaliada em R$ 180 bi, são blindados pela justiça e rifam o prejuízo. Seis elementos evidenciam um crime monumental

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Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles

Luis Nassif, Jornal GGN

É o maior escândalo da história do moderno mercado de capitais brasileiro. Durante anos, uma das campeãs da B3, as Americanas, esconderam um passivo que, segundo as últimas atualizações, chegou a R$ 40 bilhões. E tudo sob a tutela dos três maiores bilionários do país, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, da 3G, que se tornaram, nas últimas décadas, o símbolo máximo do capitalismo financeiro no país.

O gráfico de desempenho do papel já demonstra o tamanho do rombo causado aos mais de 150 mil acionistas.

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Mas há muito mais elementos para garantir que, por trás do jogo de balanços, há uma fraude monumental, envolvendo diretamente os três acionistas.

Pelas informações disponíveis, o rombo das Americanas começou a ser constituído há pelo menos 10 anos. Havia uma relação de cumplicidade entre os controladores e os diretores estatutários.

Vamos por partes, para entender o jogo.

Peça 1 – o golpe começa a ser armado

O primeiro passo foi mudar a composição acionária, com os sócios da 3G se afastando do Conselho Deliberativo da empresa e reduzindo sua participação nas Americanas.

Em 3.11.2021, deu-se o primeiro movimento. Houve a fusão das Lojas Americanas com a Americanas S/A e os controladores – a 3G – passaram a reduzir sua participação. Deixaram de ser controladores. Lemann e Telles pediram demissão do Conselho de Administração e Beto Sicupira passou a ser “acionista de referência”. Eles abriram mão de parte das ordinárias, sem exigir prêmio. O normal, quando um acionista troca ordinárias por preferenciais, é ganhar algum prêmio pela troca. O 3G foi generoso e abriu mão do ágio. Sua participação acionária caiu para 29,2% na empresa combinada.

Segundo a UOL, “um laudo de avaliação encomendado pela Lojas Americanas no âmbito da operação avaliou o patrimônio líquido de Lojas Americanas em R $10,344 bilhões, enquanto o patrimônio líquido da Americanas foi avaliado em R $25,877 bilhões”.

Os controladores tinham 38,2% das Lojas Americanas, com 60,8% das ordinárias.

O mercado reagiu mal. Mas o presidente Miguel Gutierrez acalmou: “Tudo na vida tem um amadurecimento. Como os bons vinhos, vão decantando, criando corpo, criando novas perspectivas. Acho que isso que aconteceu”.

A partir daí começaram a se desfazer de suas ações. Venderam uma enorme posição, com sua participação total para 39%.

No dia 1o de novembro de 2011, a AMER3 estava cotada a R $31,22. Americanas valia em bolsa R $28,2 bilhões e Lojas Americanas vale R $9,7 bilhões. No último fechamento, as ações estavam cotadas a R $1,98.

Peça 2 – a cumplicidade dos executivos

O segundo movimento consistiu em conseguir a adesão dos executivos, compensando o risco penal com altas remunerações.

Miguel Gutierrez, era subordinado a Beto Sicupira, um dos sócios da 3G. As reuniões do Conselho de Administração eram presididas por Sicupira. A PwC (Price Waterhouse) foi contratada pelos controladores. Por isso, seria impossível que não tivessem informações sobre as manobras contábeis.

Mesmo assim, garantiram bônus milionários aos executivos da empresa.

Em 2018, decisão do Tribunal Regional Federal da 2a Região derrubou liminar de 2010, e obrigou a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a divulgar os salários dos executivos de empresas de capital aberto. O do presidente das Lojas Americanas foi o 6o mais alto, superando a remuneração da Vale, Bradesco, Ambev, Braskem, entre outras.

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Em 2019, os diretores estatutários receberam cerca de R $34 milhões em remuneração. Em 2020, R $35 milhões. Em 2021, cerca de R $36 milhões. Com os maus resultados escondidos nos balanços, a única explicação seria um cala-boca, para ganhar a cumplicidade dos executivos.

Peça 3 – o fator Sérgio Rial

O terceiro movimento foi trazer Sérgio Rial para montar a estratégia de fuga.

Sérgio Rial foi presidente festejado do Banco Santander, um dos credores das Americanas.

No dia 19 de agosto foi anunciado o seu nome para a presidência do grupo. O anúncio provocou estranheza no mercado, já que Rial era presidente do Conselho de Administração da Vibra e não tinha experiência em varejo. Mesmo assim, as ações, que vinham caindo, tiveram alta de 22,5% no dia 22 (primeiro pregão após o anúncio) e de 18,3% no segundo pregão.

Nesse período, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) entre julho e outubro de 2022 os diretores das Americanas venderam R $223 milhões em ações. No período, o preço médio das ações foi de R $16,22.

Como constatou o jornal Metrópoles, “entre o dia em que Rial foi anunciado como novo CEO e outubro de 2022, véspera das eleições presidenciais, as ações dispararam 61%. A venda de R $223 milhões em ações foi um movimento contra a corrente.”

Rial ficou na prateleira até o final do ano, quando deveria assumir a presidência do banco.

Assumiu no dia 2. No dia 11, a Americanas divulgou fato relevante informando “inconsistências contábeis” de R $20 bilhões.

No dia seguinte Rial participou de uma videoconferência organizada pelo BTG Pactual, ocasião em que comunicou sua renúncia ao cargo. Informou ter tomado conhecimento dos fatos nos dias anteriores, hipótese improvável para um executivo do seu nível e que teve cinco meses para se inteirar da situação da empresa.

Admitiu que os problemas começaram na década de 90.

O golpe das Americanas irá afetar não apenas os lucros, mas os impostos pagos pelos bancos credores.

Se um banco provisionou R$ 3 bilhões, por exemplo, o lucro deve cair R $1,8 bilhão e os impostos a pagar caem mais de R$ 1,2 bilhão.

Segundo cálculos do mercado, o fator Americanas deverá reduzir o lucro do Bradesco em R $1,8 bilhão, o lucro do Itaú em R $1 bilhão e o do Banco do Brasil em R $400 milhões.

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Peça 4 – a estratégia Rial

O quarto movimento foi Rial saindo da empresa e assumindo a direção de estratégia da 3G.

A estratégia das Americanas se deu no campo financeiro e jurídico. Menos de três horas antes da divulgação do Fato Relevante, a empresa tentou resgatar R $800 milhões em investimentos no BTG.

Ao mesmo tempo, obteve uma liminar, expedida pelo juiz Paulo Estefan, da 4a Vara Empresarial do Rio de Janeiro, impedindo qualquer antecipação de pagamentos aos credores e ainda obrigando o BTG a devolver R $1,2 bilhão que já havia recuperado.

Pelo contrato firmado com as Americanas, o foro correto seria São Paulo. O juiz não apenas aceitou o pedido como indicou para a administração judicial o escritório de advocacia Zveiter, de Sérgio Zveiter, irmão do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Luiz Zveiter e de uma família com larga influência nos tribunais fluminenses. O fato curioso é que Zveiter atua, também, como advogado das Americanas. A BTG recorreu, mas a decisão foi mantida pelo desembargador do Plantão do TJ-RJ, Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho.

Ao mesmo tempo em que pedia demissão da presidência das Americanas, Rial trocava o terno e assumia o cargo de assessor dos acionistas de referência – os mesmos que deram o golpe. Disse da necessidade de uma capitalização de R $5 bilhões para manter as operações da empresa. Mas já alertou que o grupo – responsável pelo golpe – tem disposição de ajudar a companhia na capitalização, “desde que se consiga visualizar um cenário de rentabilidade consistente para a Americanas”. Fantástico!

Depois disso, houve nova retificação das impropriedades contábeis, elevando a estimativa de passivos para R$ 40 bilhões. As ações caíram para R$ 1,98. Com esse valor, investindo apenas 6,6% do que arrecadaram com a venda das ações, a 3G retomará a mesma participação anterior.

No final do dia, veio a informação de que Rial renunciou ao cargo de assessor do trio, sendo substituído pela Casa Rotschild.

Peça 5 – o histórico da 3G

Não é o primeiro golpe aplicado no mercado.

No agravo de instrumento, os advogados do BTG traçam um pequeno histórico de golpes aplicados pela 3G.

Em 2005, o administrador da Ambev, Luiz Felipe Pedreira Dutra Leite, autorizou a transferência indevida de ações ordinárias, divulgando informações incorretas ao mercado, desvirtuando o plano de opção de compras da Ambev, permitindo aos controladores aumentar sua participação em prejuízo dos minoritários.

Em 2019, um escândalo internacional com a Kraft Heinz, empresa adquirida pelo 3G. Descobriu-se um esquema de supervalorizar valores de ativos de 2015 a 2018. A companhia foi obrigada a um ajuste de US $15,4 bilhões em seu balanço.

Peça 6 – as consequências jurídicas

A Americanas lançou ADRs nos Estados Unidos. Com isto, estará sujeita à chamada ação coletiva dos acionistas locais. No Brasil, há em curso um inquérito criminal, conduzido pelo Ministério Público Federal.

Mas o ponto central, é que o episódio expõe de forma ampla o estilo do grupo que assumiu o controle da Eletrobras. Na verdade, o grande crescimento da 3G se deu em cima de lobbies junto ao setor público.

Foi o caso da aprovação do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) para a compra da Antárctica pela Brahma – já sob controle dos três futuros bilionários. A aprovação foi um dos episódios suspeitos do governo Fernando Henrique Cardoso, que significou a destruição da rede de distribuidores da Antárctica, da cartelização do mercado. Para avançar nos negócios, a empresa contratou Milton Seligman, homem influente do governo FHC,

Depois, conseguiram a privatização da Eletrobras, outro lance cheio de manobras e de lobbies.

Primeiro, houve a subavaliação da Eletrobras, pela Price Waterhouse (PcW), a mesma empresa que mascarou durante mais de uma década os dados da Americanas. Foi feita uma emissão de ações, que resultou na captação de R $35 bilhões, e saída da União do bloco de controle. O passo seguinte foi utilizar os recursos para recompra de ações, uma jogada perniciosa pára o futuro da companhia.

Agora, se nada foi feito, o 3G irá controlar 55% da geração de energia do país. Em pouco tempo, acabará com a energia contratada – aquela fornecida às distribuidoras para assegurar preços módicos aos pequenos usuários e residências. E, na primeira crise hídrica, terá o poder absoluto de definir preços.

A disputa entre BTG e 3G esconde um fato mais grave: a prioridade absoluta deverá ser a manutenção do emprego, os direitos trabalhistas. Para tanto, será fundamental a mudança na gestão, a abertura de ações contra os controladores.

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