Agente da PRF comemora no WhatsApp bloqueio a eleitores de Lula
Em grupo de WhatsApp, agente da Polícia Rodoviária Federal diz que a ação nas estradas do Nordeste foi ordem da alta cúpula e debocha de decisão de Alexandre de Moraes, do TSE, para proibir operações
Allan de Abreu, Piauí
Minutos antes das 14h deste domingo, 30, o policial rodoviário federal Adalberto Alfredo Schumann, lotado em Brasília, postou em um grupo de WhatsApp formado por colegas de trabalho uma selfie dele próprio sorrindo com a seguinte legenda: “Ó a cara de alguém que tá preocupado com as determinações do ministro…”. Ele se referia à decisão tomada na noite de sábado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, que havia proibido qualquer operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) contra veículos usados no transporte público de eleitores pelo país.
Até aí, a mensagem poderia ser apenas uma ironia à decisão judicial. Mas Schumann escreveu mais. “Só cumprindo o cartão programa e correndo atrás dos eleitores do Lula q saíram do cercado para voltar e não conseguiram voltar…”
Cartão programa é como os policiais rodoviários denominam as diretrizes de policiamento para determinada data, vindas da cúpula da PRF. No caso de Schumann, que está lotado no Distrito Federal, a cúpula a que se refere é a superintendência da corporação do DF e do diretor-geral, Silvinei Vasques. Neste sábado, Vasques publicou uma imagem de apoio a Bolsonaro no Instagram. Depois, apagou-a. Na madrugada deste domingo, Vasques encaminhou ofício a todas as superintendências da PRF dizendo que a decisão de Moraes “não impôs qualquer limite ao exercício da regular atividade fiscalizadora da Polícia Rodoviária Federal” e determinou o “fiel cumprimento” da operação.
Assim que Schumann mandou sua mensagem no WhatsApp, outro policial rodoviário federal, também lotado em Brasília, Ricardo Cardoso Dutra, reencaminhou no mesmo grupo a mensagem postada por uma terceira pessoa como resposta ao post de Schumann. Diz o seguinte: “Vocês estão salvando o país. Minhas continências. Só fazendo o previsto e cumprindo a lei”. Era o contrário, claro: a determinação legal, vindo do TSE, proibia as operações para não prejudicar nenhum eleitor. Outro policial, Jeferson Espindola, piloto de helicópteros da PRF, cumprimentou Schumann: “Faça o que estiver previsto na lei, afinal o Xandão [Alexandre de Moraes] tá fazendo o que é previsto na lei. O jogo é para todos! Dentro das 4 linhas das suas atribuições, arrocha os incautos”.
Reportagem da Folha de S.Paulo revelou que, até as 12h35, a PRF havia feito – só hoje, um domingo – 514 ações de fiscalização pelo Brasil, 70% a mais do que no primeiro turno das eleições, em 2 de outubro. O jornal mostrou ainda que documento interno da corporação no Paraná orientou os policiais a abordarem veículos de transporte coletivo. “A fiscalização deverá ser focada nos veículos transportadores de passageiros, com o intuito de prevenir acidentes de trânsito nesse período que há um incremento de movimentação de passageiros, e de verificar possíveis crimes eleitorais, especialmente transporte irregular de passageiros ou dinheiro”, diz o documento. O intuito de “prevenir acidentes de trânsito” não ocorreu no primeiro turno.
No meio da tarde deste domingo, o jornalista Lauro Jardim, colunista de O Globo, informou que a ação da PRF em todo o país começou a ser articulada na noite de 19 de outubro, numa reunião no Palácio da Alvorada, em Brasília. Na reunião, de acordo com Jardim, estava o núcleo duro da campanha de Jair Bolsonaro. Ali, os chefes dos órgãos que auxiliam a Justiça Eleitoral, como Forças Armadas, Polícia Federal e PRF, deveriam instruir seus comandados a ficar atentos para transporte irregular de eleitores, sobretudo no Nordeste. O colunista diz: “Obviamente, nunca se tratou de uma preocupação com a marca da imparcialidade”. E conclui: “Desde sempre, a expectativa do comando bolsonarista é que fossem barradas, impedidas ou dificultadas apenas eventuais locomoções irregulares de eleitores de Lula”.
Segundo relatos de eleitores, as barreiras paravam principalmente ônibus e carros maiores, como vans e doblôs, para pedir documentos. Nas redes sociais, eleitores também denunciaram a ocorrência de barreiras da PRF em outros estados, como Piauí e Bahia, redutos de eleitores de Lula, adversário de Bolsonaro, e também no Pará.
Reportagem da revista piauí de agosto mostrou que, no governo Bolsonaro, a PRF transformou-se em uma milícia a serviço dos interesses do governo, envolvida diretamente em chacinas, como as ocorridas em Varginha, sul de Minas Gerais, que deixou 26 mortos em outubro de 2021, e na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio, com 23 mortos, em maio deste ano. É uma deformação institucional que nunca ocorreu na quase centenária história da PRF.
Procurados pela reportagem, Adalberto Schumann, que comemorou o bloqueio aos eleitores de Lula no WhastApp, e Espindola, que o apoiou, não retornaram os recados deixados no seu WhatsApp. O espaço permanece aberto para eventual manifestação dos dois. Ricardo Dutra, que reencaminhou a mensagem dizendo “vocês estão salvando o país”, negou ser o autor do post, embora seu nome conste no post claramente. “O senhor está enganado”, limitou-se a dizer.
Em reunião realizada nesta tarde no TSE, o diretor da PRF disse que as blitze foram realizadas para observar irregularidades previstas no código de trânsito, como documentação e problemas de manutenção nos veículos. Ele afirmou ter determinado o fim das operações. Em nota, a PRF disse ser “parceira” do TSE “visando auxiliar na garantia da segurança do direito ao voto”.