Mulheres violadas

“Sempre soube quem ele é”, diz universitária que denunciou Arthur do Val por violência sexual

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Filha de diarista, universitária teve a vida arruinada após denunciar Arthur do Val por violência sexual. "O que aconteceu foi um estrago que afetou a vida de uma família inteira". Apesar do sentimento de injustiça, ela desabafou ao receber os áudios do deputado na última semana: "Sempre soube quem ele é, obrigada por compartilhar comigo para lembrar que nenhuma luta é em vão"

(Imagens: 1- Reação da vítima ao receber os áudio de Arthur do Val na última semana / 2- O deputado durante audiência em que pedia indenização da vítima)

A estudante universitária M.A* se indignou ao ouvir os áudios repugnantes do deputado Arthur do Val (Podemos-SP), embora não tenha ficado surpresa. Isto porque, em 2016, a jovem de 23 anos denunciou o parlamentar por violência sexual. As informações são do UOL.

Ao receber os áudios de sua advogada na última semana, quando o caso veio à tona, ela respondeu: “Sempre soubemos quem ele é. Obrigada por compartilhar comigo para lembrar que nenhuma luta é em vão”.

A luta a que M.A se refere foi travada por ela e a advogada Tânia Mandarino contra Arthur do Val ao longo de três anos. Aos 17 anos, a então adolescente procurou a Polícia Civil do Paraná, em 19 de outubro de 2016, para denunciá-lo após ter sido ‘violentada sexualmente’, segundo consta no boletim de ocorrências registrado na Delegacia de Investigação de Crimes Contra a Mulher de Curitiba.

A vítima, que era adolescente, registrou às 14h30 daquele dia que Arthur do Val passou uma das mãos em seus seios, descendo-a pelas costas até sua cintura durante a ocupação secundarista no Colégio Estadual do Paraná. No dia do fato, Mamãe Falei gravava vídeos desdenhando do movimento dos estudantes, que lutavam contra os cortes na Educação e o ‘Escola Sem Partido’.

A estudante fez o boletim de ocorrência acompanhada por um advogado, que sugeriu o registro por crime de estupro. “Por determinação da autoridade policial de plantão”, contudo, o caso acabou registrado como importunação ofensiva ao pudor, uma contravenção penal considerada de menor gravidade e que não existe mais desde 2018, quando virou importunação sexual, sendo agora equiparado a estupro.

Como o crime de importunação ofensiva ao pudor era considerado uma contravenção penal, a vítima e Arthur do Val assinaram um termo circunstanciado e receberam intimação para uma audiência em 2 de dezembro de 2016, no Juizado Especial Criminal de Curitiba.

No encontro, o MP (Ministério Público) do Paraná ofereceu um acordo, mas Arthur do Val negou, alegando ser inocente, o que gerou um inquérito criminal.

Em 17 de junho de 2017, o MP arquivou o inquérito sob o argumento de falta de provas porque uma testemunha não foi localizada e outra disse que Arthur havia passado a mão na nádega, e não na cintura da vítima, configurando divergência entre os depoimentos. “Olha só que absurdo”, desabafa a advogada da jovem.

Como o caso tramitou em segredo de Justiça por envolver menor de idade, à época, a defesa não quis informar qual a promotoria que fez a investigação.

Omissão do Promotor

Para Tânia Mandarino, existem indícios que apontam a “omissão” do promotor no caso. “A gente vê algumas fragilidades, como um adolescente [a testemunha] não ser encontrado. Mas, com todo respeito ao MP, penso que a fala desse adolescente dizendo que o Arthur teria passado a mão em direção às nádegas deveria ter sido melhor elucidada pelo próprio promotor. Era um depoimento que praticamente confirmava o dela. Era só uma questão de diferença entre cintura e nádegas. O MP tinha uma testemunha isenta, que não era amiga da vítima nem inimiga do investigado”, reclama a advogada.

Para a defesa, o MP deveria seguir e apresentar a denúncia contra Arthur do Val para o caso ser elucidado durante a instrução processual. “O MP não deveria ter pedido arquivamento. Deveria pedir a tomada de outro depoimento ou acareação. Houve uma falha em não oferecer a denúncia porque uma vez denunciado, as provas, de fato, iriam ser arroladas nos autos. Os indícios de autoria e materialidade foram comprovados”, opina. O promotor foi omisso, o que possibilitou que ele [Arthur do Val] continuasse, fazendo esses áudios absurdos.”

Arthur processou a vítima

Após o arquivamento, Arthur do Val protocolou em 15 de maio de 2018, quando a vítima já era maior de idade, uma ação com pedido de indenização, cobrando da jovem o valor de R$ 15 mil por falsa acusação de crime de estupro.

Filha de uma diarista, a jovem teve que lidar com o medo de pagar o valor após ter sido vítima. O caso, contudo, acabou arquivado porque Arthur do Val não foi denunciado por estupro, e sim por importunação ofensiva ao pudor. A sentença é de 13 de junho de 2019.

A vítima poderia recorrer, pedindo uma indenização, mas decidiu seguir vida, segundo a advogada. “Ela tem tanta dignidade, é tão séria, que conta com muita verdade tudo o que aconteceu e mantém até hoje a sua versão. Só que possui um pavor tão grande em relembrar aqueles três anos de luta, que não quis recorrer”.

“Quando o caso foi arquivado, ela falou que não queria mais mexer no processo porque gostaria de ter um filho e formar família sem ser perturbada por isso. Ela é muito reservada”, diz a advogada.

Uma das pessoas que acompanhou a vítima durante uma das audiências contra Arthur do Val relatou que a jovem demonstrava sentimento de injustiça. “Levei a vítima em uma das audiências. Era bem tranquila e humilde, só que vivia apreensiva com toda a situação, com sentimento de injustiça e cansada. Ela queria tocar a vida após ter passado pelo o que passou como vítima, mas depois teve de responder ao pedido de indenização do agressor”.

Até os estudos acabaram sendo prejudicados pelo fato ocorrido na escola durante a ocupação. “Ela sofreu bullying, contou que a mãe a proibiu por um tempo de voltar à escola. E a mãe se culpava chorando, perguntando ‘minha filha, você me perdoa?’, como se realmente tivesse culpa de algo. O que aconteceu [devido ao Arthur do Val] foi um estrago que afetou a vida de uma família inteira”, lamenta Tânia Mandarino.

*M.A — A vítima foi identificada na matéria com essas iniciais para ter a sua identidade preservada