Redação Pragmatismo
Mercado 24/Mar/2022 às 15:30 COMENTÁRIOS
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É provável que você nunca tenha comido um peixe fresco no Brasil

Publicado em 24 Mar, 2022 às 15h30

No senso comum, peixe fresco é aquele que acabou de entrar na canoa. Se foi pescado na hora, está no seu máximo potencial de sabor. Quando se fala em análise profissional, porém, a ideia é outra. O peixe pode ter saído do mar há oito dias e, mesmo assim, apresentar frescor de dar inveja. Isso porque a variável determinante para o uso da nomenclatura não é o tempo

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Imagem: A.Mar

Gabrielli Menezes, Nossa

No senso comum, peixe fresco é aquele que acabou de entrar na canoa. Se foi pescado na hora, está no seu máximo potencial de sabor. Quando se fala em análise profissional, porém, a ideia é outra.

O peixe pode ter saído do mar há oito dias e, mesmo assim, apresentar frescor de dar inveja. Isso porque a variável determinante para o uso da nomenclatura não é o tempo, e sim a qualidade sensorial, nutricional e técnica.

Do fundo do mar

“Um peixe pescado na hora não é necessariamente o melhor para comer, assim como um peixe que demorou para ser consumido não é necessariamente ruim”, defende Rodolfo Villar, um dos fundadores do projeto A.MAR, que desenvolve técnicas, protocolos e pesquisas de pesca artesanal no Bonete, em Ilhabela.

O momento crucial que separa o joio do trigo é a despesca (abate, manipulação e armazenamento do pescado a bordo). O método que garante maior qualidade e frescor foi criado no Japão há 350 anos e atualmente é adotado por nações desenvolvidas, como Espanha, Portugal e os países nórdicos.

“No Brasil, a cadeia industrial não é preparada segundo esse modelo. Por isso, aqui, pouquíssimas pessoas consomem peixe de alta qualidade”.

Ike Jime: O tratamento ideal

A técnica de abate tradicional japonesa se chama ike jime. Seu fundamento principal é a morte cerebral, menos estressante, feita manualmente empurrando um utensílio fino acima do olho do animal.

Depois, as guelras e a cauda são cortadas e um fio afiado entra na medula espinhal para que o sistema nervoso seja desativado por completo.

Por fim, sangra-se o peixe em água salgada (a do mar onde ele estava, preferencialmente) e gelada. Esse último processo deve ser realizado o mais rápido possível, ainda no barco. O objetivo é que o sangue não contamine os músculos.

De acordo com a Ike Jime Federation, os peixes que não passam por essas etapas geralmente são removidos da água e deixados para sufocar. “A morte causada por asfixia passiva resulta em uma cascata de consequências bioquímicas, biofísicas e hormonais negativas”. Ou seja, o animal sofre mais e as pessoas o consomem com alterações de aroma, aparência, textura e sabor.

Barreiras que vão além: Por que a prática não funciona no Brasil

Se de um lado a estrutura industrial visa a refrigeração intensa e dispensa as teorias sobre estresse e energia da célula, do outro, os pescadores artesanais ou desconhecem as técnicas ou não se sentem incentivados o suficiente para abraçar os costumes em prol da qualidade do produto.

“Por enquanto, o mercado não dá o devido valor e é difícil você transmitir essa cultura sem uma estrutura organizada para a operação”, explica Rodolfo, que abriu em dezembro, na Vila Salga (Ilhabela), o Fish Lab. O instituto pretende dar o suporte e a capacitação necessária para que os pescadores consigam “virar essa chavinha” e realizar o serviço a bordo.

 

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Falta informação para o pescador sobre como manipular e, na outra ponta, falta o comprador/restaurante buscar por esse produto”. O consumidor, portanto, não tem essa experiência sensorial, a não ser em restaurantes de altíssimo luxo”.

Boa parte dessa dificuldade em conectar todos os players de forma mais natural e sustentável está relacionada à logística.

Os pescadores artesanais geralmente estão distantes dos grandes polos consumidores e transportar os peixes, nem sempre em boas condições, de um lado a outro pelo mar é demorado, complicado e gera muita perda. “Na Ilhabela, esse com certeza é o maior problema”.

Para Rodolfo, uma legislação específica e o apoio regional de prefeituras com centros de inspeção regionais comunitários que promovessem o acesso ao gelo e ao armazenamento refrigerado seriam possíveis soluções para uma cadeia sem tantos atravessadores.

“A medida que essa logística e infraestrutura de base melhoram, os benefícios acontecem em sequência”.

Num cenário ideal, os profissionais pescariam menos e melhor, aumentando a renda em cerca de 30%. Já os consumidores teriam acesso a peixes frescos, de origem e com baixo impacto ambiental.

Infelizmente, frente à produção de pescados no Brasil, que está entre as 15 maiores do mundo, de acordo com a Associação Brasileira de Piscicultura, imaginar uma realidade onde a qualidade sobreponha a quantidade ainda é uma utopia.

 

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