Redação Pragmatismo
Política 18/Ago/2021 às 10:39 COMENTÁRIOS
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As curdas convocam solidariedade às afegãs

Publicado em 18 Ago, 2021 às 10h39

Guerrilheiras que combateram o exército turco fazem um apelo internacional: hipocrisia está clara; direitos das mulheres nunca importaram ao Ocidente. Sugerem: autonomia é chave para descolonizar mentes, corpos e nações

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Mulheres do Curdistão

KJK*

O Comitê de Relações e Alianças Democráticas da KJK (Comunidades de Mulheres do Curdistão) emitiu um recente comunicado em que pedia solidariedade com as mulheres e os povos do Afeganistão. A declaração diz o seguinte:

O Afeganistão, que durante décadas foi cenário de guerras pelo poder, foi entregue aos misóginos talibãs como resultado das políticas sujas das potências hegemônicas globais. Essa situação, que gerou uma grande raiva e ira entre as mulheres e os povos do Afeganistão e do mundo, revelou mais uma vez a seguinte verdade: não existe poder no qual possamos nos apoiar além do autopoder, da auto-organização e da autodefesa.

O que aconteceu essa semana no Afeganistão expôs de forma muito clara a hipocrisia dos estados ocidentais. As potências da OTAN demonstraram que para elas valores como a democracia, a liberdade e os direitos das mulheres eram meras ferramentas para encontrar uma justificativa para implantar suas próprias políticas sujas.

Aqueles [os EUA] que tentaram legitimar sua ocupação em prol dos “direitos das mulheres”, 20 anos atrás, agora deixam a vida de milhões de mulheres à mercê dos talibãs.

Aqueles que hoje entregaram o Afeganistão aos talibãs e os que ontem ocuparam Afrîn, Serêkaniyê, Girê Spî para a República Turca são os mesmos poderes. Aqueles que ontem deram luz verde à invasão turca de Rojava e do noroeste da Síria repetem hoje o mesmo cenário no Afeganistão. A partir da perspectiva dos povos, e especialmente das mulheres, não existe uma grande diferença entre quem chega ao poder como resultado de negócios sujos.

Ao dizer “Não temos nada contra as crenças dos talibãs”, o próprio Erdogan, chefe do regime fascista turco, admitiu que eles compartilham da mesma mentalidade.

De fato, o plano dos Estados Unidos de entregar o controle do aeroporto de Cabul à república fascista turca deve ser entendido dentro deste marco. A cessão do controle do aeroporto a Erdogan deve ser vista como um passo a mais para fortalecer a Turquia, que dirige sua política através milícias. Essa é uma grande ameaça e perigo para os povos, especialmente para as mulheres.

Assim como aconteceu em Afrîn, onde se fundou o YPJ [em curdo: Yekîneyên Parastina Jin, pronunciado Yuh-Pah-Juh, a Unidade de Proteção das Mulheres, organização militar formada apenas por mulheres curdas], que inspira mulheres de todo o mundo, e onde hoje são subjugadas e assassinadas como resultado das políticas dos poderes hegemônicos globais, também as mulheres no Afeganistão enfrentam a mesma ameaça agora. Já havia presságios desse acontecimento com o aumento da violência contra a mulher, nos últimos meses, e de assassinatos de mulheres que exercem liderança.

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Como povo e como mulheres curdas, sabemos muito bem que a única forma de defender nossa existência e vontade contra as políticas imperialistas e coloniais das potências hegemônicas globais é através da organização. Sem poder próprio, auto-organização e autodefesa, não será possível construir e manter uma vida livre. Tanto como pessoas quanto como movimentos, experimentamos e, até hoje, vivemos essa realidade extrema.

O complô internacional contra nosso líder Abdullah Ocalan, em 15 de fevereiro de 1999, é o exemplo mais concreto disso. Desde as ocupações do Isis em Rojava e Bashûrê Curdistão (sul iraquiano) , especialmente em Shengal e Kobanê, até as ocupações da Turquia neste local, as políticas coloniais e genocidas que enfrentamos se baseiam no equilíbrio do interesse do capitalismo global.

Da mesma forma, a cessão do controle do Afeganistão aos talibãs, inimigos das mulheres e dos povos, se produziu no contexto dos interesses geoestratégicos perseguidos pelos estados ocidentais, especialmente nos Estados Unidos, no Oriente Médio e na Ásia Central.

Mais uma vez, vemos que para os poderes em questão não importam em absoluto os desejos, a vontade, os sonhos, as esperanças e os esforços dos povos que habitam essas terras. Porque não coisificam apenas as terras, que só enxergam da perspectiva de colonizador, mas também as pessoas que vivem nela. Não há nada que os detentores dessas apólices de 20 anos não façam para satisfazer seus próprios interesses. Por isso, acreditar que as potências ocidentais estabelecem limites humanitários é, mais que ingenuidade, mas sinal de ignorância.

Durante os anos de ocupação e do regime dos talibãs, quem mais lutou e resistiu pela democracia real, pela liberdade e por uma vida digna foram as mulheres. No período mais difícil, nas circunstâncias mais difíceis, as mulheres do Afeganistão encontraram formas de se organizarem. Com o poder e o apoio que celebramos, e a solidariedade e a defesa que mostramos como mulheres, temos plena confiança que tecerão sua resistência não apenas contra os talibãs, mas contra todos os poderes e mentalidades misóginas.

Do Curdistão ao Afeganistão, se construirá uma vida livre e uma democracia real sob a liderança de mulheres organizadas. Como mulheres do Curdistão, apoiamos as mulheres e os povos afegãos hoje, assim como fizemos ontem. Fazemos um chamado a todas as mulheres, especialmente as do Oriente Médio, a solidarizar-se com nossas irmãs afegãs, a levantar suas vozes e a defender suas vidas, conquistas e sonhos. Melhoremos as alianças de nossas mulheres contra os poderes patriarcais e misóginos!

Jin Jiyan Azadî [Mulher, Vida, Liberdade].

*KJK (Comunidade de Mulheres do Curdistão) é o grupo de organizações e sindicatos femininos democráticos revolucionários para a ação, que luta contra a mentalidade estatal hierárquica e pela libertação dela. Buscando a transformação mental com base na ideologia da libertação das mulheres, a missão do KJK é a democratização da sociedade pela organização autônoma das mulheres. O KJK é formado por organizações locais e universais de luta unificando forças, corações e ações de mulheres do Curdistão e do Oriente Médio para a realização de seus objetivos comuns.

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