Cinthia Filomeno
Colunista
Cultura 02/Jul/2021 às 11:04 COMENTÁRIOS
Cultura

A importância da figura do malandro no samba

Cinthia Filomeno Cinthia Filomeno
Publicado em 02 Jul, 2021 às 11h04

Por Cinthia Filomeno*

Rio de Janeiro – A figura do malandro representada no desfile do Salgueiro na Marquês de Sapucaí, com o enredo Ópera do Malandro, com um samba em homenagem à nata da malandragem (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Conhecer a figura do malandro e sua história dentro do samba é muito importante para entender a própria história do samba e como eles vêm sendo vistos dentro da cultura brasileira e também mundo afora. Então, falar sobre a figura do malandro e da malandragem que, dentro deste mundo é respeitado, mas que fora dele é muito marginalizado principalmente nos dias de hoje, é fundamental.

Começo falando dessa marginalização que começou em 1937, quando Getúlio Vargas decretou o Estado Novo que era marcado pela busca do controle através da violência policial, garantindo o exercício pleno do poder. O governo então, por meio do medo e de toda a instabilidade que isso gerava à população, iniciou a política de valorização do trabalho e o processo de “domesticação” da malandragem.

A figura do malandro era frequentemente associada à esperteza, ancorando-se em contraste com a figura do trabalhador. O malandro era o sujeito que ganhava a vida por caminhos não tão “difíceis”, sem partir explicitamente para o caminho da criminalidade.

A própria vestimenta do malandro, era uma imitação do que era vestido pela burguesia da época, pois eles eram bem elegantes e, o jeito de andar e agir, se misturavam com alguns golpes da capoeira como a ginga, as rasteiras e as cabeçadas.

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Pato N’Água, em desfile na década de 1950. Foto: Centro de Documentação e Memória – Unicamp, Campinas – SP.

O malandro também tinha outros adjetivos e frequentemente eram chamados de bambas e vadios, que acabou se confundindo em meados de 1920 com a figura do sambista, principalmente, porque muitos sambas gravados naquela época, faziam essa associação.

Nesse período ocorreu uma maior circulação de músicas que retratavam valores ligados à malandragem, como o culto ao não trabalho, à valentia e às aventuras amorosas. Nas letras, ficava claro também, que o instrumento carregado a tiracolo para demonstrar a valentia pelos malandros, era a navalha, e que ela não era usada com intenção de matar, mas para que no ato de encarar, avançar e deixar marcas.

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Em 1933, Wilson Batista retratou esse malandro na letra “Lenço no Pescoço”: “meu chapéu do lado/tamanco arrastando/lenço no pescoço/navalha no bolso”. Noel Rosa, provavelmente percebendo que a letra de Wilson Batista ia no sentido contrário ao que era idealizado pela política de Vargas e que esse estereótipo poderia gerar problemas com a polícia – provavelmente como uma estratégia para a continuidade do jogo social do malandro, que muda na aparência porém mantém a sua essência – escreveu em “Rapaz Folgado”: “joga fora essa navalha/que te atrapalha/com chapéu de lado desta rata/da polícia quero que escapes/fazendo um samba canção/já te dei papel e lápis/arranja um amor e um violão/malandro é palavra derrotista/que só serve para tirar/todo o valor do sambista”.

Se com o tempo, o capoeira ficou associado à política da época, de certa forma o malandro se tornou sinônimo de sambista e, naquele momento, a confusão entre esses personagens denunciava um conjunto de outras relações e significados, onde política e cultura dançavam e lutavam, e também andavam juntas e se misturavam.
Para finalizar, deixo abaixo uma das letras que mais retratou o malandro da época, em divergências e gingado.
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Lenço no Pescoço
– Wilson Batista

Meu chapéu de lado
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalho no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio
Sei que eles falam
Deste meu proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro era criança
Tirava samba-canção
Comigo não
Eu quero ver quem tem razão.

*Cinthia Filomeno é escritora e pesquisadora do samba, autora do
livro Samba: Uma Cultura Popular Brasileira

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