Luis Felipe Machado de Genaro
Colunistas 25/Mar/2021 às 18:56 COMENTÁRIOS
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Fevereiros, a escrita e o sinal dos tempos

Luis Felipe Machado de Genaro Luis Felipe Machado de Genaro
Publicado em 25 Mar, 2021 às 18h56

Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo
Político

Escrever em dias como os de hoje não é uma tarefa fácil, principalmente pela infinidade de vozes que ecoam pela internet. É realmente uma tarefa árdua. Também por estarmos engalfinhados em uma gama de sentimentos estranhos, dores, saudades do próximo, pensamentos repetitivos e pesares dos mais diversos. Estamos todos cansados e exaustos. Já não há manifestos, notas de repúdio e longas listas de assinaturas contrárias a isso ou aquilo que não tenhamos subscrito. Nas ruas, a impossibilidade de reuniões públicas, manifestações, greves e protestos. Também não é para menos. Estamos em guerra. Lá fora, em guerra contra um vírus. Dentro de nossas casas e de nós mesmos, outra guerra.

Guerras são difíceis, penosas, cansativas e destrutivas. Ninguém teria a mínima noção, lá no início daquele fevereiro pacato de 2020, que tudo se transformaria de forma vertiginosa. Por isso, hoje, não é fácil escrever. Não é fácil colocar palavras conexas em um texto. Não é fácil. Nada se tornou fácil para a grande maioria da população mundial, mas principalmente a brasileira. Não é fácil assistir aos jornais diários, nem as barbaridades que falam as supostas autoridades brasileiras. Nem é fácil assistir ao monte de cadáveres que se amontoam pelo país. Não é nada fácil permanecer isolado, preso em nossas casas – muitas vezes sem um ente querido, um amigo íntimo ou um amor perdido.

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Genaro

Essa guerra dificultou e muito o trabalho da escrita pela simples razão que dificultou o trabalho do pensamento e da fala. Já não refletimos como antes, nem conseguimos expressar em palavras a dor que sentimos. E o trabalho de escrita, por conseguinte, se tornou uma arma, a única arma, que muitos possuem. Já não assistimos a grandes palestras, nem vamos ao teatro, nem assistimos a shows ou qualquer coisa semelhante. Não podemos e nem conseguimos.
Perguntas que assombram: será que conseguiremos voltar ao que era/éramos antes? Será que aquele fevereiro pacato não nos colocou em outra realidade, agora realmente distópica?

Para muitos brasileiros, óbvio, a realidade sempre foi uma distopia permanente. Fome, miséria, a falta de leitos em hospitais, a eterna vivência nas ruas sem um teto para dormir, a dura labuta nos campos. Não podemos negar que a realidade sempre foi dura para muitos milhares. Agora, muito, muito pior. A escrita como uma arma contra o autoritarismo, o desespero dos dias, a saudades inúmeras, as dores incomensuráveis, vêm a ser o nosso único artifício perante a barbárie.

A saúde mental de milhões foi afetada. A nossa realidade se transformou. Virou de ponta cabeça de tal forma que, novamente, questiono: conseguiríamos retornar aos tempos anteriores? As dores dos dias após o fevereiro de 2020 serão sanadas e cessarão, ou teremos de viver, mesmo após a vacinação, esperando sempre, como um gatilho na cabeça, a próxima pandemia, as próximas dores, os próximos desencontros, o próximo genocídio?

Escrever nos dias que correm não é uma tarefa fácil. Quem vos escreve possuía muitos textos, muitas vezes ferinos e cirúrgicos neste Pragmatismo Político. Mas deixou de escrever, por dor, pela saudade, por pena, por desilusões consigo mesmo e pelo país em que reside. Deixou de ser quem era como todos os brasileiros em todos os recantos de uma região novamente subdesenvolvida e subsoberana. Uma nação triste. Como um pária para si mesmo, viu na tarefa da escrita um trabalho penoso e difícil. E ainda a vê.

Por isso hoje, não deixa mensagens de esperança, mas reflexões íntimas e pertinentes para todos os que irão ler este artigo: voltaríamos a ser quem éramos? Seremos capazes de nos reconstruir? Seremos capazes de curar dores que até então parecem incuráveis, ou viveremos em um futuro obscuro e desolado, em um mundo de guerras, sofrimento e perdas de muitos outros milhares?

*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestre em história
pela UFPR e professor da rede municipal de Itararé

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