Redação Pragmatismo
EUA 04/Nov/2020 às 03:35 COMENTÁRIOS
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EUA: Donald Trump sobrevive e tem grandes chances de ser reeleito

Publicado em 04 Nov, 2020 às 03h35

Apuração indica que Donald Trump tem grandes chances de ser reeleito nos Estados Unidos. Apesar da iminente derrota no voto popular, atual presidente conseguiu vitórias em estados-chave

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Projeções indicam que Trump deve vencer eleição nos EUA. Votações em Wisconsin, Michigan e Carolina do Norte serão decisivas

Haroldo Ceravoldo Sereza, Opera Mundi

Diante de todos os erros, mentiras e uma enorme fileiras de absurdos cometidos ao longo de quatro anos, Donald Trump sobreviveu. A apuração até às 3h da madrugada (horário de Brasília) aponta que ele deverá vencer a eleição — se perder, será por uma margem muito apertada.

Indubitavelmente responsável pelo fracasso absoluto na lida com o coronavírus, responsável por um país que gera mais pobreza e desemprego, racista, machista, misógino, ele está aí. Mostrou força e promete aniquilar as bases de legitimação da ex-admirada democracia norte-americana.

Um resultado desses não se explica apenas pelos acertos de Trump. É preciso entender onde falharam os democratas. E a resposta, embora óbvia, não será facilmente admitida: os erros são muitos, mas todos podem ser resumidos na estratégia Joe Biden.

O que foi a estratégia Biden? Basicamente, a opção por um nome centrista, incapaz de polarizar uma discussão, avesso a assumir qualquer compromisso radical em qualquer pauta que lhe fosse apresentada. Baseado em compromissos com o status quo, mas também com a leitura ligeira da situação política, Biden foi apresentado como o candidato capaz de conquistar o centro. O homem que tiraria votos menos radicais de Trump e, por outro lado, não animaria os eleitores mais extremados da direita a se sentirem ameaçados a ponto de se engajarem na luta contra o comunismo e socialismo, o fantasma que ronda a política norte-americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Não funcionou com Hillary Clinton, que adotou o mesmo discurso ao bater Bernie Sanders na convenção democrata, e não funcionou com Biden. Mesmo que Biden vença, ele deverá essa vitória não a seus méritos, mas à agressividade da covid-19. E, dessa forma, Trump e o trumpismo continuarão a ser uma força política poderosa nos Estados Unidos.

Onde, então, falhou o Partido Democrata?

A escolha centrista atrapalhou o partido mesmo em redutos tradicionais. Na Flórida, boa parte dos latinos bandeou para Trump. Biden não significava nenhuma esperança para eles. Para o eleitorado negro, Biden e Kamala Harris formavam uma dupla problemática, os políticos tradicionais que, de olho em eleitorados mais amplos, viraram as costas para a luta contra o encarceramento em massa. E para os trabalhadores brancos, seja nos estados industriais, seja nos estados agrícolas, o que mudaria com Biden? Quase nada. Nenhuma política explícita de aumento dos direitos trabalhistas ou do salário mínimo.

Biden não é igual a Trump. Sabemos que com ele a vida política norte-americana voltaria aos trilhos. O problema é, no caso, com que rumo. O que propunha Biden? Colocar os EUA no caminho que o país trilhava quatro anos atrás – que é, digamos assim, o caminho da catástrofe que levou a Trump. Nenhuma inversão de prioridades, nenhuma crítica ao sistema, nenhuma autocrítica concreta às políticas de Obama.

Nos anos 1990 e começo dos anos 2000, o filósofo húngaro Isztván Mészàros afirmava que, se o assunto fosse distribuição de renda e percentual de população abaixo da linha da pobreza, os Estados Unidos eram um país do Terceiro Mundo. Com o fim do socialismo soviético, a expressão Terceiro Mundo caiu em desuso. Mas a situação não muda porque deixamos de usar algumas palavras. A situação dos pobres norte-americanos só piorou de lá para cá. Os democratas, em tese mais próximos dos trabalhadores, não adotaram políticas que mudassem isso significativamente.

Nesse sentido, para os trabalhadores e marginalizados nos Estados Unidos, a diferença entre republicanos e democratas é simbólica. E entre um símbolo de força (Trump) e um de tibieza (Biden), perdoa-se todos os erros do histriônico e nenhum do cordato.

Assim, uma vitória democrata seria pouco mais que um alívio. Mas, como foi imaginada e talvez se concretize, não será capaz de eliminar o sufoco mundial que significou o projeto Donald Trump. Claro que a ultradireita recua um pouco com uma eventual derrota trumpista, o espaço da política se repõe, novos caminhos para a relação com a América Latina são abertos, com o retorno de algumas regras de civilidade que haviam deixado de valer.

Com doses altas de hipocrisia, com Biden voltaríamos a discutir problemas como covid-19, aquecimento global, embargo a Cuba, políticas de imigração, encarceramento em massa, negociações de paz no Oriente Médio. Nada de muitas esperanças, apenas a chance de tomarmos fôlego enquanto esperamos uma segunda onda direitista, eventualmente sob o comando do próprio Biden.

Uma vitória de Biden, pelo menos tudo indica, seria insuficiente para reverter os processos altamente destrutivos que campearam nos governos de Bill Clinton e Barack Obama: a desestabilização permanente de países ao redor do mundo, política de Estado no pós-crise de 2008 que levou os Estados Unidos a derrubarem indiretamente inúmeros governos nas Primaveras Árabes; o apoio discreto na Europa e explícito na América do Sul a políticos de direita; o escamoteamento de toda e qualquer crítica à ditadura da burguesia financeira e indústria dos EUA a contra os trabalhadores do próprio país.

O conservadorismo oposicionista de Biden tenderia, portanto, a não resolver as contradições que levaram Trump ao poder. Ao contrário, a maior parte delas seria apenas renovada. Não significaria a morte do projeto da ultradireita, nem teria forças suficientes para romper com a vocação imperial e autoritária dos Estados Unidos. Esses projetos continuarão a circular nos EUA e no mundo, como fantasmas em busca de casas para assombrar.

Há, no entanto, um novo componente em andamento nos EUA, que a disputa com a ultradireita e a arriscada opção democrata pelo centro acabou eclipsando: o crescimento de uma esquerda forte eleitoralmente nos Estados Unidos. Ainda que no topo a direção democrata seja ainda muito ligada ao grande capital financeiro, a base do partido caminha para posições mais radicais e realistas. Essa dupla vida democrata indica uma possibilidade de fratura no sistema bipartidário clássico. Só essa fratura pode reapresentar aos Estados Unidos algo que poderíamos chamar realmente de democracia.

Assim, a esperança não estava na figura de Biden e a rigor nem mesmo na de Bernie Sanders, que representava a esquerda realmente progressista (mas não radical) norte-americana. Mas, sim, no processo de reorganização política que parece estar seguindo passos lentos, mas consistentes, no país. Com a vitória apertada de Biden ou com sua derrota, a direção democrata, que o candidato personifica tão bem, terá de lidar, já, com uma esquerda democrata muito mais atuante e que tem muito mais voz do que aquela que aceitou a guinada centrista de Barack Obama.

Se Trump é o novo normal das milhares de mortes diárias da covid-19, Biden é o velho normal da política de um império em crise. O velho normal pode não ser tão terrível quanto o pesadelo dos anos Trump, mas também está longe de ser o mundo dos sonhos. E, para vencer a direita, não basta prometer o velho mundo, é preciso abrir que os deserdados da terra sonhem com um mundo melhor e acreditem que ele é possível.

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