Redação Pragmatismo
Saúde 10/Ago/2020 às 15:49 COMENTÁRIOS
Saúde

A devastação do coronavírus em um lar de idosos em Minas Gerais

Publicado em 10 Ago, 2020 às 15h49

Surto de coronavírus em asilo de idosos faz pequena cidade mineira repetir drama dos EUA e da Europa. Lar São Vicente de Paulo, em Alfenas (MG), teve quase todos os moradores infectados

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Bombeiros realizam desinfecção no Asilo Lar São Vicente de Paulo (reprodução)

Breiller Pires, El País

Ivone Bueno estava acostumada a superar adversidades. Uma das moradoras mais jovens e irreverentes do Lar São Vicente de Paulo, em Alfenas, no sul de Minas Gerais, ela era portadora de Síndrome de Down e havia deixado para trás um câncer de mama. Porém, aos 54 anos, não resistiu às complicações do coronavírus.

A “menina Ivone”, como os amigos a chamavam, foi uma das 16 vítimas do surto da doença no asilo que, em três semanas, registrou 98 idosos infectados. “Passamos por dias tristes e difíceis na casa”, diz Flavia Correa, diretora do Lar. “Vimos o vírus levar pessoas muito amadas.”

Em 24 de junho, a secretaria de saúde de Alfenas realizou testagem da equipe e moradores do asilo, confirmando dois casos positivos para o vírus. Em 8 de julho, já com quatro funcionários afastados do trabalho após manifestarem sintomas, o Lar São Vicente de Paulo contabilizou a primeira morte pela doença, um idoso de 82 anos.

No mesmo dia, a promotoria de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério Público determinou que a prefeitura enviasse à casa, em caráter de urgência, pelo menos um médico, além de disponibilizar equipamentos de proteção e a contratação temporária de enfermeiros para substituir funcionários afastados na tentativa de conter o surto.

Ainda assim, a força-tarefa para controlar o avanço da doença esbarrava nas limitações de uma cidade do interior, com 80.000 habitantes e uma economia baseada na agricultura e na pecuária. Desde o início da pandemia, o asilo suspendeu a visitação de parentes e reforçou medidas de higiene. A instituição filantrópica se mantém com a retenção de parte dos benefícios sociais de moradores e doações da comunidade.

Devido ao comprometimento do caixa pela inflação no custo de materiais de proteção como as máscaras faciais, que triplicaram de preço, o Lar só conseguiu fazer uma nova rodada de testes, doados por uma associação local, em 22 de julho. Ao todo, 26 dos 65 funcionários do asilo foram infectados pela doença ao longo do último mês, incluindo a diretora.

“Nem deu tempo de sentir os efeitos da doença”, conta Correa. “Precisei me virar para não deixar os moradores desassistidos durante o afastamento de funcionários. Para mim, o que eu sentia era apenas cansaço e desgaste pela situação.” Além de administrar a casa, ela também trabalha como assistente social no hospital da cidade, onde outros funcionários da instituição prestam serviços. Ela explica que, como muitos idosos saem do asilo para tratamento médico e profissionais de saúde que atendem os moradores precisam circular pelo município, não foi possível identificar o foco da contaminação. A falta de mão de obra tornou o esforço de contenção da covid-19 ainda mais complicado. “Espalhamos anúncios pela cidade e na internet, mas ninguém queria vir trabalhar aqui, por medo de pegar a doença”, afirma a diretora.

Inicialmente, os moradores que apresentaram exames negativos ficaram isolados na casa, enquanto os infectados foram transferidos para a ala restrita de uma clínica que atende pacientes com câncer. Diante do aumento acelerado de casos, o isolamento acabou invertido, e os idosos não contaminados retornaram ao Lar. Em meio ao surto, a instituição ainda teve de responder a questionamentos de moradores da cidade, que criticaram a promoção de um bazar beneficente na área externa da instituição. “Era um espaço isolado dos moradores, que não tinham contato com os funcionários que atendiam no bazar”, explica Correa. “Mas decidimos fechar para evitar ‘falação’.”

O Lar São Vicente de Paulo abriga 117 idosos. Dois deles seguem internados por causa do coronavírus. Por outro lado, 80 são considerados curados da doença. A preocupação agora é fazer com que os outros 20, que escaparam da infecção, permaneçam blindados da pandemia que obrigou Alfenas a adotar medidas mais severas de isolamento social nesta semana. A cidade, que soma mais de 300 casos e 21 óbitos, é a que registra a maior expansão da covid-19 no sul de Minas. Até abril, o município tinha apenas dois diagnósticos confirmados da doença. Nessa época, o governador do Estado, Romeu Zema, defendia que o vírus deveria “viajar um pouco” para que se alcançasse uma suposta imunidade de rebanho.

De acordo com a prefeitura de Alfenas, onde a primeira morte por coronavírus aconteceu no início de julho, a secretaria de saúde adotou todas as medidas recomendadas pelo Ministério Público para aplacar o surto no asilo. “Temos segurança do trabalho que foi feito pela nossa equipe. Não houve nenhuma falha na assistência por parte do município”, diz o prefeito Luiz Antonio da Silva (PT). “Uma tragédia, com tantas perdas humanas no mesmo lugar, é algo que ninguém deseja. Nós sofremos com as famílias. É uma grande dificuldade conter a pandemia nos asilos, como aconteceu nos países de primeiro mundo.”

Por abrigar o principal grupo de risco do coronavírus, as casas de repouso classificadas como Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) continuam em alerta ao redor do mundo, sob a sombra de asilos que protagonizaram surtos em outros epicentros globais da doença. Em Kirkland, nos Estados Unidos, 35 idosos da mesma instituição morreram após uma contaminação massiva.

Em países da Europa, como Espanha, Itália e França, que contabilizou 20 mortes somente em um abrigo para idosos na região de Vosges, os asilos se tornaram focos com alto índice de letalidade. Na semana passada, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação contra a prefeitura de Tupã, no interior paulista, por causa de 14 mortes registradas na Casa Emanuel, interditada depois de registrar 47 moradores infectados.

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