Eric Gil Dantas
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Mercado 17/Fev/2020 às 15:17 COMENTÁRIOS
Mercado

O populismo de mercado

Eric Gil Dantas Eric Gil Dantas
Publicado em 17 Fev, 2020 às 15h17

O que é populismo de mercado? Mesmo a população sendo contra, mesmo gerando custos econômicos e financeiros para o Brasil, o governo adota a política do mercado sem sequer se dar ao luxo do benefício da dúvida. O insulto de Guedes a domésticas é um exemplo deste populismo

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O ministro Paulo Guedes durante o Fórum Lide em Campos do Jordão (SP) / Imagem: Gustavo Rampini/Lide/Divulgação

Eric Gil Dantas*, Pragmatismo Político

Economistas liberais, grande mídia, políticos de direita e todos os outros amigos da turma do mercado, gostam de xingar (um termo mais exato do que “definir”, para este caso) uma política econômica como populista quando ela vai de encontro ao receituário liberal (basicamente, a defesa do baixo gasto público). Se não cortar dinheiro de escolas, universidades, hospitais, salários, pesquisa ou mesmo de um programa de transferência de renda para pobres, é populismo.

A confusão aumentou nos últimos anos por conta, basicamente, de dois fatores: (i) ascenção dos governos populistas de direitas; e (ii) a intensificação das críticas ao modelo econômico adotado pelos governos petistas. Bem, mas primeiramente é importante que saibamos o que é populismo e depois o que é populismo econômico.

Como o cientista político Adriano Codato descreve em seu verbete de “populismo” no Dicionário Básico de Sociologia coordenado por Francisco Teixeira e publicado em 2012 pela Global Editora: “o populismo é, em primeiro plano, um tipo específico de ligação entre o líder e as massas. Trata-se de um estilo político que se apoia em elementos não racionais, tais como a demagogia, a autoridade do chefe político, a sua capacidade quase ilimitada de apelo emocional às bases, a manipulação das vontades e aspirações dos eleitores”. Com seu carisma, ele seduz e fascina seus seguidores.

O caso clássico brasileiro é o de Getúlio Vargas, mas também tivemos outros exemplos, como Jango, Brizola e Maluf, cada qual com suas especificidades. Já na América Latina, teríamos líderes como Perón, Chávez e Evo.

Este não é um fenômeno que se enquadre especificamente na direta ou na esquerda, tanto que a nova onda é a do “populismo de direita”, com figuras como Trump, Bolsonaro e Viktor Orbán. Diferentemente dos populismos de esquerda, que historicamente denunciam como inimigos a serem enfrentados o imperialismo, as empresas estrangeiras e/ou a elite econômica, a direita elege comumente como imigos imigrantes, minorias étnicas e religiosas, LGBTs, sindicatos, partidos de esquerda e intelectuais. Se o leitor puxar da memória, o Bolsonaro já perseguiu cada um dos representante destes grupos e toma isto como política para inflar sua base.

Definido o que é populismo, de um modo geral, o que seria exatamente o tal de populismo econômico? Apesar de os economistas liberais tratarem como xingamento, há estudiosos sérios sobre o tema. Um deles é o economista Pedro Cezar Dutra Fonseca. Em artigo intitulado de “O mito do populismo econômico de Vargas”, publicado em 2011 na Revista de Economia Política, Fonseca diz que este fenômeno é caracterizado por : (i) política salarial frouxa, com ganhos superiores à produtividade (o chamado “populismo salarial”); (ii) aumento de gastos públicos não coberto por impostos (“populismo fiscal”); (iii) apreciação do câmbio (“populismo cambial”).

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Obviamente você gastar mais do que arrecada simplesmente para ganhar votos, é uma medida econômica populista. No entanto, o que os liberais fazem é distorcer políticas econômicas desenvolvimentistas para dizerem que eles são os guardiões do erário e os outros são os gastadores irresponsáveis. Nas palavras de Fonseca, “o desenvolvimentismo pode ser definido como a “ideologia de transformação da sociedade brasileira” assentada em um projeto econômico voltado à industrialização como via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento, sob o entendimento de que esta não adviria pela espontaneidade das forças de mercado, ou seja, seria indispensável a atuação do Estado como indutor, agente planejador do desenvolvimento e/ou investidor direto”. Em síntese, a intervenção isto surge justamente por estes economistas acharem que não são as forças espontâneas do mercado que desenvolvem uma economia, precisando de políticas econômicas específicas para isto.

Vejam que, para um economista liberal oportunista, embaralhar ambos os conceitos para xingar um desenvolvimentista de populista econômico é fácil. Mas o desenvolvimentista não defende uma política fiscal expansionista para ganhar voto, e sim porque acredita que só assim desenvolverá a economia. Aproveitando-se da confusão, os liberais ainda tentam taxar qualquer keynesiano ou desenvolvimentista como gastador irresponsável, no entanto, assim como demonstraram os economistas Marcelo Curado e Virginia Fernández, em publicação intitulada de “O mito da leniência fiscal no pensamento econômico desenvolvimentista”, e publicada em 2018 na Revista Economia e Sociedade, esta acusação é falsa, pois tanto a geração mais antiga quanto a mais recente de economistas desenvolvimentistas não propõem aumento de gastos públicos sem um financiamento estatal explícito.

Mas o que existe mesmo é outra coisa, um tal de populismo de mercado. Esse sim é uma pedra no sapato dos países pobres.

O populismo de mercado se caracteriza lato sensu por duas questões fundamentais: (i) a adoção do conjunto de medidas exigidas pelo mercado (financeiro), mesmo que este vá de encontro aos interesses (e opinião pública) da população como um todo; e (ii) o se importar apenas com a opinião deste segmento, falando exclusivamente nestes espaços e se importando apenas com o seu “humor”.

Este populismo de mercado atravessou, inclusive, os governos petistas. E qual foi o principal caso deste tipo de populismo na época de Lula e Dilma? Taxas de juros absurdas. André Lara Resende, um economista liberal mas que assume quando a sua teoria está incorreta, já vem contestando o motivo pelo qual a taxa SELIC vem absurdamente alta desde o Plano Real, mesmo sem isto servir sequer para o que em tese seria sua principal missão, manter baixa a inflação. Ninguém sabe exatamente o porquê da SELIC ter ficado tão alta por tanto tempo, e nem o motivo pelo qual Dilma não conseguiu sustentar diminuições na SELIC e no juro de mercado, a partir da Caixa e do BB. Era apenas a vontade do mercado, mesmo que isto tenha tido um custo trilionário para os cofres públicos.

Mas os exemplos são fartos, e vamos para mais alguns.

Por que Temer e o Congresso aprovaram a PEC do teto dos gastos? Ela é impossível de ser mantida (e estamos vendo uma tensão com o Senado agora), mas foi encomendada pelo mercado para diminuir os gastos sociais do Estado brasileiro.

Por que uma Reforma da Previdência que a maioria da população era contra, que piorou a vida das pessoas sem sequer ter feito a economia crescer? Os deputados e senadores votaram mesmo sabendo que isto tiraria voto deles.

Por que o governo está privatizando empresas lucrativas e fundamentais para o Estado, como a Petrobras e suas subsidiárias, o Serpro, Dataprev, subsidiárias da Caixa e do BB?

Por que a Petrobras deve manter uma política de preços alinhada ao mercado, se somos autosuficientes em petróleo e temos quase o monopólio do refino, possibilitando que tenhamos combustíveis e gás de cozinha mais barato para a população? Tivemos greve de caminhoneiros em 2018 por conta desta política de preços, tivemos gente voltando à lenha pra poder cozinhar, perda de poder aquisitivo para a população, aumento dos preços de todos os produtos da economia que precisam ser transportados de um lado para o outro, só pra garantir lucro pra os acionistas da estatal, pois esta é a vontade do mercado.

O que é populismo de mercado? Mesmo a população sendo contra, mesmo gerando custos econômicos e financeiros para o Brasil, o governo adota a política do mercado sem sequer se dar ao luxo do benefício da dúvida. Além do mais, a comunicação que importa é apenas com o mercado. Alguém vê o ministro da Economia em outro evento que não empresarial? Guedes insultou empregadas domésticas em evento empresarial, e depois justificou sua fala em outro evento empresarial. Para este populismo, apenas uma opinião importa, a do mercado, e sua comunicação é feita exclusivamente para esta elite. Este sim é o populismo sob o qual nós vivemos e que devemos combater.

*Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais do Brasil (IBEPS), é doutor em Ciência Política pela UFPR.

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