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Aborto 23/Ago/2018 às 17:00 COMENTÁRIOS
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Por que não falamos sobre o 'aborto masculino'?

Publicado em 23 Ago, 2018 às 17h00

A comparação entre aborto e o abandono paterno ganhou uma frase que tem repercutido nas redes sociais sempre que um dos dois temas aparece: “o aborto masculino já é legalizado”

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A comparação entre aborto e abandono paterno ganhou uma frase que pipoca nas redes sociais sempre que um dos dois temas aparece: “o aborto masculino já é legalizado”.

Diz respeito, na verdade, ao grande número de homens que abandonam filhos e mães e deixam a obrigação de criar a criança sob responsabilidade apenas da mulher. No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na identidade.

Quem usa o termo afirma que é uma provocação: enquanto o tema aborto desperta paixões e discussões acaloradas, o abandono paterno não tem a mesma atenção.

Há uma quantidade muito grande de mães criando filhos sozinhas. E sobre isso nada é falado. Já sobre a escolha da mulher grávida abortar ou não o debate ganha até contornos de fanatismo”, afirma a antropóloga e pesquisadora da Anis (Instituto de Bioética), Debora Diniz, ativista pró-legalização do aborto.

Se estão mesmo preocupados com a vida e o futuro das crianças, por que não começar com essa pauta e intimar outros homens a cumprirem seu papel?”, pergunta Debora, que complementa: “Se o termo deve ser usado é outra questão. Particularmente, acredito que há outras palavras mais fortes para mostrar o silêncio dos homens e essa incoerência argumentativa, como desamparo e abandono parental.”

“Abandonar é pior do que abortar”

O questionamento sobre o uso do termo passa por algumas diferenças fundamentais, a começar pela legislação. “Apesar de a interrupção de gravidez fazer parte do código penal, em relação ao embrião não há nenhuma exigência legal. Já sobre a criança nascida viva, há responsabilidades que pai e mãe devem cumprir”, explica a defensora pública federal Charlene Borges, coordenadora do grupo de trabalho Mulheres da Defensoria Pública da União.

Interromper a gravidez, portanto, é crime, mas há também uma condenação moral, ética e religiosa. Já o abandono paterno não tem o mesmo espaço para discussão, tampouco políticas públicas para evitar que pais abandonem crianças. Atualmente, 11 milhões de brasileiras são responsáveis, sozinhas, pela criação dos filhos.

Para Charlene, há um equívoco técnico no uso do termo “aborto masculino”. O correto, no direito de família, é abandono parental. Stella Avallone, do coletivo Mães Solo Feministas, concorda que o uso da expressão é perigoso, porque o abandono paterno é uma situação pior do que a da interrupção de gravidez. No coletivo, ela e outras ativistas têm entre suas pautas a descriminalização do aborto.

Ouço sempre essa comparação, pessoas dizendo que há pais que abortam. Mas não dá para comparar. Abandonar é muito pior do que abortar. No abandono, a criança está viva, pensando, sendo negligenciada e sofrendo a rejeição.”

Stella tem a experiência desse trauma dentro de casa. A filha, Beatriz, de sete anos, é reconhecida e recebe pensão. Mas não significa que há divisão de tarefas na criação, segundo ela. O pai se afastou depois que Stella pediu o divórcio, ela conta. “Ele cumpre apenas com suas obrigações legais. Já aconteceu de ela chorar compulsivamente falando dele, sem entender porque o pai não ficava perto”, diz Stella. “Quando o questionei, ele disse que não era presente porque não tinha estômago para ficar perto de mim.”

Origem da expressão

O termo aborto masculino surgiu primeiro nos Estados Unidos, mas em outro contexto. Lá, onde a interrupção da gravidez é legalizada, grupos que se dizem ativistas pelos direitos dos homens se reuniram para exigir que o mesmo amparo legal fosse concedido a eles, o de abrirem mão da paternidade. Mas a reivindicação não recebeu suporte da legislação.

No Brasil, o termo foi adaptado à nossa realidade. Como o aborto ainda é crime por aqui, tanto para quem pratica e quanto para quem dá qualquer suporte à prática, a intenção é mostrar a contradição no peso que se dá à obrigação de uma mãe em comparação à do pai. “No segundo caso, não há reprovação moral“, conclui Charlene.

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Camila Brandalise, Universa

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